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Vinícius Lousada[1]
Ignorante
quanto à sua destinação, [o Espírito] desperta para a própria realidade
mediante as experiências intelectuais e vivências morais que o capacitam para a
conquista da plenitude.
– Joanna de Ângelis.[2]
Prólogo
Allan Kardec, o insigne
codificador do Espiritismo, chegou a afirmar no diálogo com o cético[3]
que o Espiritismo é todo um imenso campo de conhecimento que toca as questões
da Moral, da Metafísica – setores de estudos da Filosofia – e da Psicologia. Essa
consideração se fundamenta no fato da Ciência Espírita ter por foco de estudos
as relações dos Espíritos com a humanidade reencarnada, bem como, as suas conseqüências
morais e filosóficas das quais emergem saberes em torno do Espírito e é
exatamente nisto que está a sua vocação para o diálogo com a “Ciência que trata
da natureza da alma”[4].
A Psicologia
Transpessoal nasceu nos anos 60, em um contexto de emergência dos movimentos
contraculturais e da orientalização do ocidente, que consistiu na apropriação de
princípios, valores e práticas de cunho oriental pela sociedade ocidental em
busca da unidade esquecida pela racionalidade científica moderna.
Ao descortinar as
dimensões psicológicas do ser humano, mediante a articulação deste campo de
estudos com a Filosofia Espírita, Joanna de Ângelis ensina-nos uma Psicologia Profunda cujo objeto de análise
e de aplicação é o próprio Espírito, imortal herdeiro de suas próprias
conquistas angariadas nas vidas sucessivas. Esse conhecimento acerca do homem
integral convida-nos à perseverante luta da superação das imposições do Ego –
que está na origem de nossos conflitos – para desvelar ao ser o Eu Profundo e
provocar o reconhecimento das potencialidades divinas de que é portador.
Plenitude
por vocação
Allan Kardec recolhe nas
interações com os Espíritos um entendimento de nosso processo
evolutivo-espiritual por demais diverso daquele apregoado pelas doutrinas
dogmáticas do passado. Ensinam os Espíritos Superiores que somos os “seres
inteligentes da criação”[5]
e que estamos destinados a conquistarmos o estado de Espíritos Puros no dia em
que alcançarmos, por esforço próprio, a sabedoria e o amor em suas mais profundas
expressões. Quando isso ocorrer estaremos num estágio em que a matéria não nos
subjugará mais.
O
Espírito é criado por Deus simples e ignorante, ou seja, sem complexidade
psíquica e sem qualquer saber que são aquisições obtidas ao longo do seu
processo evolutivo vivenciado em diversos Reinos da Natureza e em diferentes
moradas planetárias da Casa do Pai. Contudo, o ser é vocacionado à plenitude
resultante da conquista de uma condição espiritual em que o Espírito será
senhor de si, sem sofrer o comando das paixões e sentimentos inferiores e, nem
tampouco, a influência da matéria e os empecilhos da ignorância.
Escreve
o Espírito Lázaro, a respeito do processo ascensional do Espírito, já no
estágio de hominização: “Em sua origem, o homem só tem instintos; quando mais
avançado e corrompido, só tem sensações; quando instruído e depurado, tem
sentimentos.”[6] A assertiva
deixa entrever que nas primeiras horas de humanidade somos predominantemente
guiados pelos instintos, a partir dos quais participamos da natureza dos animais[7]. Gradualmente nos esclarecemos em
virtude das vivências encetadas pelas reencarnações que temos e passamos a
identificar a nossa natureza espiritual de modo que os instintos nos são úteis,
mas não comandarão tanto assim o nosso comportamento.
Nesse
segundo estágio, somos condicionados pelas sensações físicas e as paixões que
nos guiam tem duas diferentes origens “umas provém dos instintos da natureza
animal, provindo as outras das impurezas do Espírito”[8],
embora já estejamos com relativo desenvolvimento intelectual e moral. Vive-se a
luta do Espírito para não ser mais subjugado pela matéria através de seus
apetites. Cada passo nesse sentido liberta-o da influência que lhe aproxima, ainda,
do começo de sua jornada evolutiva para que dê azo à sua verdadeira destinação:
a plenitude. O senso moral se aprimora e “enfraquece pouco a pouco as faculdades
puramente animais”[9],
como comenta Kardec.
Ao
estudar o problema das paixões, Allan Kardec afirmou que as raízes de todas,
como dos vícios,
“se acham no instinto de
conservação, instinto que se encontra em toda a pujança nos animais e nos seres
primitivos mais próximos da animalidade, nos quais ele exclusivamente domina,
sem o contrapeso do senso moral, por não ter ainda o ser nascido para a vida
intelectual. O instinto se enfraquece, à medida que a inteligência se
desenvolve, porque esta domina a matéria.”[10]
Com
base no ensinamento de Kardec, fica evidente que a fonte das paixões está no instinto de conservação. Deus dotou as
criaturas desse instinto para que fossem mobilizadas pelos anseios de sua
natureza animal ao trabalho em prol da manutenção da própria sobrevivência,
contudo, o trabalho desenvolve a inteligência e na medida em que a inteligência
avança o domínio da matéria sobre o Espírito desaba. Por isso, é forçoso
reconhecer que as paixões não são ruins por si mesmas, ao contrário disso, elas
nos impulsionam ao progresso. No entanto, o abuso das paixões consiste em motivo
de atraso espiritual. Quando o Espírito passar a exercer o domínio que lhe cabe
sobre a matéria balançará a canga que pesa sobre si e prosseguirá feliz
edificando em si sentimentos enobrecedores que o colocam em maior sintonia com
as Leis Morais da Vida, no rumo para a plenitude através de sua opção pelo amor.
Convite
à educação de si mesmo
Joanna de Ângelis[11]
busca na milenar tradição budista elementos para propor uma disciplina pessoal
que ajude o Espírito reencarnado na superação do domínio da matéria e das
paixões sobre si mesmo quando evoca o “caminho óctuplo”, conhecido também por
caminho do meio porque orientado pela moderação. Corresponde à quarta nobre verdade postulada por Buda
como o caminho da cessação do sofrimento.
Para tanto, oito metas
deverão ser levadas em conta para que o Espírito obtenha êxito no processo
educativo de si mesmo tendo por horizonte a conquista da plenitude espiritual:
crer retamente, querer retamente, falar retamente, agir retamente, viver
retamente, esforçar-se retamente, pensar retamente e meditar retamente.
Em bom dicionário
retidão significa integridade de caráter, portanto, percorrer o caminho do meio
consiste em jornadear na afirmação psicológica da inteireza moral a ser
edificada através do entendimento e da vivência da Lei Natural, “a única
verdadeira para a felicidade do homem.”[12],
conforme postulam os Espíritos Superiores.
Crer retamente consiste
no exercício diário da fé raciocinada, daquela em que o discernimento não fica obscurecido
por imposições descabidas do fanatismo e do fundamentalismo religioso, para que
a liberdade de pensar seja vivida com responsabilidade e autonomia espiritual.
Desse modo, aquele que crê compreende e por compreender tem uma fé racional e
robusta.
Querer retamente
demanda desejar sem as ilusões do Ego infantil que direciona o indivíduo a uma
postura egoísta no mundo. Esse querer com retidão pede tal compreensão de
nossas necessidades educativas, numa morada planetária em transição, e o
conhecimento de si mesmo para que se efetive, no campo do desejo, o que o
espírito precisa e não aquilo que somente lhe satisfaz.
Falar retamente
consiste em colocar o verbo a serviço da ética da compaixão, compreendendo o
sofrimento de nossos irmãos do caminho. É falar edificando o bem, a justiça e o
belo em nossas relações comunicativas.
Agir retamente
pressupõe adesão da ética universal ensinada por Jesus: “Portanto, tudo o que
vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós, porque esta é a lei
e os profetas.” [13]
Fazer o que Nazareno recomenda exige que, em nosso cotidiano, façamo-nos
reflexivos sobre o modo de procedermos uns com os outros, desenvolvendo o
hábito saudável da autocrítica a respeito das razões das atitudes levadas a
efeito.
Viver retamente é o
passo conquistado a partir do agir com retidão, transformado em hábito ao ponto
de tornar-se uma segunda natureza. Nesse caso, viver em retidão passa a ser uma
filosofia de vida a nortear o nosso modo de ser e estar no mundo.
Esforçar-se retamente traduz-se
em operacionalizarmos a nossa vontade pelo bem. Trata-se de trabalharmos
insistentemente para a consecução positiva dos bons propósitos, sem
esmorecimento.
As ações, o viver e o
esforço retos solidificam o pensamento norteado pela retidão. Não se pode
improvisar virtude na vida mental, o pensar reto é expressão do que fazemos,
sendo uma matriz orientadora de nossos procedimentos.
Meditar retamente, por
fim, é o corolário do caminho do meio
e recurso indispensável para que prossigamos na conquista da plenitude,
superando as imposições do sofrimento e as ilusões da vida material. A meditação
se aprende em seu exercício diário e a sua prática leva à da educação do
pensamento. Para que ela seja proveitosa em prol da transformação interior tem
de ser analítica, configurando-se num processo de exame da alma.
Conclusão
Na atualidade, a
produção de Joanna de Ângelis, Espírito, pode ser inserida naquele conjunto que
Kardec chamou de “obras diversas sobre o Espiritismo ou complementares da
Doutrina”[14], vindo
a dar a sua contribuição na aplicabilidade dos princípios do Espiritismo a
outras áreas do conhecimento humano e, nesse caso em particular, à Psicologia
Transpessoal.
Dessa forma, o diálogo
entre a Doutrina dos Espíritos e a Psicologia Transpessoal, instaurado pelos
textos psicografados por Divaldo Franco, apresentam ao entendimento de todos
nós uma psicologia prática que, vivida, favorece o amadurecimento psicológico
do Ser porque reorienta a sua vida moral para horizontes mais amplos de aspirações.
Por nossa vez,
observemos o caminho do meio e
meditemo-lo, a luz dos ensinamentos de Jesus e de Kardec, a fim de que nos
eduquemos para a plenitude a que somos destinados.
[2] FRANCO, Divaldo. Vida: desafios e soluções. Pelo
Espírito Joanna de Ângelis. Salvador: LEAL, 10. ed. 2009, p. 7.
[3] KARDEC, Allan. O que é o espiritismo. Rio de Janeiro:
Federação Espírita Brasileira, 2006, p.73
[4] KARDEC, Allan. Instruções Práticas sobre as Manifestações
Espíritas. Vocabulário Espírita –Psicologia.
[5] O Livro dos Espíritos, questão
76.
[6] O Evangelho segundo o
Espiritismo, cap. XI, item 8.
[7] O Livro dos Espíritos, questão
605.
[8] O Livro dos Espíritos, questão 605.
[9] O Livro dos Espíritos, questão
754.
[10] A Gênese, Cap. III, item 10.
[11] FRANCO, Divaldo. Plenitude. Pelo Espírito Joanna de
Ângelis. Salvador: LEAL, 1991, pp. 85-98
[12] O Livro dos Espíritos, questão
614.
[14] KARDEC, Allan. Catálogo racional: obras para se fundar
uma biblioteca espírita. ed. Fac-similar bilíngue histórica. São Paulo: Madras,
2004.