sexta-feira, 28 de agosto de 2009

INTERCÂMBIO MEDIÚNICO


Aureci Figueiredo Martins
aureci@globo.com

1. Introdução

A comunicabilidade dos habitantes dos planos extrafísicos com seus irmãos encarnados é um fenômeno de ordem psíquica que ocorre desde que o homem surgiu na crosta planetária. Trata-se de um fato natural e encontradiço, inarredável da existência humana.


Essa interação interdimensional, generalizada e sutil em sua feição telepática, também pode acontecer em sua forma ostensiva através dos médiuns, que são pessoas comuns dotadas de uma aptidão especial que lhes permite captar e transmitir mensagens dos agentes invisíveis. Há igualmente os chamados fenômenos de efeitos físicos, nos quais os desencarnados podem fazer-se visíveis e até palpáveis mediante a utilização de substância ectoplásmica cedida, quase sempre inconscientemente, por doadores encarnados: os médiuns de efeitos físicos.


Cabe ressaltar que a ciência espírita, cujo objeto de estudo é a natureza espiritual do ser humano, também aborda e orienta a prática do intercâmbio mediúnico, mas não pode ser confundida com a mediunidade, visto que esta constitui um fenômeno de todos os tempos enquanto que a doutrina espírita surgiu apenas na segunda metade do século dezenove com a codificação publicada por Allan Kardec. Assim, nem todos os médiuns são espíritas, bem como nem todos os espíritos, que nada mais são do que as almas imortais de pessoas cujos corpos morreram.


2. Necessidade da vigilância

Dirigimo-nos agora aos coidealistas, que tanto dentro como fora dos arraiais espiritistas têm o dever de consciência de vivenciar a moral crística, conduzindo-se com ética e sincera humildade, sem interesses outros que não o de servir à causa do bem e da verdade.

No tocante à prática mediúnica, a prudência deve nortear a conduta daqueles que dirigem tão complexa atividade. Nada pode ser mais temerário do que a aceitação passiva de mensagens mediúnicas, por mais respeitáveis que pareçam ser médiuns e espíritos comunicantes.

Aventurar-se no complexo campo da fenomenologia espirítica sem observância da metodologia recomendada por Kardec, especialmente em “O Livro dos Médiuns”, é atitude incompatível com o perfil do verdadeiro espírita.

Há quem estranhe, todavia, a postura cautelosa e prudente adotada pelas instituições realmente espíritas diante de certas “novidades” mediúnicas ou não. Esquecem-se tais pessoas de que nossas instituições têm indeclinável compromisso com a preservação do valiosíssimo patrimônio de que são depositárias: a consoladora doutrina do Espírito da Verdade, codificada por Allan Kardec. Alerta-nos o Codificador na Revista Espírita - 1859, p.32: “Se não quisermos ser enganados por espíritos levianos, devemos julgá-los, e para isso possuímos um critério infalível: o bom senso e a razão.”

Vale lembrar, por oportuno, que Kardec foi alvo da antipatia de muitos médiuns cujas produções não passavam pelo seu apurado crivo, pois “observar, comparar e julgar” foi sua regra áurea no trato com o fenômeno mediúnico.

Em 1863, de 3600 comunicações que lhe chegaram às mãos, menos de trezentas foram consideradas publicáveis e, destas, apenas cem julgadas excelentes. Era a aplicação do que recomenda o espírito de Erasto no item 230 d’O Livro dos Médiuns: “É preferível rejeitar dez verdades do que admitir uma única falsidade...”

Bem a propósito, lembremos a recomendação “Caríssimos, não acrediteis em qualquer espírito. Examinai primeiro se os espíritos são de Deus, porque muitos falsos profetas surgiram no mundo” (João, 4-1)

3. Consequências da invigilância

É notório que, preocupados com a crescente divulgação do ideário espírita e a conseqüente desobsessão das criaturas humanas, os espíritos refratários à Verdade mobilizam-se organizadamente para desprestigiar o Espiritismo, logrando aqui e ali ludibriar grupos e indivíduos invigilantes. A princípio, esses agentes do mal se fingem humildes e caridosos para ganhar a confiança do grupo. Em seguida, sugerem discretamente terem animado personalidades de relevo na sociedade humana. Entram, então, na fase verborrágica: mensagens alongadas, repetitivas, afirmações de “grande alcance”... A certa altura, o grupo, completamente fascinado pela lábia dos enganadores, já não analisa nada: tudo o que os “guias” dizem é aceito sem crítica alguma. Isola-se então o grupo, por recomendação “superior”, para melhor desempenhar sua “elevada missão”. Não se aceitam interferências; detestam-se censuras. Senhores, então, da situação, os “mentores” apontam suas armas para o alvo que sempre visaram: pessoas e instituições espíritas.

Encontradiços, tais acontecimentos, extremamente lamentáveis, seriam evitados se todos os dirigentes de grupos mediúnicos atentassem para as recomendações nas obras da codificação espírita, tais como a que encontramos no livro “O Evangelho segundo o Espiritismo”, no item 10 do cap. XXI, atinente aos falsos profetas desencarnados: “... para melhor fascinarem aqueles a quem desejam iludir, para darem mais peso às suas teorias, se apropriam sem escrúpulos de nomes que só com muito respeito os homens pronunciam. São eles que espalham o fermento dos antagonismos entre os grupos, que os impelem a isolarem-se uns dos outros e a olharem-se com prevenção. Isso por si só bastaria para os desmascarar, pois, procedendo assim, são os primeiros a dar formal desmentido às suas pretensões. Cegos, portanto, são os homens que se deixam cair em tão grosseiro embuste.”

Cabe lembrar, ainda, que os espíritos realmente elevados não se incomodam quando suas mensagens são questionadas e analisadas criticamente, pois entendem nossa preocupação com a imagem da doutrina que nos irmana.

De qualquer forma, que ninguém se considere invulnerável às arremetidas do mundo espiritual inferior, pois que a realidade do homem terreno não sugere qualquer laivo de superioridade moral. E, como sabemos, a única autoridade que os espíritos inferiores respeitam é a de cunho moral; nossos títulos e diplomas mundanos, que aqui nos podem dar notoriedade e poder, para nada servem no trato com nossos irmãos desencarnados.

Mas, perguntarão alguns, por que os bons espíritos não protegem tais médiuns?
E responderemos: Sim! Eles se esforçam por orientar as pessoas, médiuns ou não, mas o fazem de maneira sutil, pois os espíritos benévolos usam de persuasão; jamais dão ordens, nunca violentam o livre-arbítrio de ninguém. Os mistificadores, estes sim, gostam de ditar normas e prescrever atitudes, e se irritam quando não são prontamente atendidos pelos incautos que lhes dão crédito.

4. Humildade

Como pano de fundo da instalação de tais processos obsessivos, está a falta de humildade. Certos médiuns e diretores, despreparados para a delicada tarefa da interação mediúnica, deixam-se iludir pela presunção de uma auto-suficiência inexistente.

Humildade! Virtude que nasce da reflexão madura, fruto do autoconhecimento. Sem humildade, médiuns ou não, seremos facilmente vitimados pelo assédio dos irmãos desencarnados de baixo padrão evolutivo.

Certamente, foi a tal respeito que Tiago nos alertou para o fato de que “cada um é tentado, quando atraído e enganado pela sua própria imperfeição moral.” (Tiago, 1-14)

Daí a permanente atualidade da recomendação de Jesus: “Vigiai e orai..."

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

PERÍODO DE LUTA

O primeiro período do Espiritismo, caracterizado pelas me­sas girantes, foi o da curiosidade. o segundo foi o período filosófi­co, marcado pelo aparecimento do Livro dos Espíritos. Desde esse momento o Espiritismo tomou um caráter completamente outro. Foram entrevistos o objetivo e a extensão, bebendo-se a fé e a con­solação; e a rapidez de seu progresso foi tal que nenhuma outra doutrina filosófica ou religiosa oferece outro exemplo. Mas, como todas as idéias novas, teve adversários tanto mais encarni­çados quanto maior era a idéia, porque nenhuma idéia grande pode estabelecer-se sem ferir interesses. É preciso que se situe, e as pessoas deslocadas não podem vê-la com bons olhos. Depois, ao lado das pessoas Interessadas estão os que, por sistema, sem motivos precisos, são adversários natos de tudo quanto é novo.

Nos primeiros anos, muitos duvidaram de sua vitalidade, razão por que lhe deram pouca atenção. Mas quando o viram crescer, a despeito de tudo, propagar-se em todas as camadas da sociedade e em todas as partes do mundo, tomar o seu lugar entre as crenças e tornar-se uma potência pelo número de seus aderentes, os interessados na manutenção das idéias antigas alarmaram-se seriamente.

Então uma verdadeira cruzada foi dirigida contra ele, dando Inicio ao período da luta, do qual o auto-de-fé de Barcelona, a 9 de outubro de 1860, foi, de certo modo, o sinal. Até aí ele tinha sido objeto dos sarcasmos da incredulidade, que ri de tudo, sobretudo daquilo que não compreende, mesmo das coisas mais santas, e aos quais nenhuma idéia nova pode escapar. É o seu batismo do trópico. Mas os outros não riem: olham-no com cólera, sinal evidente e característico da importância do Espiritismo. Desde esse momento os ataques tomaram um ca­ráter de violência incrível. Foi dada a palavra de ordem: ser­mões furibundos, mandamentos, anátemas, excomunhões, perse­guições individuais, livros, brochuras, artigos de jornais, nada foi poupado, nem mesmo a calúnia.

Estamos, pois, em pleno período de luta, mas este não ter­minou. Vendo a inutilidade dos ataques a céu aberto, vão en­saiar a guerra subterrânea, que se organiza e já começa. Uma calma aparente vai ser sentida, mas é a calma precursora da tempestade; mas também à tempestade sucede o tempo sereno.

Espíritas, não vos inquieteis, porque a saída não é duvidosa; a luta é necessária e o triunfo será mais brilhante. Disse e repito: vejo o fim; sei quando e como será atingido. Se vos falo com tal segurança é que para tanto tenho razões, sobre as quais a prudência manda que me cale; mas as conhecereis um dia. Tudo quanto vos posso dizer é que poderosos auxiliares virão para fechar a boca a mais de um detrator. Entretanto a luta será viva e se, no conflito, houver vítimas de sua fé, que estes se rejubilem, como o faziam os primeiros mártires cristãos, dos quais muitos estão entre vós, para vos encorajar e dar exemplos que se lembrem destas palavras do Cristo:

“Felizes os que sofrem perseguição por amor à justiça, por­que deles é o reino dos céus. Sereis felizes quando os homens vos carregarem de maldições, e vos perseguirem e falsamente disserem todo mal contra vós por minha causa. Rejubilai-vos então e tremei de alegria, porque uma grande recompensa vos está reservada nos céus. Porque assim eles perseguiram os pro­fetas que vieram antes de vós.” (Mat. VI: 10-12).

Estas palavras não parecem ter sido ditas para os Espíritas de hoje, como para os apóstolos de então? E que as palavras do Cristo têm isto de particular: são para todos os tempos, porque sua missão era para o futuro, como para o presente.

A luta determinará uma nova fase do Espiritismo e levará ao quarto período, que será o período religioso. Depois virá o quinto, penado intermediário, conseqüência natural do precedente e que, mais tarde, receberá sua denominação característica. O sexto e último período será o da regeneração social, que abrirá a era do século vinte. Nessa época todos os obstáculos à nova or­dem de coisas queridas por Deus, para a transformação da terra, terão desaparecido. A geração que surge, imbuída das idéias novas, estará em toda a sua força e preparará o caminho da que deve inaugurar a vitória definitiva da união, da paz e da frater­nidade entre os homens, confundidos numa mesma crença, pela prática da lei evangélica. Assim serão verificadas as palavras do Cristo, pois todas devem ter cumprimento nesta hora, porque os tempos preditos são chegados. Mas é em vão que, tomando a figura pela realidade, buscais sinais no céu: esses sinais estão ao vosso lado e surgem de toda parte.

É notável que as comunicações dos Espíritos tenham tido em cada período um caráter especial: no primeiro eram frívolas e levianas; no segundo foram graves e instrutivas; desde o ter­ceiro eles pressentiram a luta e suas várias peripécias. A maior parte das que se obtêm hoje nos diversos centros têm por objeto premunir os adeptos contra as manobras de seus adver­sários. Assim, por toda a parte são dadas instruções a este respeito, como por toda parte é anunciado um resultado idêntico. Esta coincidência, sobre este ponto de vista, como sobre muitos outros, não é um dos fatos menos significativos. A situação se acha completamente resumida nas duas comunicações seguintes, cuja verdade muitos Espíritas já reconheceram.

(Texto de Allan Kardec na Revista Espírita de julho de 1863)

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

O papel das religiões num mundo conturbado

Vinícius Lousada

Antes de qualquer coisa, parece-me muito oportuno pensarmos um pouco sobre o papel que deveria caber às religiões, de um modo geral, num mundo conturbado como o nosso, em que uma pós-modernidade desvairada têm imposto aos indivíduos um modo de ser e estar no mundo desamparado de valores superiores. Vislumbramos no campo da convivência social a propagação de uma ética imediatista e utilitária que desrespeita o dever de considerarmos, em nossas atitudes, a felicidade do próximo.


Essa ética forjada no seio de uma filosofia de vida materialista e de práxis consumista, estabelece a desordem social e materializa o egoísmo humano de forma avassaladora invadindo, inclusive, o âmbito dos espaços destinados à propagação da fé e da espiritualidade.


Alerta-nos o benfeitor Espiritual Camilo que

“O materialismo penetrou o seio das instituições religiosas inauguradas no mundo, e elas passaram a ser governadas pelo espírito de astúcia, de engodos, de exploração sentimental, de irracionalidade, e quase tudo o que se costuma buscar nas casas de fé tem sido o auxílio divino para a melhora da vida material que enseje a chance de ter, de adquirir, de comprar, de consumir, de ganhar mais no afã de se construir o Reino dos Céus aqui mesmo, por entre os mexinflórios da Terra . (...)”[1]


Desse modo, fica nítido que a invasão do materialismo, no âmbito das relações humanas com o sagrado, faz com que as religiões desnaturem o seu propósito original de conectar o indivíduo com a Causa Primária, auxiliando-o no seu processo de espiritualização que, por sua vez, passaria pelo despertar paulatino da consciência às Leis Divinas.


Assim, caberia às religiões ensinarem aos indivíduos como se encontrarem com Deus, inspirando-lhes o caminho reto das virtudes através de um código ético que não deveria se misturar à mesquinhez humana, devendo ser tão puro quanto a sua fonte inspiradora: a crença inata da criatura na existência do Criador.


No entanto, a espécie humana é hábil em argumentos e atitudes para afastar as religiões de seus nobres propósitos na Terra, o que é facilmente verificável nas páginas da história do pensamento religioso, inclusive contemporâneo, quando variadas instituições se envolveram em conflitos bélicos santificados à força da doutrinação dogmática de magotes expressivos de seus adeptos, adotando posições intolerantes em relação aos indivíduos que se davam ao direito de pensar com liberdade de escolha, nem sempre rezando conforme os dogmas estabelecidos.


Mas o papel fundamental das religiões, num mundo conturbado por propostas materialistas e niilistas - defensoras da desesperança e do pessimismo como vemos na atualidade – deveria estar em despertar o ser humano à espiritualidade, ou seja, aos valores éticos que se vividos contribuem no processo de iluminação interior para o qual estamos mergulhados na carne, reiteradas vezes, pelo fenômeno natural da reencarnação.


Lembra o teólogo e filósofo Leonardo Boff que espiritualidade está “relacionada com aquelas qualidades do espírito humano (...) que trazem felicidade tanto para a própria pessoa quanto para os outros.”[2] Quer dizer, a espiritualidade que deve ser fomentada pelas religiões, tanto quanto pelas filosofias espiritualistas, consiste na promoção das virtudes do Espírito, totalmente voltada ao consciente progresso espiritual do ser.


A vivência da espiritualidade, enfim, promove a aprendizagem da virtude, essa disposição da criatura à manifestação do bem por pensamentos, palavras e atos, gerando-lhe um estado de plenitude íntima que influencia positivamente a todos com os quais convive. Em suas ações locais, o sujeito virtuoso gera benefícios globais para a grande família humana no sentido da paz e da fraternidade universal.


Tenzin Gyatso, o XIV Dalai Lama, eminente liderança espiritual engajada na paz do mundo e no diálogo inter-religioso, ratifica o pensamento acima exposto sobre o papel das alternativas religiosas quando afirma num de seus brilhantes escritos: “o objetivo da religião como um todo é tornar mais fácil o exercício do amor, da compaixão, da paciência, da tolerância, da humildade, da capacidade de perdão e de todas as outras qualidades espirituais.”[3]


Enfim, a função das religiões nesses dias de desassossego social deverá ser de agência educativa no campo das virtudes regeneradoras do Espírito, contribuindo com o mesmo no esforço em praticá-las, para além dos templos, na vida de relação com os outros e com o mundo, meio pelo qual nos fazemos capazes de ascender em nossa jornada evolutiva.


ESTUDANDO KARDEC:


“O Espiritismo é uma doutrina moral que fortifica os senti­mentos religiosos em geral e se aplica a todas as religiões, E de todas, e não é de nenhuma em particular. Por isso não diz a ninguém que a troque. Deixa a cada um a liberdade de adorar Deus à sua maneira e de observar as práticas ditadas pela consciência, pois Deus leva mais em conta a intenção do que o fato. Ide, pois, cada um ao templo do vosso culto; e assim provareis que vos caluniam, quando vos taxam de impiedade.”[4]



[1] TEIXEIRA, J. Raul. Nos passos da vida terrestre. Pelo espírito Camilo. Niterói, RJ. Fráter Livros Espíritas, 2005, p. 111.
[2] BOFF, Leonardo. Espiritualidade: um caminho de transformação. Rio de Janeiro: Sextante, 2006, p. 15.
[3] GIATZO, Tenzi. Uma ética para o novo milênio. Rio de Janeiro: Sextante, 2006, p. 170.
[4] Revista Espírita, fevereiro de 1862 - Resposta dirigida aos Espíritas Lionenses por ocasião do Ano-Novo.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Flagelos Destruidores


"O Livro dos Espíritos"

737. Com que fim Deus castiga a Humanidade com flagelos destruidores?
— Para fazê-la avançar mais depressa. Não dissemos que a destruição é necessária para a regeneração moral dos Espíritos, que adquirem em cada nova existência um novo grau de perfeição? É necessário ver o fim para apreciar os resultados. Só julgais essas coisas do vosso ponto de vista pessoal, e as chamais de flagelos por causa dos prejuízos que vos causam; mas esses transtornos são freqüentemente necessários para fazerem com que as coisas cheguem mais prontamente a uma ordem melhor, realizando-se em alguns anos o que necessitaria de muitos séculos.(1) (Ver item 744).


738. Deus não poderia empregar, para melhorar a Humanidade outros meios que não os flagelos destruidores?
— Sim, e diariamente os emprega, pois deu a cada um os meios de progredir pelo conhecimento do bem e do mal. É o homem que não os aproveita; então, é necessário castigá-lo em seu orgulho e fazê-lo sentir a própria fraqueza.


738-a. Nesses flagelos, porém, o homem de bem sucumbe como os perversos; isso é justo?
— Durante a vida o homem relaciona tudo a seu corpo, mas após a morte pensa de outra maneira. Como já dissemos, a vida do corpo é um quase nada; um século de vosso mundo é um relâmpago na Eternidade. Os sofrimentos que duram alguns dos vossos meses ou dias, nada são. Apenas um ensinamento que vos servirá no futuro. Os Espíritos que preexistem e sobrevivem a tudo, eis o mundo real. (Ver item 85). São eles os filhos de Deus e o objeto de sua solicitude. Os corpos não são mais que disfarces sob os quais aparecem no mundo. Nas grandes calamidades que dizimam os homens eles são como um exército que, durante a guerra, vê os uniformes estragados, rotos ou perdidos. O general tem mais cuidado com os soldados do que com as vestes.


738-b. Mas as vítimas desses flagelos, apesar disso, não são vítimas?
— Se considerássemos a vida no que ela é, e quanto é insignificante em relação ao infinito, menos importância lhe daríamos. Essas vítimas terão noutra existência uma larga compensação para os seus sofrimentos, se souberem suportá-los sem lamentar.
Quer a morte se verifique por um flagelo ou por uma causa ordinária, não se pode escapar a ela quando soa a hora da partida: a única diferença é que no primeiro caso parte um grande número ao mesmo tempo.
Se pudéssemos elevar-nos pelo pensamento de maneira a abranger toda a Humanidade numa visão única, esses flagelos tão terríveis não nos pareceriam mais do que tempestades passageiras no destino do mundo.


739. Esses flagelos destruidores têm utilidade do ponto de vista físico, malgrado os males que ocasionam?
— Sim, eles modificam algumas vezes o estado de uma região; mas o bem que deles resulta só é geralmente sentido pelas gerações futuras.


740. Os flagelos não seriam igualmente provas morais para o homem, pondo-o às voltas com necessidades mais duras?
— Os flagelos são provas que proporcionam ao homem a ocasião de exercitar a inteligência, de mostrar a sua paciência e a sua resignação ante a vontade de Deus, ao mesmo tempo que lhe permitem desenvolver os sentimentos de abnegação, de desinteresse próprio e de amor ao próximo, se ele não for dominado pelo egoísmo.


741. É dado ao homem conjurar os flagelos que o afligem?
— Sim, em parte, mas não como geralmente se pensa. Muitos flagelos são as conseqüências de sua própria imprevidência. À medida que ele adquire conhecimentos e experiências pode conjurá-los, quer dizer, preveni-los, se souber pesquisar-lhes as causas. Mas entre os males que afligem a Humanidade, há os que são de natureza geral e pertencem aos desígnios da Providência. Desses, cada indivíduo recebe, em menor ou maior proporção, a parte que lhe cabe, não lhe sendo possível opor nada mais que a resignação à vontade de Deus. Mas ainda esses males são geralmente agravados pela indolência do homem.
Entre os flagelos destruidores, naturais e independentes do homem devem ser colocados em primeira linha a peste, a fome, as inundações, as intempéries fatais à produção da terra. Mas o homem não achou na Ciência, nos trabalhos de arte, no aperfeiçoamento da agricultura, nos afolhamentos e nas irrigações, no estudo das condições higiênicas os meios de neutralizar ou pelo menos de atenuar tantos desastres? Algumas regiões antigamente devastadas por terríveis flagelos não estão hoje resguardadas? Que não fará o homem, portanto, pelo seu bem-estar material, quando souber aproveitar todos os recursos da sua inteligência e quando, ao cuidado da sua preservação pessoal souber aliar o sentimento de uma verdadeira caridade para com os semelhantes? (Ver item 707).

sábado, 8 de agosto de 2009

Os Messias do Espiritismo - Allan Kardec



Para quem conhece a doutrina, ela é, de ponta, um pro­testo contra o misticismo, pois que tende a reconduzir to­das as crenças para o terreno positivo das leis da natureza. Mas, entre os que não a conhecem, há pessoas para as quais tudo o que escapa da humanidade tangível é místico. Para estas, adorar a Deus, orar, crer na Providência é ser místico. Não temos que nos preocupar com a sua opinião.



A palavra messias é empregada pelo Espiritismo na sua acepção literal de mensageiro, enviado, abstração feita da idéia de redenção e de mistério, particular aos cultos cris­tãos, O Espiritismo não tem que discutir esses dogmas, que não são de sua jurisdição: diz o sentido no qual emprega o vocábulo, para evitar qualquer equívoco, deixando cada um crer conforme a sua consciência, que não procura pertur­bar.

Assim, para o Espiritismo, todo Espírito encarnado para cumprir uma missão especial junto à humanidade é um messias, na acepção geral da palavra, isto é, um missionário ou enviado, com a diferença, entretanto, que o vocábulo messias implica mais particularmente a idéia de uma mis­são direta da divindade e, por isto, a da superioridade do Espírito e da importância da missão. De onde se segue que há uma distinção a fazer entre os messias propriamente di­tos, e os Espíritos simples missionários, O que os distingue é que, para uns, a missão ainda é uma prova, porque podem falir, ao passo que para os outros é um atributo de sua su­perioridade. Do ponto de vista da vida corporal, os messias entram na categoria das encarnações ordinárias de Espírito, e o vocábulo não tem nenhum caráter de misticidade.



Todas as grandes épocas de renovação viram aparecer messias encarregados de dar impulso ao movimento regenerador e o dirigir. Sendo a época atual uma das mai­ores transformações da humanidade, terá também os seus messias, que a presidem já como Espírito, e terminarão sua missão como encarnados. Sua vinda não será marcada por nenhum prodígio, e Deus, para os fazer reconhecer, não perturbará a ordem das leis da natureza. Nenhum sinal extraordinário aparecerá no céu, nem na Terra, e não se­rão vistos descendo das nuvens acompanhados por anjos. Nascerão, viverão e morrerão, como o comum dos homens, e sua morte não será anunciada ao mundo nem por tremo­res de Terra, nem pelo obscurecimento do sol; nenhum si­nal exterior os distinguirá, assim como o Cristo, em vida, não se distinguia dos outros homens. Nada, pois, os assina­lará à atenção pública senão a grandeza de suas obras, a sublimidade de suas virtudes, e a parte ativa e fecunda, que tomarão, na fundação da nova ordem de coisas. À antigüidade pagã os teve, feitos deuses; a história os colocará no Panteon dos grandes homens, dos homens de gênio, mas, sobretudo entre os homens de bem, cuja memória será hon­rada pela posterioridade.

Tais serão os messias do Espiritismo; grandes homens entre os homens, grandes Espírito entre os Espírito, mar­carão sua passagem por prodígios da inteligência e da vir­tude, que atestam a verdadeira superioridade, muito mais que a produção de efeitos materiais que pode realizar o primeiro a surgir. Este quadro um pouco prosaico talvez faça caírem algumas ilusões; mas é assim que as coisas se passarão, muito naturalmente, e os seus resultados não serão menos importantes por não serem rodeados das formas ide­ais e um tanto maravilhosas, com que certas imaginações gos­tam de os cercar.



Dissemos os messias porque, com efeito, as previsões dos Espíritos anunciam que haverá vários, o que nada tem de admirável, segundo o sentido ligado a essa palavra, e em razão da grandeza da tarefa, pois que se trata, não do adi­antamento de um povo ou de uma raça, mas da regenera­ção da humanidade inteira. Quantos serão? Uns dizem três, outros mais, outros menos, o que prova que a coisa está nos segredos de Deus. Um deles teria supremacia? E ainda o que pouco importa, o que até seria perigoso saber antecipa­damente.

A vinda dos Messias, como fato geral, está anunciada, porque era útil que dela se estivesse prevenido; é uma dádi­va do futuro e um assunto de tranqüilidade, mas as indivi­dualidades não se devem revelar senão por seus atos. Se al­guém deve abrigar um deles, o fará inconscientemente, como para o primeiro vindo; assisti-lo-á e o protegerá por pura caridade, sem a isto ser solicitado por um sentimento de orgulho, do qual talvez não se pudesse defender, que mau grado seu deslizaria para o coração e lhe faria perder o fru­to de sua ação. Seu devotamento talvez não fosse tão desin­teressado moralmente quanto ele próprio o imaginasse.

Além disso, a segurança do predestinado exige que ele seja coberto por um véu impenetrável, porque ele terá Herodes. Ora, um segredo jamais é melhor guardado do que quando por todos desconhecido. Ninguém, pois, deve conhecer a sua família, nem o lugar de seu nascimento e os próprios Espíritos vulgares não o sabem. Nenhum anjo virá anunciar sua vinda à sua mãe, porque ela não deve fazer diferença entre ele e os outros filhos; magos não virão adorá-lo em seu berço e lhe oferecer ouro e incenso, porque ele não deve ser saudado senão quando tiver dado suas provas.



Será protegido pelos invisíveis, encarregados de velar por ele e conduzido à porta onde deverá bater e o dono da casa não conhecerá aquele que receberá em seu lar.



Falando do novo Messias, disse Jesus: Se alguém vos disser: O Cristo está aqui, ou está ali”, não vades lá, por­que lá não estará.” Há, pois, que desconfiar das falsas indi­cações, que têm por fim ludibriar, visando fazer procurá-lo onde ele não está. Desde que não é permitido aos Espíritos revelar o que deve ficar secreto, toda comunicação circuns­tanciada sobre este ponto deve ser tida por suspeita, ou como uma provação para quem a recebe.

Pouco importa, pois, o número dos messias. Só Deus sabe o que é necessário; mas o que é indubitável é que ao lado dos messias propriamente ditos, Espíritos superiores, em número ilimitado, encarnar-se-ão, ou já estão encarna­dos, com missões especiais, para os secundar. Surgirão em todas as classes, em todas as posições sociais, em todas as seitas e em todos os povos. Havê-los-á nas ciências, nas ar­tes, na literatura, na política, nos chefes de estado, enfim por toda a parte onde sua influência poderá ser útil à difu­são das idéias novas e às reformas que serão sua conseqüên­cia. A autoridade de sua palavra será tanto maior quanto será fundada na estima e na consideração de que serão cer­cados.

Mas, perguntarão, nessa multidão de missionários de todas as classes, como distinguir os messias? Que importa se os distinguem ou não? Eles não vêm à Terra para aí se fazer adorar, nem para receber homenagens dos homens. Não trarão, pois, nenhum sinal na fronte; mas, assim como pela obra se conhece o artífice, dirão após a sua partida: Aquele que fez a maior soma de bem deve ser o maior.”



Sendo o Espiritismo o principal elemento regenerador, importava que o instrumento estivesse pronto, quando vie­rem os que dele devem servir-se, E o trabalho que se realiza neste momento, e que os precede de pouco. Mas antes é preciso que a grade tenha passado pelo chão, para o pur­gar das ervas parasitas, que abafariam o bom grão.



E sobretudo o vigésimo século que verá florescerem gran­des apóstolos do Espiritismo, e que poderá ser chamado o século dos messias. Então a antiga geração terá desapareci­do e a nova estará em plena força; livre de suas convulsões, formada de elementos novos ou regeneradores, a humani­dade entrará definitivamente e pacificamente na fase do progresso moral, que deve elevar a Terra na hierarquia dos mundos.

(trecho extrraído do artigo "COMENTÁRIOS SOBRE OS MESSIAS DO ESPIRITISMO", R. E., março de 1868)

sábado, 1 de agosto de 2009

Sobre o uso de sinais exteriores de culto nos grupos.


Muitas vezes me tem sido perguntado se é útil começar as sessões com preces e atos exteriores de devoção. Minha resposta não é apenas minha; é, também, a dos Espíritos eminentes que trataram dessa questão.



É, sem dúvida, não apenas útil, mas necessário, rogar, por uma invocação especial, por uma espécie de prece, o concurso dos bons Espíritos. Essa prática, aliás, não pode predispor senão ao recolhimento, condição essencial de toda reunião séria. Já o mesmo não se dá com os sinais exteriores de culto, pelos quais certos grupos crêem dever abrir suas sessões, e que têm mais de um inconveniente, a despeito da boa intenção com que são sugeridos.


Tudo nas reuniões deve passar-se religiosamente, isto é, com gravidade, respeito e recolhimento. Mas não nos devemos esquecer de que o Espiritismo se dirige a todos os cultos; que, por conseqüência, não deve adotar as formalidades de nenhum em particular. Seus inimigos já foram bastante hábeis, apresentando-o como uma seita nova, a fim de terem um pretexto para o combater. Não se pode, pois, corroborar essa opinião pelo uso de fórmulas das quais não deixariam de tirar partido, para dizer que as reuniões espíritas são assembléias de protestantes, de cismáticos; não penseis que tais fórmulas sejam capazes de congregar certos antagonistas. O Espiritismo, chamando a si os homens de todas as crenças, para uni-los sob a bandeira da caridade e da fraternidade, habituando-os a se olharem como irmãos, seja qual for sua maneira de adorar a Deus, não deve chocar as convicções de ninguém pelo emprego de sinais exteriores de um culto qualquer. Poucas são as reuniões espíritas, por menores que sejam, sobretudo na França, em que não haja membros ou assistentes pertencentes a diferentes religiões. Se o Espiritismo se colocasse abertamente no terreno de uma delas, afastaria as outras. Ora, como há espíritas em todas, ver-se-iam formar-se grupos católicos, judeus ou protestantes, perpetuando-se, assim, o antagonismo religioso, que o Espiritismo tende a abolir.

É também a razão pela qual deve-se abster, nas reuniões, de discutir dogmas particulares, o que, certamente, melindraria certas consciências, ao passo que as questões de moral são de todas as religiões e de todos os países. O Espiritismo é um terreno neutro, sobre o qual todas as opiniões religiosas podem encontrar-se e se dar as mãos. Ora, a desunião poderia nascer da controvérsia.


Não vos esqueçais de que a desunião é um dos meios pelos quais os inimigos do Espiritismo buscam atacá-lo; é com esse objetivo que muitas vezes eles induzem certos grupos a se ocuparem de questões irritantes ou comprometedoras, sob o pretexto especioso de que não se deve colocar a luz sob o alqueire. Não vos deixeis prender nessa armadilha, e que os dirigentes de grupos sejam firmes para repelirem todas as sugestões deste gênero, se não quiserem passar por cúmplices dessas maquinações.


O emprego de sinais exteriores do culto teria o mesmo resultado: o de uma cisão entre os adeptos. Uns acabariam por achar que não são suficientemente empregados; outros, que o são em excesso. Para evitar esse inconveniente, que é muito grave, convém abster-se de toda prece litúrgica, sem excetuar a Oração Dominical, por mais bela que seja. Como ninguém abjura sua religião ao participar de uma reunião espírita, cada um, no seu íntimo e mentalmente, faça a prece que julgar conveniente; mas que nada haja de ostensivo e, sobretudo, nada de oficial. Dá-se o mesmo com o sinal da cruz, ao costume de ajoelhar-se, etc, sem o que não haveria razão para se impedir que um muçulmano espírita, integrante de um grupo espírita, se prosternasse e recitasse em voz alta sua fórmula sacramentai: "Só há um Deus e Maomé é o seu profeta."


Não existe inconveniente quando as preces feitas na intenção de alguém são independentes de qualquer culto particular. Sendo assim, creio supérfluo salientar o quanto haveria de ridículo em fazer-se toda uma assistência repetir em coro uma prece ou uma fórmula qualquer, prática vista por alguém que ma contou.

Fique bem entendido que o que acaba de ser dito só se aplica aos grupos ou sociedades formados de pessoas estranhas umas às outras, mas de modo algum às reuniões íntimas de família, nas quais, naturalmente, cada pessoa é livre para agir como bem entender, desde que ali não se melindra a ninguém.


(Allan Kardec - Viagem Espírita em 1862)

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