domingo, 25 de abril de 2010

A pobreza e o atendimento espiritual na Casa Espírita

Estes princípios, para mim, não existem apenas em teoria, pois que os ponho em prática; faço tanto bem quanto o permite a minha posição; presto serviços quando posso; os pobres nunca foram repelidos de minha porta, ou tratados com dureza; foram recebidos sempre, a qualquer hora, com a mesma benevolência; jamais me queixei dos passos que hei dado para fazer um benefício (...).” - Allan Kardec. (1)


A caridade como paradigma

Na epígrafe acima encontramos um trecho selecionado de pensamentos íntimos do mestre Allan Kardec a respeito da caridade, constante numa obra publicada após a sua desencarnação que, por sua vez, contém a compilação de uma série de manuscritos postumamente apresentados na Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos.

Nesse texto, em especial, vemos Kardec ressaltar que a caridade para ele não era mera máxima ou palavra bem posta nos lábios, era uma práxis, ou seja, uma atitude conectada ao exercício do raciocínio sobre a mesma.

Destaca, ainda, que realizava algo em prol do próximo sempre que possível, denotando que seu diminuto tempo livre era disposto no serviço ao outro e, ainda, numa abertura de coração aos mais pobres cujo acolhimento não tinha hora para acontecer.

terça-feira, 20 de abril de 2010

QUANDO CAI UM SOLDADO


Ao voltar do campo de lutas, recolhendo os bravos que sucumbiram, muitas reflexos nos visitam a alma afeita a estes embates e sempre identificamos que a queda, no mais das vezes, é fruto da solidão.

Os batedores do caminho, aqueles que vasculham e abrem trilhas para que seus predecessores avancem, os que olham o horizonte e tentam desvendar a presença do inimigo e suas estratégias, no afã de conduzir as fileiras em segurança, fazem trajeto solitário e contam apenas com o seu discernimento e capacidade de resistência.



Os companheiros que palmilham estradas, as mais das vezes, abertas por estes vanguardeiros, acomodam-se esquecidos de que lá, no front da luta eles guardam as mesmas fragilidades, medos  e inseguranças dos que marcham nas últimas formações.



São tão humanos e mortais, vulneráveis, ainda que dotados de coragem e iniciativa .



São os grandes esquecidos nos nossos contingentes. As suas horas de apreensão, de incertezas, as suas preocupações sequer são percebidas, porquanto vividas no retiro, distanciado dos seus cômpares, que lhes atribuem, por vezes, o galardão de heróis ou seres imbatíveis.



O longo tempo da espera pelo amigo que se faça presença incondicional, que ajude na vigilância dos acampamentos em que nos retemperamos da  marcha; o anseio pelo olhar fraterno que auxilie a perscrutar o horizonte e os sinais de perigo que se avizinham, provocam o sono comprometedor, quedando-se o batedor vencido e surpreendido pelas emboscadas do caminho.

Contemplá-lo vencido, sentimos o quanto contribuímos para a sua derrota.



A solidão dos líderes. Eis a porta mais vulnerável à investida dos que espreitam nas sombras para disseminarem o caos e impingir derrotas às falanges devotadas ao trabalho de edificação moral na Terra.



Lembremo-nos, todos, de que o mais perfeito dos homens que conhecemos escolheu não caminhar sozinho, ainda que em dados instantes, tenha se consorciado ao abandono, para poupar seus seguidores.



A solidão é enganosa. Provoca a ilusão de fortaleza e produz a sensação de autosuficiência.

No isolamento, a que relegamos os líderes, alimentamos o combustível da vaidade, esta filha dileta do orgulho. Aprofundamos o fosso da distância que passa a reger as relações entre líderes e liderados, uma vez que este contexto das vivências humanas ainda é deficitário no entendimento da humanidade.



Olha para o lutador que tombou e verás a ti mesmo, tantas vezes impotente para continuar, exausto quando todos te pensam gigante.

Recolhe teus bravos. Uma luta perdida não compromete a guerra perene contra as hostes do mal que se aninha em nós. A menos que entreguemos aos seus tentáculos os nossos contendores nas horas difíceis que
experimentarem.

Com fraternal apreço.
Sepé







(Psicografado no Hospital Espírita de Porto Alegre, por Maria Elisabeth Barbieri)

sexta-feira, 16 de abril de 2010

A insensatez do preconceito


VINÍCIUS LOUSADA - EDUCADOR

É tempo de transformar. É tempo de educar. – Camilo





A presença do preconceito na atualidade denota nosso estágio de civilização incompleta que, embora tenha logrado diversos sucessos no campo da ciência e da tecnologia, não avançou suficientemente em desenvolvimento moral.

Fruto do egoísmo, este sentimento mostra-se como uma modalidade da violência que, não obstante o seu caráter simbólico, estigmatiza milhares de criaturas legitimando desigualdades e explicitando um espírito de intolerância pelo qual é veiculado.

O pensamento preconceituoso revela uma racionalidade instrumental, linear, rígida e egocêntrica, historicamente cultivada numa leitura da vida e do outro a partir dos referenciais do observador que, na sua soberba, coisifica os objetos de sua análise.

Assim, o outro, por ser diferente, passa a ser visto como oponente ou alvo de nossa conquista, e para se ter qualquer nível de proximidade, nega-se a existência de seu universo particular, convertendo-o ao nosso, ignorando-o, domesticando-o, na tentativa de destruir a sua identidade.

Tal habitus, apresentado ao longo da história da humanidade, nos processos colonizadores de terras e povos ou nas disputas religiosas e sangrentas, bem caracteriza a demência dos homens e mulheres que nele se enveredam desperdiçando relevantes oportunidades de aprendizado.

Leonardo Boff, numa reflexão muito pertinente sobre a ambigüidade da conduta humana, lembra que a racionalidade do homem moderno, tão elogiada por conquistar, desvendar os mecanismos da natureza e interpretar os sentidos do mundo, é a mesma que apresenta seu “lado de demência, de lobo voraz e de satã da Terra. É o homo demens demens.”(1) A criatura intelectualizada que descobre a cura de enfermidades, que legisla em prol da justiça social, também fomenta armas químicas, produz desigualdades, cultiva preconceitos. Na sua dubiedade comportamental a humanidade é sapiens e é demens, postula a favor da vida, mas também cede ao instinto de destruição.

E na sua escrita instigante, o referido filósofo cristão levanta um questionamento a respeito da possibilidade de se articular estas duas facetas do ser humano, ou seja, de uma síntese capaz de superar esta contradição sapiens/demens, sabedoria/demência, lucidez/estupidez, sugerindo que necessitamos “construir pontes. Criar uma terceira margem. Ultrapassar oposições.”

Acredito que o Espiritismo tem uma notável contribuição neste sentido, pois nos enseja compreender que somos seres imortais inseridos numa caminhada educativa e, por isso, progredindo, via reencarnação, em inteligência e moralidade. Dessa forma, apreendemos que esta dicotomia comportamental, ainda presente em nossa civilização, só será superada, conforme nos assinalam os Espíritos, “(...) quando o moral estiver tão desenvolvido quanto a inteligência.” (2)

Enquanto isso não acontece, o preconceito demonstra o egoísmo que há no psiquismo humano, ainda não totalmente burilado mas que, fatalmente, será levado a cabo no circuito das vidas sucessivas.

“O egoísmo é a persistência em nós desse individualismo feroz que caracteriza o animal, como vestígio do estado de inferioridade pelo qual todos já passamos.”(3) – diz-nos Léon Denis, reafirmando a Codificação que demonstra ser o egoísmo esta herança do primarismo pelo qual já transitou o princípio inteligente nos tempos em que andava na fieira da ignorância.

Vindo o Espírito, ao longo de sua jornada ascensional, aprendendo a domar os instintos pelos mecanismos do sofrimento, alargando a inteligência pelas exigências do trabalho, despertando paulatinamente para a presença e lutas de seus pares, é estimulado a desenvolver os sentimentos nos laços sociais estabelecidos, primeiramente com os membros do grupo consangüíneo, para acordar ao altruísmo que lhe é latente, a fim de atender pelo amor à realidade da grande família universal.

Atravessamos este processo evolutivo pelos reinos da natureza até chegarmos na fase hominal e um dia seremos Espíritos Puros.

Estagiamos nas variadas moradas do universo, reencarnamos em diferentes povos, vivemos em diversos climas, culturas e cores, alternamos a morfologia sexual – conforme as nossas necessidades evolutivas –, ora estivemos ricos, ora pobres... Sabendo disso tudo, a insensatez do preconceito se revela ainda mais patente aos nossos olhos.

Portanto, aprendamos a conviver respeitando as diferenças, rompendo qualquer concepção de racismo, sexismo, fundamentalismo religioso ou político. Optemos, no espaço público, pelo diálogo, pela multiculturalidade, pelo ecumenismo, pela diversidade étnica, pelo pluralismo, todos radicalmente necessários a uma democracia real!

Ao invés da competição, estabeleçamos a cooperação em nossos relacionamentos. Ninguém precisa abrir mão de suas convicções, mas tem de respeitar as dos demais.

Valorizemos a outredade(4) , reafirmada por Paulo Freire como a expressão do “não-eu” do outro. Cada qual possui sua identidade cultural, tem o direito de assumi-la e manifestar-se nela na vida social desde que não fira os direitos alheios.

Não queremos homogeneizar o mundo, correndo o risco de perder a beleza de sua diversidade, ou queremos?

Compreendamos o próximo como sendo outro ser, condutor de sua própria história, com suas razões, vivências, subjetividade e saberes, libertando-nos do desejo doentio de que sua fala seja eco da nossa, sua opinião reflexo da que portamos, ou ainda, que ele seja “clone” de nós mesmos.

“Abolindo os prejuízos de seitas, castas e cores, [o Espiritismo] ensina aos homens a grande solidariedade que os há de unir como irmãos.”(5) Então, tenhamos coragem de desrespeitar a lógica dos preconceitos, educando-nos com os valores que os saberes espíritas nos conferem para uma vida plena de aprendizagens significativas, afastando-nos da miopia do materialismo e fazendo-nos entender onde estão nossos verdadeiros interesses sob o prisma da espiritualidade.



1. BOFF, Leonardo. O despertar da águia: o dia-bólico e o sim-bólico na construção da realidade. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1988, p. 16, 17.


2. O Livro dos Espíritos, questão 791.

3. DENIS, Léon. Depois da morte. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1987, p. 268.

4. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 14 ed. São Paulo: Paz e Terra, p. 46.

5. O Livro dos Espíritos, questão 799.

sábado, 3 de abril de 2010

Espiritismo no Brasil na opinião de Chico Xavier


No seu modo de entender, como se situa o Espiritismo no Brasil?

Chico Xavier:


- Desde muito, os instrutores desencarnados nos ensinam, por via mediúnica, que o Espiritismo no Brasil é realmente a Doutrina Codificada por Allan Kardec, restaurando os ensinamentos de Jesus, em sua simplicidade e clareza. Enquanto em muitos países diferentes do nosso, a prática espírita se resume a observações puramente científicas e a técnicas mediúnicas, entre nós, brasileiros, o assunto assume características diversas, compreendendo-se que o reconhecimento da imortalidade da alma faz-se acompanhar de conseqüências morais a que não nos será lícito fugir. Aprendemos com Allan Kardec que a Doutrina Espírita é a presença espiritual de Nosso Senhor Jesus Cristo na Terra, conclamando-nos à vivência real dos seus ensinamentos de luz e amor.

Em razão disso, o Espiritismo no Brasil é a caridade em ação com a fé raciocinada baseando-lhe as iniciativas e movimentos. Consultemos o acervo das instituições assistenciais do Espiritismo Cristão, espalhadas no Brasil inteiro e observemos a difusão das obras de Allan Kardec, em todo o nosso País, com a supervisão e o devotamento da Federação Espírita Brasileira e ser-nos-á fácil reconhecer em nosso desenvolvimento coletivo a presença do Espiritismo em sua legítima expressão, a definir-se como sendo o retorno das criaturas ao Cristianismo simples e puro.

(Do livro de Elias Barbosa, No Mundo de Chico Xavier, editado pelo Instituto de Difusão Espírita, de Araras, SP)



sexta-feira, 2 de abril de 2010

Notas Bibliográficas - OS EVANGELHOS EXPLICADOS Pelo Sr. Roustaing


Esta obra compreende a explicação e a interpretação dos Evangelhos, artigo por artigo, com a ajuda de comunicações ditadas pelos Espíritos. É um trabalho considerável e que tem, para os espíritas, o mérito de não estar, em nenhum ponto, em contradição com a doutrina ensinada em O Livro dos Espíritos e em O Livro dos Médiuns. As partes correspondentes às que tratamos em O Evangelho segundo o Espiritismo o são em sentido análogo. Aliás, como nos limitamos às máximas morais que, com raras exceções, geralmente são claras, elas não poderiam ser interpretadas de diversas maneiras; por isso jamais foram assunto de controvérsias religiosas. Foi por esta razão que por aí começamos, a fim de ser aceito sem contestação, esperando, quanto ao resto, que a opinião geral estivesse mais familiarizada com a idéia espírita.



Os Quatro Evangelhos, seguidos dos mandamentos explicados em espírito e em verdade pelos evangelistas, assistidos pelos apóstolos.
Recolhidos e coordenados por J.-B. Roustaing, advogado na corte imperial de Bordeaux, antigo bastonário. – 3 vols. In-12. – Preço: 10 fr. 50. – Paris, Librairie centrale, 24, boulevard des Italiens. – Bordeaux, todos os livreiros.


O autor desta nova obra julgou dever seguir outro caminho; em vez de proceder por gradação, quis atingir o fim de um salto. Assim, tratou certas questões que não tínhamos julgado oportuno abordar ainda e das quais, por conseqüência, lhe deixamos a responsabilidade, bem como aos Espíritos que as comentaram. Conseqüente com o nosso princípio, que consiste em regular nossa marcha pelo desenvolvimento da opinião, até nova ordem não daremos às suas teorias nem aprovação, nem desaprovação, deixando ao tempo o cuidado de as sancionar ou as contraditar. Convém, pois, considerar essas explicações como opiniões pessoais dos Espíritos que as formularam, opiniões que podem ser justas ou falsas, e que, em todo o caso, necessitam da sanção do controle universal, e, até mais ampla confirmação, não poderiam ser consideradas como partes integrantes da Doutrina Espírita.



Quando tratarmos destas questões, fá-lo-emos categoricamente. Mas é que então teremos recolhido documentos bastante numerosos nos ensinos dados de todos os lados pelos Espíritos, a fim de poder falar afirmativamente e ter a certeza de estar de acordo com a maioria; é assim que temos feito, toda vez que se trata de formular um princípio capital. Já dissemos cem vezes: Para nós a opinião de um Espírito, seja qual for o nome que traga, tem apenas o valor de uma opinião individual; nosso critério está na concordância universal, corroborada por uma lógica rigorosa, para as coisas que não podemos controlar com os próprios olhos.



De que nos serviria dar prematuramente uma doutrina como verdade absoluta se, mais tarde, devesse ser combatida pela generalidade dos Espíritos?

Dissemos que o livro do Sr. Roustaing não se afasta dos princípios de O Livro dos Espíritos e de O Livro dos Médiuns.

Nossas observações assentam sobre a aplicação desses mesmos princípios à interpretação de certos fatos. É assim, por exemplo, que ele dá ao Cristo, em vez de um corpo carnal, um corpo fluídicoconcretizado, tendo todas as aparências da materialidade, e dele faz um agênere. Aos olhos dos homens que então não tivessem podido compreender sua natureza espiritual, deve ter passado em aparência, expressão incessantemente repetida no curso de toda a obra, para todas as vicissitudes da Humanidade. Assim se explicaria o mistério de seu nascimento: Maria não teria tido senão as aparências da gravidez. Este ponto, posto como premissa e pedra angular, é a base sobre a qual ele se apóia para a explicação de todos os fatos extraordinários ou miraculosos da vida de Jesus.



Sem dúvida nada há nisso de materialmente impossível para quem quer que conheça as propriedades do invólucro perispiritual. Sem nos pronunciarmos a favor ou contra essa teoria, diremos que ela é, pelo menos, hipotética, e que se um dia fosse reconhecida errônea, faltando a base, o edifício desabaria.



Esperamos, pois, os numerosos comentários que ela não deixará de provocar da parte dos Espíritos, e que contribuirão para elucidar a questão. Sem a prejulgar, diremos que já foram feitas sérias objeções a essa teoria, e que, em nossa opinião, os fatos podem perfeitamente ser explicados sem sair das condições da humanidade corporal.



Estas observações, subordinadas à sanção do futuro, em nada diminuem a importância desta obra, que, ao lado de coisas duvidosas, em nosso ponto de vista, encerra outras incontestavelmente boas e verdadeiras, e será consultada com proveito pelos espíritas sérios.



Se o fundo de um livro é o principal, a forma não é para desdenhar e também concorre com algo para o sucesso. Achamos que certas partes são desenvolvidas muito extensamente, sem proveito para a clareza. A nosso ver, se a obra se tivesse limitado ao estritamente necessário, poderia ter sido reduzida a dois, ou mesmo a um só volume, com isso ganhando em popularidade.

                                                                        Allan Kardec

(Artigo retirado da Revista Espírita, junho de 1866)