Vinícius Lousada
Como doutrina filosófica, o
Espiritismo não porta o ethos das religiões ordinárias, não devendo as
ações nele inspiradas refletir práticas culturais que desnaturem o seu sentido
mais profundo, ou seja, a nossa práxis existencial carece de ser plenamente
orientada pelos princípios da Filosofia Espírita, tal como nos apresenta a
produção kardequiana, nada obstante, a regulação dessa busca de coerência seja
no âmbito do foro íntimo.
Portanto, não podemos perder de
vista a necessidade do adepto se tornar alguém esclarecido quanto ao que é o
Espiritismo e a sua finalidade. Para tanto é indispensável o estudo continuado
e sério das obras fundamentais da Doutrina Espírita, cujo conjunto pertence a
Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos.
Estudando o Espiritismo com certo
rigor metodológico vamos compreendendo, pouco a pouco, o seu objetivo essencial
de aprimoramento intelecto-moral dos homens e das mulheres, contribuindo com o
progresso geral na medida em que revela a nossa natureza espiritual, derrubando
o materialismo pelos fatos que permite observar e pela sua filosofia que
concede um entendimento arejado visto, das Leis Divinas.
A propósito, Allan Kardec, num
opúsculo que fez muito sucesso à sua época, intitulado O Espiritismo em sua
expressão mais simples[1], afirma que o objetivo
essencial do Espiritismo é o melhoramento da humanidade, não sendo necessário
buscar nele nada além daquilo que contribua nesse sentido.
O nobre Codificador ressalta, dessa forma,
o caráter ético-moral da Ciência do Espírito quando torna inteligível a nós
outros, através dos ditados dos Espíritos Superiores por diversos médiuns e
pelas suas reflexões, a moral do Cristo em sua pureza e mais ampla aplicação,
apresentando-a como um chamado à felicidade para a qual pode conduzir a
criatura desorientada desses dias.
Obviamente, é preciso considerar que
cada um aprecia o Espiritismo conforme as suas condições evolutivas. Nesse
caso, a maturidade do senso moral é o que dá ensejo de captarmos o seu elemento
essencial no tocante ao nosso aprimoramento interior.
Lendo a Revista Espírita, bem se vê que Kardec se esforçava por destacar o
Espiritismo como “ciência moral (...) por que falava ao coração e à
inteligência”[2],
apresentando ao indivíduo aturdido pela dúvida a certeza do futuro baseada em
evidência científica e as respostas às questões mais complexas que se referem à
natureza, origem e destino do Espírito.
O fim maior que visa a Doutrina dos
Espíritos fica em evidência no componente ético destacado nas suas obras e, em
especial, num dos artigos escritos por Kardec quando ele assevera
peremptoriamente: “A finalidade do Espiritismo é tornar melhores aqueles que o
compreendem.”[3]
Aquele que direciona a sua vida moral no
sentido do aperfeiçoamento inspirado nos postulados do Espiritismo pode ser
definido por verdadeiro espírita ou espírita cristão, reconhecido, nas palavras
de Kardec, “pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega em domar
as suas más tendências”[4].
O espírita sincero tem um
compromisso com a própria consciência que diz respeito ao aproveitamento
pessoal do conteúdo moral da doutrina que professa, tornando-a sua verdadeira
filosofia de vida, orientadora de sua conduta.
Sendo o fim do Espiritismo a melhoria
moral do adepto e o mesmo reconhecido como autêntico quando vivencia a proposta
moral que adere, pode-se compreender que lhe cabe dar o testemunho de que os
textos doutrinários não são letra morta.
Oportunamente, li uma entrevista de
Chico Xavier onde o sabiamente dizia que as pessoas procuram no centro espírita
o Espiritismo em seu caráter prático e em nós, os espíritas, o Espiritismo
praticado.
ESTUDANDO KARDEC
“Será então necessária, para
compreendê-la [a Doutrina Espírita], uma inteligência fora do comum? Não, tanto
que há homens de notória capacidade que não a compreendem, ao passo que
inteligências vulgares, moços mesmo, apenas saídos da adolescência, lhes
apreendem, com admirável precisão, os mais delicados matizes. Provém isso de
que a parte por assim dizer material da ciência somente requer olhos que
observem, enquanto a parte essencial exige um certo grau de sensibilidade, a
que se pode chamar maturidade do senso moral, maturidade que independe da idade
e do grau de instrução, porque é peculiar ao
desenvolvimento, em sentido especial, do Espírito encarnado.”[5]
[1]
O Espiritismo em sua expressão mais simples, item 35.
[2]
Revista Espírita, setembro de 1858 – Propagação do Espiritismo.
[3] Revista Espírita, julho de 1859 –
Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas – discurso de encerramento do ano
social 1858-1859.
[4] O Evangelho segundo o Espiritismo,
Cap. XVII, item 4.
[5] O Evangelho segundo o Espiritismo,
Cap. XVII, item 4.