Vinícius Lima
Lousada[1]
“O Espiritismo é a
grande niveladora que avança para aplainar todas as heresias. Ele é conduzido
pela simpatia; ele é seguido pela concórdia, pelo amor e pela fraternidade; ele
avança sem abalos e sem revolução; ele nada vem destruir, nada derrubar na organização
social; ele vem a tudo renovar.” –
Um filósofo do outro mundo[2]
Que
será do Espiritismo nesses dias de pós-modernidade desvairada, de afetos
líquidos, de certezas nada certas, de fidelidades transitórias à epistemologia
espírita? Como se portará essa filosofia diante de escassez de sabedoria no
copo transbordante de tanta informação veiculada, não raramente, superficial?
Como
lidará a Doutrina dos Espíritos, no século XXI, com tamanha mídia a seu serviço
nem sempre apresentando o pensamento lúcido de Allan Kardec, forjando um
caráter de religião nacionalista – que o Espiritismo com Kardec nunca teve –
com pregações, cânticos e rezas que parecem configurar um novo evangelismo,
pouco identificado com a tradição filosófica em que o mestre inseriu a Doutrina,
desde O Evangelho segundo o Espiritismo,
ao apresentar como seus precursores Sócrates e Platão?
Que
serão dos colóquios naturais com os desencarnados em tempos que um novo moisaísmo
parece ecoar nas mentes e proibir, sem chancela alguma do ensino coletivo dos
Espíritos, a arte de dialogarmos com os supostos mortos, apesar das instruções
de Kardec sobre as evocações?
As pessoas solitárias
não poderão chamar seus amados, domiciliados no além, para um abraço a mais,
uma conversa a mais, uma elucidação sobre as leis da vida e suas consequências?
Não poderá o coração em dúvida rogar ao seu benfeitor espiritual
aconselhamentos enobrecedores? Até quando indagar os Espíritos sobre temas
sérios, a despeito do ensino kardequiano, vai ser algo visto como coisa permitida
somente para gente de nível evolutivo inencontrável na Terra?
E
os médiuns, terão de esquecer que o são e recalcarão as suas potencialidades
psíquicas para se ajustarem ao adestramento conduzido por alguns agentes que
ignoram a pedagogia da mediunidade proposta por Kardec ou não guardam na alma
qualquer vivência mais profunda com o fenômeno espírita?
Como
se comportará a filosofia composta pelos Espíritos e Kardec diante da negação
do diálogo e do debate que se coloca para dar lugar aos discursos “iluminados” que
não suportam a dúvida e a inquietação filosófica?
O
Espiritismo suportará aqueles que se creem com credenciais maiores que as de
Kardec ao ponto de ignorarem a sua obra para criarem sistemas de ideias
particulares e exóticas?
Mesmo
que a arrogância não ouça o pensamento crítico, se faça excludente com os que
se dedicam a pensar filosoficamente e venha a se dedicar a um discurso obscurantista
– que promova a ignorância como virtude e achincalhe a inteligência em nome da
fé cega, estigmatizando-a de vaidade –, o Espiritismo prosseguirá no ar, fazendo
vibrar as fibras íntimas dos que se sentiram tocados no coração por sua
filosofia, adotando-a como referência existencial.
O
Espiritismo independe dos homens e das mulheres ou das instituições. É mensagem
dos Espíritos à humanidade domiciliada na carne e, mesmo que o seu ensino seja
proibido – algo que seus adversários desistiram, faz tempo - ele ainda
existirá.
O
Espiritismo está na Natureza, está no Espírito, nas leis que a vida encerra e
revela em sua majestade, delineando uma ideia, a nós outros, acerca da
Inteligência Suprema e de nossa própria pequenez ante à Sapiência Divina.
Será
uma lástima se o saber espírita, com todo o seu potencial transdisciplinar,
como ciência do infinito em permanente
diálogo criativo com as leis naturais, seja encarcerado nas nossas referências
religiosas do passado.
O
futuro, diz o adágio popular, a Deus pertence. Mas, quero crer que os
limitantes impostos ao Espiritismo pela falta de lucidez em voga se dissiparão
ante o ensino progressivo e coletivo dos Espíritos que se apresentam diuturnamente
à grande família humana, independente de credo, partido, questões étnicas, religião,
condições econômicas ou posições ocupadas na sociedade.
O
Espiritismo, com Kardec, prossegue. E o seu futuro? O mesmo dos grandes ideais:
como uma fênix mitológica ressurgirá sempre das cinzas a que fora reduzido
para, em novas possibilidades, renovar tudo à sua volta.
Queiram
as mentes estreitas ou não, o Espiritismo prosseguirá em sua tarefa de
renovação, apesar delas, sendo que os Espíritos são os seus maiores
propagadores, como um dia ensinou Allan Kardec.
Construamos,
enfim, uma convicção espírita na base sólida da fé raciocinada e estudemos
Kardec, na fonte e em profundidade, para que através de nós o Espiritismo seja
Espiritismo, com os seus princípios, desdobramentos e a lucidez que o
caracteriza desde as bases kardequianas.