quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Sobre o futuro do Espiritismo




Vinícius Lima Lousada[1]

“O Espiritismo é a grande niveladora que avança para aplainar todas as heresias. Ele é conduzido pela simpatia; ele é seguido pela concórdia, pelo amor e pela fraternidade; ele avança sem abalos e sem revolução; ele nada vem destruir, nada derrubar na organização social; ele vem a tudo renovar.”                                                                               – Um filósofo do outro mundo[2]

Que será do Espiritismo nesses dias de pós-modernidade desvairada, de afetos líquidos, de certezas nada certas, de fidelidades transitórias à epistemologia espírita? Como se portará essa filosofia diante de escassez de sabedoria no copo transbordante de tanta informação veiculada, não raramente, superficial?
Como lidará a Doutrina dos Espíritos, no século XXI, com tamanha mídia a seu serviço nem sempre apresentando o pensamento lúcido de Allan Kardec, forjando um caráter de religião nacionalista – que o Espiritismo com Kardec nunca teve – com pregações, cânticos e rezas que parecem configurar um novo evangelismo, pouco identificado com a tradição filosófica em que o mestre inseriu a Doutrina, desde O Evangelho segundo o Espiritismo, ao apresentar como seus precursores Sócrates e Platão?
Que serão dos colóquios naturais com os desencarnados em tempos que um novo moisaísmo parece ecoar nas mentes e proibir, sem chancela alguma do ensino coletivo dos Espíritos, a arte de dialogarmos com os supostos mortos, apesar das instruções de Kardec sobre as evocações?
          As pessoas solitárias não poderão chamar seus amados, domiciliados no além, para um abraço a mais, uma conversa a mais, uma elucidação sobre as leis da vida e suas consequências? Não poderá o coração em dúvida rogar ao seu benfeitor espiritual aconselhamentos enobrecedores? Até quando indagar os Espíritos sobre temas sérios, a despeito do ensino kardequiano, vai ser algo visto como coisa permitida somente para gente de nível evolutivo inencontrável na Terra?
E os médiuns, terão de esquecer que o são e recalcarão as suas potencialidades psíquicas para se ajustarem ao adestramento conduzido por alguns agentes que ignoram a pedagogia da mediunidade proposta por Kardec ou não guardam na alma qualquer vivência mais profunda com o fenômeno espírita?
Como se comportará a filosofia composta pelos Espíritos e Kardec diante da negação do diálogo e do debate que se coloca para dar lugar aos discursos “iluminados” que não suportam a dúvida e a inquietação filosófica?
O Espiritismo suportará aqueles que se creem com credenciais maiores que as de Kardec ao ponto de ignorarem a sua obra para criarem sistemas de ideias particulares e exóticas?
Mesmo que a arrogância não ouça o pensamento crítico, se faça excludente com os que se dedicam a pensar filosoficamente e venha a se dedicar a um discurso obscurantista – que promova a ignorância como virtude e achincalhe a inteligência em nome da fé cega, estigmatizando-a de vaidade –, o Espiritismo prosseguirá no ar, fazendo vibrar as fibras íntimas dos que se sentiram tocados no coração por sua filosofia, adotando-a como referência existencial.
O Espiritismo independe dos homens e das mulheres ou das instituições. É mensagem dos Espíritos à humanidade domiciliada na carne e, mesmo que o seu ensino seja proibido – algo que seus adversários desistiram, faz tempo - ele ainda existirá.
O Espiritismo está na Natureza, está no Espírito, nas leis que a vida encerra e revela em sua majestade, delineando uma ideia, a nós outros, acerca da Inteligência Suprema e de nossa própria pequenez ante à Sapiência Divina.
Será uma lástima se o saber espírita, com todo o seu potencial transdisciplinar, como ciência do infinito em permanente diálogo criativo com as leis naturais, seja encarcerado nas nossas referências religiosas do passado.
O futuro, diz o adágio popular, a Deus pertence. Mas, quero crer que os limitantes impostos ao Espiritismo pela falta de lucidez em voga se dissiparão ante o ensino progressivo e coletivo dos Espíritos que se apresentam diuturnamente à grande família humana, independente de credo, partido, questões étnicas, religião, condições econômicas ou posições ocupadas na sociedade.
O Espiritismo, com Kardec, prossegue. E o seu futuro? O mesmo dos grandes ideais: como uma fênix mitológica ressurgirá sempre das cinzas a que fora reduzido para, em novas possibilidades, renovar tudo à sua volta.
Queiram as mentes estreitas ou não, o Espiritismo prosseguirá em sua tarefa de renovação, apesar delas, sendo que os Espíritos são os seus maiores propagadores, como um dia ensinou Allan Kardec.
Construamos, enfim, uma convicção espírita na base sólida da fé raciocinada e estudemos Kardec, na fonte e em profundidade, para que através de nós o Espiritismo seja Espiritismo, com os seus princípios, desdobramentos e a lucidez que o caracteriza desde as bases kardequianas.




[1] Educador. E-mail: vlousada@hotmail.com.
[2] Revista Espírita, junho de 1863. O futuro do Espiritismo.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Amor e liberdade



(SOCIEDADE, 27 DE JANEIRO DE 1860. MÉDIUM, SR. ROZE)

Deus é amor e liberdade. É pelo amor e pela liberdade que o Espírito se aproxima dele. Pelo amor desenvolve, em cada existência, novas relações que o aproximam da unidade; pela liberdade escolhe o bem que o aproxima de Deus. Sede ardentes na propagação da nova fé. Que o santo ardor que vos anima, jamais vos faça atingir a liberdade alheia. Evitai, por uma insistência muito grande junto à incredulidade orgulhosa e temível, exasperar uma resistência meio vencida e prestes a render-se. O reino do constrangimento e da opressão acabou; começa o da razão, da liberdade, do amor fraterno. Não é mais pelo medo e pela força que os poderes da Terra adquirirão, de agora em diante, o direito de dirigir os interesses morais, espirituais e físicos dos povos, mas pelo amor à liberdade.

Abelardo

Revista Espírita, abril de 1860  

domingo, 16 de março de 2014

Lidando com a cólera



“(...) a cólera não exclui certas qualidades do coração, mas impede se faça muito bem e pode levar à prática de muito mal. Isto deve bastar para induzir o homem a esforçar-se pela dominar. (...)” ¹

Vinícius Lousada – vlousada@hotmail.com


Por que sentimos raiva? Qual a natureza ou origem da cólera em nossa intimidade? Qual o motivo de assumirmos posturas explosivas perante as pessoas ou circunstâncias? E como podemos lidar com isso?

Essas são perguntas que deveríamos nos fazer quando identificamos no rol de nossos hábitos a repetição de atitudes encolerizadas, em que, agressivos, despejamos a raiva nos outros, encharcando-nos, por sua vez, de fluidos venenosos.
Como seres imortais, sedimentamos no psiquismo, ao longo das vidas sucessivas, uma série de conteúdos psicológicos, saberes, crenças e posturas. Conectados a uma complexa rede de relações sociais em nossos encontros com o mundo e seus desafios quotidianos desenvolvemos nossas aquisições intelectuais e morais.
A agressividade que portamos há muito, desde quando o princípio espiritual transitava na esfera do reino animal, vem sendo lapidada pouco a pouco no confronto com outros conteúdos que passaram a ser apreendidos, seja na convivência que os laços de afeto facultaram, seja no desabrochar dos raciocínios fomentados pelos empreendimentos que somos levados a engendrar com vista ao atendimento das necessidades básicas de sobrevivência.
Mas, ainda assim, trazemos uma parcela de agressividade no íntimo que se expressa pela raiva. É importante, nesse caso, que aprendamos a lidar com esse sentimento a fim de que possamos superá-lo, num processo auto-educativo, evitando acostumarmo-nos a ceder à animalidade que trazemos, como acontecem nesses acessos de raiva em que, verdadeiramente, nos bestializamos.
A percepção correta da raiva é um procedimento indispensável no caminho daquele que busca educar-se e conquistar a paz interior. “O exame profundo é o remédio mais recomendável para a raiva (...)” ². Aliás, somente podemos moldá-la convenientemente na medida em que a reconhecemos e nos ocupamos de tratá-la.
Avaliando que não estamos prontos, que somos Espíritos cuja “incompletude” é qualidade imanente à nossa vocação de ser mais, uma análise cuidadosa das nascentes de nossas emoções ajudaria muito a identificarmos o quanto de raiva ainda somos portadores.
Percebendo a sua presença, seria interessante que nos olhássemos no espelho, que enxergássemos nossa fisionomia retratada no reflexo revelado, denotando o estado de inferno pessoal em que ficamos quando a cólera está no comando.
Considerando que ela não resolve nossos problemas, ao contrário, só gera mais sofrimento, piora tudo e que também põe em risco a saúde corporal, o seu reconhecimento pode instigar forçosamente o inteligente desejo de supera-la.
É obvio que, geralmente, utilizamo-nos de mecanismos de defesa negando essa enfermidade da alma, apontando como sua causa a herança genética, ou supostos processos educativos castradores em que teríamos aprendido a violência como única linguagem possível. Porém, essencialmente não somos violentos, a violência é um estado transitório a que aderimos por decisão própria porque, como atesta o Espírito Hahnehann, todas “(...) as virtudes e todos os vícios são inerentes ao Espírito. (...)” ³.
Mais uma razão para o desejo de superação consciente da cólera: ela está enraizada em nossas imperfeições morais e, ao trabalhá-la, estamos vencendo concomitantemente o homem velho, com vistas à felicidade que galgaremos nesse aprendizado de transcendência. E o vício moral que ativa a cólera – esse estado de temporária bestialização – é justamente o orgulho ferido, expresso no mais singelo laivo de personalismo, na irritabilidade constante, no desejo de dominação e materializado nos impulsos agressivos para com o semelhante ou na direção das coisas ao redor.

Trabalhando a raiva, moldamos o nosso orgulho. Envolvendo-a em energia serena, que edifica sempre, na construção de sentimentos purificadores 4, iluminamo-nos e avançamos em espiritualidade.
Assim sendo, para tecermos um estado de alma pacificada, procedamos ao reconhecimento da cólera, admitindo-a para a seguir, contê-la com a calma, sem estruturar uma guerra íntima, mas um esforço contínuo de reformulação moral, orientando-nos com os saberes espíritas e agindo diariamente alicerçados no amor preconizado por Jesus Cristo.
Dentre as estratégias que se pode utilizar para esse objetivo, uma ferramenta útil consistiria na tentativa de treinarmos a nossa capacidade de sorrir, e, por conseqüência, de relaxarmos a face. Sorrir aliviando as tensões, rindo saudavelmente de nossas dificuldades, procurando desenvolver o bom humor e uma disposição pessoal para a felicidade.
Desse modo irradiaremos simpatia e nos condicionaremos a conter a cólera através da transformação do hábito da fúria pela prática meditação consciente.
Respirar e orar para pensar antes de falar ou reagir, consumindo a raiva como se fosse um combustível a ser desgastado pelo amor, também é um recurso extraordinário a ser tentado nesse tentame renovador.

Cada um de nós, por amor ao próximo e a si mesmo deve empenhar a sua criatividade para aprender maneiras de lidar com a cólera, superando a postura reativa das manifestações modernas do famigerado duelo e da vingança, presentes nas condutas atormentadas de nossa sociedade, tão carente de Jesus e da compreensão de onde se encontram seus verdadeiros interesses.

1- O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. IX item 9.
2- NHÃT HANH, Tich. Aprendendo a lidar com a raiva. Rio de Janeiro: Sextante, 2003, p. 84.
3- O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. IX item 10.
4- XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 22. Ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2000, p. 110.


Texto extraído da Revista Internacional de Espiritismo – Ano LXXX – Nr. 10 – Novembro de 2005, págs. 518 e 519.


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Atravessando Decepções


Vinícius Lousada



“(...) A infelicidade é a alegria, é o prazer, é o tumulto, é a vã agitação, é a satisfação louca da vaidade, que fazem calar a consciência, (...).” – Delphine de Girardin[1] [1]



Todo mundo que se encontra reencarnado na Terra, de uma forma ou de outra, já se viu às voltas com as decepções ocasionadas por experiências que não deram certo. Os malogros nas expectativas geram em nosso íntimo um sentimento de frustração capaz de nos levar às lágrimas ou até mesmo, se formos descuidados, a um quadro de desequilíbrio emocional.

A reação diante das desilusões varia de acordo com o nível de consciência, de quem as experimenta, com relação à dinâmica da vida. Existem pessoas que, em suas análises descabidas, se revoltam e põem-se a culpar terceiros de seus insucessos; alguns também dizem ser por causa dos Espíritos desencarnados o mau resultado de seus empreendimentos. Muitos se revoltam, abandonam as crenças que “deveriam” – no seu mesquinho entendimento – facilitar-lhes o acesso às coisas boas da Terra.

Ainda há aqueles que se crêem perseguidos pelo azar ou que pensam terem nascido para sofrer – lançam mão da idéia distorcida do “carma” –, deixando-se conduzir por pensamentos de masoquismo e lamentação onde, muito provavelmente, desencarnados infelizes se satisfazem associando-se ao campo mental de suas invigilantes vítimas. 

Outros, porém, quando atravessam qualquer surpresa desagradável, embora sofram, chorem porque são gente e sintam uma tristeza decorrente do fatoinfeliz, que num primeiro momento parece significar o naufrágio de seus sonhos, aproveitam o saber espírita que já internalizaram para entender o porquê de suas aflições presentes. Estes estabelecem mediante a prece um alargar dos horizontes sobre sua reencarnação atual, e se candidatam a concretizar um belo roteiro de fé, renúncia e coragem, rumo às alternativas para atingirem o tentame que tanto anelam.

Eles agem “(...) como bravos soldados que, longe de fugirem ao perigo, preferem as lutas dos combates arriscados à paz que não lhes pode dar glória, nem promoção!(...)[1][2] Aliás, uma certa canção do Sul já apontou: “Não tá morto quem peleia!”

Dessa forma, quem se dispõe a seguir em frente, buscando captar – à luz do Espiritismo – a lição que a dificuldade lhe traz, passa a desenvolver um comportamento otimista diante das ocorrências ruins, identificando as pedrasdo caminho como material para erguer uma estrada rumo ao seu ideal, porque compreende racionalmente que tudo conspira ao seu favor e se algo não aconteceu como o esperado, não obstante toda a sua dedicação e esforço, foi porque a Divina Providência não julgava fundamental para a sua evolução, como nos elucida o Espírito Joanes, através da psicografia de Raul Teixeira: “(...) coisa nenhuma é essencialmente importante para o seu progresso espiritual a não ser a sua sempre crescente integração no espírito da vida, (...).”[1][3] 

Assim, dentro de uma resignação ativa, façamos o possível para depreender o que se passa conosco, senão especificamente, ao menos em linhas gerais e quando nosso sonho seja nobre e útil no “reino do espírito”, tenhamos perseverança, pois tudo correrá bem. 

Nada de depressão! Nem tampouco de desespero ou inconformismo doentio. Ensina-nos Allan Kardec, ao comentar as causas das misérias humanas que “(...) A situação material e moral da Humanidade terrestre nada tem que se espante, desde que se leve em conta a destinação da Terra e a natureza dos que a habitam.”[1][4] Deste modo, podemos considerar a nossa Casa Planetária como uma escola onde precisamos galgar passo-a-passo seu currículo para, no tempo devido, avançarmos nos níveis de estudo e obtermos condições para realizar as tarefas exigidas pelo aprendizado adquirido. 

Espíritos calcetas que somos, apresentamo- nos na Terra como alunos rebeldes em estado de repetência de experiências com vistas a um futuro promissor. 

Essa é a possibilidade de um amanhã mais prazenteiro, que se inicia no presente momento no qual nos dispomos a aprender, crescer e conquistar uma vitória diferente da que o mundo materialista, promotor de um consumismo fanatizante propõe: uma vitória sobre nós mesmos, no tocante à libertação de nossos condicionamentos inferiores.

Para tanto, é preciso muita coragem porque nesses dias de disputas descabidas, de agressividade exacerbada nas mais diversas formas de sua danosa apresentação, compondo o horrendo espetáculo de nossa insistente animalidade, enfrentar a si mesmo, num esforço hercúleo de nos tornarmos criaturas melhores, promotoras da felicidade e do amor onde estivermos é um desafio descomunal, mas necessário aos que abraçamos o Espiritismo.

Então querido irmão ou irmã, não nos agastemos com qualquer forma de desânimo, recordemo-nos que o Pai sabe de tudo quanto precisamos para sermos felizes, jamais nos desamparando, concedendo-nos até mesmo um “(...) Espírito protetor de uma ordem elevada(...)[1][5] para nos inspirar ânimo e alegria em cada etapa de nossa jornada evolutiva, sendo este um ser amorável que não deixa de apostar em nossas potencialidades, fazendo-se conselheiro fiel e irmão constante no consolo de nossas aflições. 

Caso estejamos enfrentando graves provações, sejam elas de afastamento dos seres queridos por motivos alheios à nossa vontade, enfermidades difíceis, uma perda qualquer, ou até mesmo a infelicidade de ver nossos sonhos projetados ao longo do tempo não se efetivarem, guardemos confiança naProvidência Divina, que nos reserva sempre o que há de bom e verdadeiramente imprescindível.

Lembremo-nos sempre do Mestre de nossos corações quando ditou às almas sofridas pelas intempéries da existência corporal: “Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta.(.. .)”[1][6] E destarte, fiquemos alegres! 

[1] O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. V, item 24.
[2] Idem.
[3] TEIXEIRA, J. Raul. Para uso diário. Pelo Espírito Joanes. 3.ed.Niterói, RJ: Fráter, 2001; p. 43.
[4] O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap III, item 6.
[5] O Livro dos Espíritos, questão 491.
[6] Mateus 6: 26.

Fonte: Revista Internacional de Espiritismo – Maio/2005

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

O Espiritismo e a Fé

mais um fim de tarde by Vinícius Lousada
mais um fim de tarde, a photo by Vinícius Lousada on Flickr.




                                                                                 Otaviano Pereira da Neves(*)

"Fé inabalável só é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da humanidade" - Allan Kardec.

A Doutrina Espírita apresenta uma nova maneira de ver a Fé. Este é um ponto que julgamos importante, pois enquanto as religiões procuram manipular as consciências, incutindo idéias de medo, impondo comportamentos, reduzindo consideravelmente o livre arbítrio, o Espiritismo deixa o pensamento fluir livremente, o mais natural possível para que o indivíduo possa demonstrar toda sua identidade e autenticidade.

A Fé raciocinada deixa de possuir conotação de algo obtido por uma graça, por um mistério que não pode ser explicado. Ela, portanto, difere de tudo o que caracteriza a Fé religiosa, porque baseia-se na busca do entendimento e do discernimento. A Fé religiosa firma-se nos dogmas que definem as religiões. A Fé Espírita usa a razão e, por isto, pode criticar e examinar o objeto da Fé.

Há uma lucidez maior dos conhecimentos adquiridos e uma melhor captação de conhecimentos novos. A Fé Espírita é efeito e não causa. O indivíduo que a possui já experienciou no passado no passado vivências, aprendizados, etc. que hoje lhe transmitem toda uma certeza e confiança. Há uma visão global, holística, das coisas; ou, porque não dizer, uma visão "guestaltica" do todo.

Para que se obtenha esta compreensão geral, aumentando-a paulatinamente, torna-se necessário que a nossa inteligência esteja ativa, para podermos exercitá-la através da vontade. Com a inteligência teremos facilidade de adquirir conhecimentos novos e tornar presente ou consciente os já adquiridos. Estes, serão sempre assoalho para o apoio de novas informações; assim, o poder de análise e de síntese vai crescendo de forma que a cada passo o indivíduo tenha nova compreensão, novos "insights", ou lampejos cada vez mais claros.

Assim é a Fé Espírita, com características próprias e especiais, que a diferencia de qualquer outra Fé. A Fé Espírita não é reducionista, não bloqueia a vontade nem a expressão do ser humano; ao contrário, amplia a vontade e a capacidade de expressão. O indivíduo fica livre para a escolha e com menos possibilidades de ser manobrado ou manipulado.

Daí Allan Kardec dizer que a Fé Espírita "não pode ser prescrita ou imposta, por aquele que a tem, ninguém a poderá tirar e àquele que não a tem ninguém poderá dar". Diz o Codificador que "a Fé é sinal evidente de progresso". O Espiritismo, como Doutrina reencarnacionista e evolucionista, tem na sua Fé uma conseqüência desse progresso que o indivíduo vai pouco a pouco conquistando, vivenciando. O progresso vai facilitando melhores elaborações em estágios sempre renovados.

Portanto, Fé não se consegue como que "por um passe de mágica". Ela é a certeza, a segurança e a confiança já conquistadas e que num dado momento o indivíduo experiência. A Fé está relacionada a obras, assim, uns possuem mais Fé, outros menos. Para a realização das obras - e das conquistas - é necessário estudo e trabalho que resultam em experiência. O que se pode afirmar é que haverá sempre uma nova tarefa a ser executada, a nos provar, a nos testar e, assim, vamos obtendo maior firmeza na execução, ou seja, maior Fé.

Foi dito, "a fé é mãe da esperança e da caridade", o que é facilmente compreensível, porque todo aquele que a possui, conforme a Doutrina Espírita, apresenta um sintoma de que já conquistou estágios importantes e, como tal, ela já está incorporada ao seu acervo tornando-se natural a prática do amor e da caridade.

A importância do Espírita ter esse entendimento da Fé, o levará a vivenciar melhor a atual existência, o aqui e agora, e a pautar todos os seus atos dentro de uma moral e de uma ética elevada. O Espiritismo facilita a reparação dos erros numa experimentação consciente e nisto está o fortalecimento da Fé. Todo este entendimento nos conduzirá à certeza, à confiança e à esperança, proporcionando-nos encarar de frente a razão em todas as épocas da humanidade.

(*)o autor é Psicólogo, e Presidente da Sociedade Espírita Casa da Prece - Pelotas/RS