sábado, 8 de agosto de 2009

Os Messias do Espiritismo - Allan Kardec



Para quem conhece a doutrina, ela é, de ponta, um pro­testo contra o misticismo, pois que tende a reconduzir to­das as crenças para o terreno positivo das leis da natureza. Mas, entre os que não a conhecem, há pessoas para as quais tudo o que escapa da humanidade tangível é místico. Para estas, adorar a Deus, orar, crer na Providência é ser místico. Não temos que nos preocupar com a sua opinião.



A palavra messias é empregada pelo Espiritismo na sua acepção literal de mensageiro, enviado, abstração feita da idéia de redenção e de mistério, particular aos cultos cris­tãos, O Espiritismo não tem que discutir esses dogmas, que não são de sua jurisdição: diz o sentido no qual emprega o vocábulo, para evitar qualquer equívoco, deixando cada um crer conforme a sua consciência, que não procura pertur­bar.

Assim, para o Espiritismo, todo Espírito encarnado para cumprir uma missão especial junto à humanidade é um messias, na acepção geral da palavra, isto é, um missionário ou enviado, com a diferença, entretanto, que o vocábulo messias implica mais particularmente a idéia de uma mis­são direta da divindade e, por isto, a da superioridade do Espírito e da importância da missão. De onde se segue que há uma distinção a fazer entre os messias propriamente di­tos, e os Espíritos simples missionários, O que os distingue é que, para uns, a missão ainda é uma prova, porque podem falir, ao passo que para os outros é um atributo de sua su­perioridade. Do ponto de vista da vida corporal, os messias entram na categoria das encarnações ordinárias de Espírito, e o vocábulo não tem nenhum caráter de misticidade.



Todas as grandes épocas de renovação viram aparecer messias encarregados de dar impulso ao movimento regenerador e o dirigir. Sendo a época atual uma das mai­ores transformações da humanidade, terá também os seus messias, que a presidem já como Espírito, e terminarão sua missão como encarnados. Sua vinda não será marcada por nenhum prodígio, e Deus, para os fazer reconhecer, não perturbará a ordem das leis da natureza. Nenhum sinal extraordinário aparecerá no céu, nem na Terra, e não se­rão vistos descendo das nuvens acompanhados por anjos. Nascerão, viverão e morrerão, como o comum dos homens, e sua morte não será anunciada ao mundo nem por tremo­res de Terra, nem pelo obscurecimento do sol; nenhum si­nal exterior os distinguirá, assim como o Cristo, em vida, não se distinguia dos outros homens. Nada, pois, os assina­lará à atenção pública senão a grandeza de suas obras, a sublimidade de suas virtudes, e a parte ativa e fecunda, que tomarão, na fundação da nova ordem de coisas. À antigüidade pagã os teve, feitos deuses; a história os colocará no Panteon dos grandes homens, dos homens de gênio, mas, sobretudo entre os homens de bem, cuja memória será hon­rada pela posterioridade.

Tais serão os messias do Espiritismo; grandes homens entre os homens, grandes Espírito entre os Espírito, mar­carão sua passagem por prodígios da inteligência e da vir­tude, que atestam a verdadeira superioridade, muito mais que a produção de efeitos materiais que pode realizar o primeiro a surgir. Este quadro um pouco prosaico talvez faça caírem algumas ilusões; mas é assim que as coisas se passarão, muito naturalmente, e os seus resultados não serão menos importantes por não serem rodeados das formas ide­ais e um tanto maravilhosas, com que certas imaginações gos­tam de os cercar.



Dissemos os messias porque, com efeito, as previsões dos Espíritos anunciam que haverá vários, o que nada tem de admirável, segundo o sentido ligado a essa palavra, e em razão da grandeza da tarefa, pois que se trata, não do adi­antamento de um povo ou de uma raça, mas da regenera­ção da humanidade inteira. Quantos serão? Uns dizem três, outros mais, outros menos, o que prova que a coisa está nos segredos de Deus. Um deles teria supremacia? E ainda o que pouco importa, o que até seria perigoso saber antecipa­damente.

A vinda dos Messias, como fato geral, está anunciada, porque era útil que dela se estivesse prevenido; é uma dádi­va do futuro e um assunto de tranqüilidade, mas as indivi­dualidades não se devem revelar senão por seus atos. Se al­guém deve abrigar um deles, o fará inconscientemente, como para o primeiro vindo; assisti-lo-á e o protegerá por pura caridade, sem a isto ser solicitado por um sentimento de orgulho, do qual talvez não se pudesse defender, que mau grado seu deslizaria para o coração e lhe faria perder o fru­to de sua ação. Seu devotamento talvez não fosse tão desin­teressado moralmente quanto ele próprio o imaginasse.

Além disso, a segurança do predestinado exige que ele seja coberto por um véu impenetrável, porque ele terá Herodes. Ora, um segredo jamais é melhor guardado do que quando por todos desconhecido. Ninguém, pois, deve conhecer a sua família, nem o lugar de seu nascimento e os próprios Espíritos vulgares não o sabem. Nenhum anjo virá anunciar sua vinda à sua mãe, porque ela não deve fazer diferença entre ele e os outros filhos; magos não virão adorá-lo em seu berço e lhe oferecer ouro e incenso, porque ele não deve ser saudado senão quando tiver dado suas provas.



Será protegido pelos invisíveis, encarregados de velar por ele e conduzido à porta onde deverá bater e o dono da casa não conhecerá aquele que receberá em seu lar.



Falando do novo Messias, disse Jesus: Se alguém vos disser: O Cristo está aqui, ou está ali”, não vades lá, por­que lá não estará.” Há, pois, que desconfiar das falsas indi­cações, que têm por fim ludibriar, visando fazer procurá-lo onde ele não está. Desde que não é permitido aos Espíritos revelar o que deve ficar secreto, toda comunicação circuns­tanciada sobre este ponto deve ser tida por suspeita, ou como uma provação para quem a recebe.

Pouco importa, pois, o número dos messias. Só Deus sabe o que é necessário; mas o que é indubitável é que ao lado dos messias propriamente ditos, Espíritos superiores, em número ilimitado, encarnar-se-ão, ou já estão encarna­dos, com missões especiais, para os secundar. Surgirão em todas as classes, em todas as posições sociais, em todas as seitas e em todos os povos. Havê-los-á nas ciências, nas ar­tes, na literatura, na política, nos chefes de estado, enfim por toda a parte onde sua influência poderá ser útil à difu­são das idéias novas e às reformas que serão sua conseqüên­cia. A autoridade de sua palavra será tanto maior quanto será fundada na estima e na consideração de que serão cer­cados.

Mas, perguntarão, nessa multidão de missionários de todas as classes, como distinguir os messias? Que importa se os distinguem ou não? Eles não vêm à Terra para aí se fazer adorar, nem para receber homenagens dos homens. Não trarão, pois, nenhum sinal na fronte; mas, assim como pela obra se conhece o artífice, dirão após a sua partida: Aquele que fez a maior soma de bem deve ser o maior.”



Sendo o Espiritismo o principal elemento regenerador, importava que o instrumento estivesse pronto, quando vie­rem os que dele devem servir-se, E o trabalho que se realiza neste momento, e que os precede de pouco. Mas antes é preciso que a grade tenha passado pelo chão, para o pur­gar das ervas parasitas, que abafariam o bom grão.



E sobretudo o vigésimo século que verá florescerem gran­des apóstolos do Espiritismo, e que poderá ser chamado o século dos messias. Então a antiga geração terá desapareci­do e a nova estará em plena força; livre de suas convulsões, formada de elementos novos ou regeneradores, a humani­dade entrará definitivamente e pacificamente na fase do progresso moral, que deve elevar a Terra na hierarquia dos mundos.

(trecho extrraído do artigo "COMENTÁRIOS SOBRE OS MESSIAS DO ESPIRITISMO", R. E., março de 1868)