domingo, 4 de outubro de 2015

Praticando a paz


 Vinícius Lousada - educador


“A guerra desaparecerá um dia da face da Terra?
Sim, quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus. Nessa época, todos os povos  serão irmãos.”[1]



Imaginemos um barco enfrentando uma tempestade, sendo ameaçado pela possibilidade de um naufrágio. De repente, seus tripulantes entram em total desespero, aumentando assustadoramente o risco da embarcação ir à deriva até que, a partir de um dado instante, alguém se mantém calmo e consegue agir ou organizar o grupo a ponto de evitar o desfecho infausto.
A Terra, nossa “nave comum”, sendo um mundo de provas e expiações, atravessa um momento caracterizado por aflições segundo as carências educativas de seus tripulantes.
É justamente agora que cada pessoa pode ser aquele coração sereno a contribuir com a mudança, trabalhando pela paz por onde transite.
Necessitamos, contudo, de que haja plena consciência por parte de todos nós a respeito do mosaico de sofrimento que se desenha às nossas vistas, a fim de denunciarmos a violência nas suas diversas modalidades e anunciarmos dias de amor, justiça e paz.
Assim, vários são os acontecimentos que nos sensibilizam...
Os noticiários divulgam a crueldade do “bicho-homem” com os demais bichos, e as chacinas ainda estão presentes nas grandes cidades.
A indústria do tráfico de drogas recruta para o seu quadro de serviços meninos e meninas para, logo mais, entregá-los com destreza aos braços de Tânatos.
A miséria é impingida em nível mundial e operacionalizada no descalabro causado pelo desemprego generalizado.
A ausência de direito pleno à saúde, à educação e à moradia está sendo uma constante, afirmando a negação de mínimas condições de vida digna aos pobres.
Há desperdício de alimentos e desvios de verbas públicas.
O fundamentalismo religioso, em sua cegueira, fomenta o sectarismo, e o racismo distancia os membros da família humana.
As guerras, as ações terroristas, as rixas entre as gangues, os rachas de automóveis, as lutas profissionalizadas e as agressões entre os humanos são vestígios da medieval cultura do “duelo que não passa de manifestação de orgulho.”[2]
Discussões estéreis, fofoca, sarcasmo e o uso de palavrões representam outras manifestações da raiva também.
Esses são exemplos que, além de servirem para aguçar a nossa curiosidade sobre as causas da violência, induzem-nos a pensarmos a respeito do que podemos fazer para transformar este estado de coisas, levando em conta a conhecida afirmação de Paulo Freire de que mudar é difícil, mas não impossível.·
Allan Kardec, ao fazer um estudo sobre a origem do bem e do mal, esclarece que o mal tem origem nas imperfeições humanas e que a fonte da observada propensão da humanidade, para ele, reside no abuso das paixões.
E mais, o Codificador anota que os males mais numerosos são os que o homem cria pelos seus vícios, os que provêm do seu orgulho, do seu egoísmo, da sua ambição, da sua cupidez, de seus excessos em tudo. Aí a causa das guerras e das calamidades que estas acarretam, das dissenções, das injustiças, da opressão do fraco pelo forte, da maior parte, afinal, das enfermidades.” [3]
Então, percebe-se que a vultuosa soma de violência que grassa em nosso mundo é reflexo da carga das nossas imperfeições – nutridas pelos nocivos hábitos que conservamos na relação abusiva com as paixões –, produzindo e arquivando informações psíquicas no cerne do ser que nos impulsionam às atitudes violentas.
As paixões, para os Espíritos Superiores, não são boas nem más. O problema está quando o Espírito se permite dominar por elas, invertendo a ordem das coisas, colocando a sua animalidade ancestral sobreposta à natureza espiritual.
Porém, exercitando o autoconhecimento, tarefa impostergável de quem pretende crescer, seremos capazes de compreender que em “cada um de nós há uma certa parcela de violência e certa parcela de não-violência.”[4]
Dimensionaremos, desse modo, tanto a “fera” enjaulada que habita dentro de nós, aceitando-a, quanto o potencial de contenção da agressividade que possuímos, visando acalmar o Espírito e manter relações serenas com os outros, evitando sempre qualquer forma de violência ou revide.
Para promovermos a paz é preciso que comecemos por domar nossas imperfeições morais, pois, como já asseverou apropriadamente o benfeitor Camilo: “Ninguém pode oferecer paz ao mundo, se não a desenvolve no próprio âmago, no próprio mundo íntimo.”[5]
Reconhecendo isso, somos incitados a tomar iniciativa a favor da paz, procurando anunciá-la no plano terreno, estruturando-a na própria alma e envidando esforços por vivenciar o conjunto de sublimes instruções traçadas por Jesus Cristo, ajustando-nos cotidianamente ao seu programa renovador.
Praticar a paz é praticar a não-violência ativa, celebrando o amor à vida com a mente alerta em cada situação em que nos movimentamos perante todas as criaturas de Deus compreendendo-as e agindo pacientemente pela sua felicidade.
A prática diária da paz leva à conquista da harmonia interior e nenhuma agitação do entorno ou ação dos violentos pode abalar aquele que vive em paz.
Irradiada pelo seu portador na direção daqueles com os quais estabelece redes de convivência, a vibração da paz tranqüiliza os corações, provocando a sintonia com Jesus, nosso porto seguro e Embaixador da Paz entre as mulheres e os homens de boa-vontade.



[1] O Livro dos Espíritos, questão 743.
[2] O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XII item 8.
[3] A Gênese: os milagres e as predições segundo o Espiritismo, cap. III, item 6.
[4] NHÂT HAN, Thich. Os cinco treinamentos para a mente alerta. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004, p. 26.
[5] TEIXEIRA, J. Raul. A carta magna da paz: reflexões em torno de ensinos de Francisco de Assis. Pelo Espírito Camilo. Niterói, RJ: Fráter Livros Espíritas, 2002, p. 141.

sábado, 11 de julho de 2015

AURECI FIGUEIREDO MARTINS - ENTREVISTA

Prezado Leitor,

Damos início a uma nova proposta em nosso blog com o objetivo de entrevistar alguns pensadores espíritas. O entrevistado de hoje foi o advogado, pai, avô, palestrante e escritor espírita Aureci F. Martins, colaborador do Instituto Espírita Terceira Revelaçao Divina, de Porto Alegre/RS.  Confira abaixo as reflexões apresentadas por Aureci:

"o Espiritismo é o Evangelho do Excelso Mestre Jesus, restaurado em espírito e verdade."


Larissa, Aureci, Vinícius e Valentina


1.     Quem é Aureci e como conheceu o espiritismo?
R - Nascido em 1942 em São Sepé-RS, Aureci Figueiredo Martins estudou até completar o ginásio em escola de freiras, porém desde seus 12 anos passou a dizer-se “espírita”, mesmo sem saber exatamente o que era o Espiritismo. Em 1963, tão logo concluído seu serviço militar, casou-se com a gabrielense Maria Olina Becker Martins. A partir de 1965, após havermos lido algumas obras de Allan Kardec, ambos nos fizemos colaboradores no movimento espírita sepeense. Transferindo-se o casal para Porto Alegre em 1971, ela concluiu o 2º grau e ele bacharelou-se em ciências jurídicas e sociais (UFRGS, 1982), época em que, além das aulas noturnas, dividia o tempo restante entre atividades profissionais (administrativas e docentes) e a colaboração com o movimento espírita gaúcho: na SELC (hoje CCEPA) e na revisão da revista da FERGS, “A Reencarnação”.

2.     Quais atividades são desenvolvidas no IETRD e qual mais te afeiçoas?
- Fundado em 1931, o IETRD é hoje um centro de estudos e divulgação da doutrina espírita, tal com codificada por Kardec. Como dirigentes desde 1978, minha esposa e eu propugnamos por desvincular o pensamento espírita do atavismo religioso dos colaboradores e demais frequentadores.
Preferimos o estudo doutrinário em grupos participativos e críticos.

3.     Como percebes os grupos de estudos sistematizados da Doutrina Espírita?
- Ficam otimizados com a problematização dos temas estudados, somada ao diálogo e ao hábito de raciocinar por hipóteses.

4.     Qual fato mediúnico em tua experiência de dirigente espírita te chamou mais atenção e por quê?
- Alguns anos após sua desencarnação em acidente de trânsito, meu filho Áulus escreveu através da médium Srª. Maria Monteiro (no IETRD) uma mensagem na qual ele pedia desculpas pela demora em escrever-me, visto que já houvera mandado vários recados mediúnicos para a mãe dele. Fato relevantíssimo: a médium, ao entregar-me o texto recém psicografado, disse-me que, momentos antes de receber a visita do meu filho falecido, vira-me, numa percepção paranormal, muito entristecido sentado numa cadeirinha de praia debaixo de uma árvore, pois que, minutos antes, eu assim estivera no pátio da minha casa...

6. Que relação podemos estabelecer entre o pensamento de Jesus e o de Allan Kardec?
- De perfeita sintonia, pois que o Espiritismo é o Evangelho do Excelso Mestre Jesus, restaurado em espírito e verdade.

7. Dos autores espíritas consagrados, qual te chama mais atenção e qual obra? Por quê?
- Para citar apenas um de excelentes autores, fico com o pesquisador brasileiro Hernâni Guimarães Andrade e sua obra “Reencarnação no Brasil”, pois que tive o privilégio de conversar com ele uma vez, na década de 1980, na sede do IBPP, ainda na capital paulista.

8. Como vês o trabalho de pesquisa espírita do passado e na atualidade, algo a sugerir às novas gerações?
- Ao espíritas em geral, sugiro desconsiderarem o conceito moisaico do tal “pentateuco espírita” e incluírem em seus estudos todas as publicações feitas por Allan Kardec, especialmente a “Revista Espírita”.

9. Poderias nos falar da experiência pioneira da reunião pública que o IETRD desenvolve com a metodologia de conversação, seus limites e possibilidades?
- Trata-se de um grupo de estudos aberto ao público, dialogal (interativo), no qual se discute uma indagação previamente escolhido para a data. (Ex. “Por que reencarnamos?” O formato deve ser o de “mesa redonda”, em que todos possam enxergar uns aos outros sem nenhuma hierarquização.
Dialogar e raciocinar por hipóteses é o proposto para que todos possam opinar, sem jamais monopolizar a palavra e tampouco tentar impor suas ideias aos demais participantes. Graças à assistência espiritual, o pensamento espírita acaba fluindo numa interação dialogal altamente desobsessiva.

10. Que opinião tens sobre a literatura espírita contemporânea?
- Salvantes exceções, muita quantidade em pouca qualidade doutrinária.




segunda-feira, 22 de junho de 2015

Brevíssimo apontamento a partir do prefácio de O céu e o Inferno de Allan Kardec[1]




Vinícius Lima Lousada[2]

(...) O Evangelho segundo o espiritismo representou um avanço; o Céu e o Inferno é um avanço ainda maior cujo alcance será facilmente compreendido, posto que toca o essencial de certas questões, contudo, não deveria ter aparecido prematuramente.                                                                      – Allan Kardec[3]

           
            Allan Kardec, pouco a pouco, vai se revelando ao leitor como o pensador maduro, comprometido com a filosofia que pretende desenvolver a partir das revelações trazidas pelos Espíritos em sua pesquisa sobre o mundo invisível.
            O observador atento, que se constituiu nesse educador da era nova, pesa com sobriedade as palavras, administra racionalmente o movimento de ideias ao qual é guindado como chefe, por pioneirismo científico e acolhimento coletivo. Ele vai apresentando progressivamente o desdobramento da Doutrina dos Espíritos em um formidável trabalho interexistencial, sob a orientação do Espírito de Verdade, o Mestre de todos nós, como um dia se referiu o Espírito Erasto[4].
            Na epígrafe em tela, o Allan Kardec destaca o avanço nas ideias espíritas, corporificado na obra O céu e o Inferno, como até maior do que o ocorrido com a publicação de O evangelho segundo o espiritismo. Mas o que o levaria a fazer tal afirmativa? Observemos, caro leitor, a epígrafe cujo texto retiramos do prefácio escrito pelo fundador da Ciência Espírita, ali o mestre se reporta ao alcance da obra e às questões que o seu conteúdo atingiria.
            Esta obra fundamental do Espiritismo aborda o intrigante tema da vida futura ou do porvir do ser humano que sempre inquietou a humanidade e encontrou eco nas reflexões propostas por diversos pensadores que figuraram na História da Filosofia. Muitas foram as ideias e sistemas erigidos, mas nenhum deles trouxe, antes de Allan Kardec, a sansão dos fatos observáveis a partir do diálogo investigativo com aqueles que já ultrapassaram a “fronteira” que separa o mundo corpóreo do mundo espírita ou dos Espíritos.
            O livro toca nos temas que vigoravam entre os dogmas teológicos e, o seu alcance, poderia ser antevisto na possibilidade, deduzo, de trazer racionalidade à fé, tendo em vista que, não sendo o espiritismo uma religião constituída não tinha por propósito converter ninguém à sua perspectiva e nem fazê-lo a abandonar à própria fé, aliás, dizia o mestre no diálogo com o padre:

     “(...) o Espiritis­mo vem derramar luz sobre grande número de questões, até hoje insolúveis ou mal compreendidas. Seu verdadeiro caráter é, pois, o de uma ciência e não de uma religião; e a prova disso é que ele conta entre os seus aderentes homens de todas as crenças, que por esse fato não renunciaram às suas convicções: católicos fervorosos que não deixam de praticar todos os deveres do seu culto, quando a Igreja os não repele; protes­tantes de todas as seitas, israelitas, muçulmanos e mesmo budistas e bramanistas.[5]

  Kardec estava convencido de que o Espiritismo não era uma religião, aliás, na mesma obra destaca que quem teve a iniciativa errônea de colocá-lo nesse patamar foi a igreja dominante à época. Pelo contrário, o Espiritismo, na esteira do pensamento iluminista, vinha esclarecer questões obscuras no campo da fé humana, mas não com teorias pré-concebidas ou dogmas religiosos, mas com a sanção dos fatos espíritas, observados e levados à verificação experimental, bem como, considerados no desdobramento filosófico de suas consequências morais.
 Em consonância com o princípio de liberdade de consciência, preconizado pela Doutrina dos Espíritos, Allan Kardec faz ver que os espíritas poderiam cultivar a sua fé religiosa no campo da esfera pessoal e adotar por convicção a nova filosofia. Logo, era normal ter o seu culto particular e ser adepto do Espiritismo, algo difícil de ser compreendido numa visão que ignorasse o verdadeiro caráter da Doutrina e a sua intencionalidade filosófica, no sentido de postar-se como aliança possível entre a ciência e a religião, contribuir com a unidade de crenças e, por consequência, fomentar a tolerância religiosa.
Além disso, ao invés de disputar adeptos, no arrojado projeto do Espiritismo estaria o desejo de combater a incredulidade, fosse pela lógica irretorquível de sua filosofia, fosse pela apresentação de uma quantidade de fatos observáveis, sobejamente registrados por Kardec e publicados, especialmente, na Revue.
O céu e o inferno está disposto em duas partes que compreendem o estudo da Doutrina e a descrição da condição moral de diversos Espíritos, constituindo-se em “guia do viajante antes de entrar em um novo país”, conforme observa Kardec (idem). Esse livro extraordinário apresenta um profundo estudo filosófico das alternativas apresentadas para a humanidade no tocante à vida futura, disponibiliza, mais uma vez, a tese espírita da imortalidade da alma objetificando o seu estado de felicidade ou infelicidade no mundo dos Espíritos, com base nos relatos dados pelos próprios mortos, outrora “proibidos” por Moisés e as igrejas de atenderem o convite à manifestação neste mundo, junto aos seus ou a qualquer outro interessado na sorte dos que partiram desta materialidade.
A doutrina e os exemplos apresentados na obra derrubam os dogmas das penas eternas, dissonantes da compreensão de Deus lecionada por Jesus de Nazaré e incapaz de convencer uma criança em tempos de primado da razão, como se esperava no século XIX.

           



[1] Devo destacar ao leitor que utilizei-me da tradução do primeiro Préface, publicado por Kardec, feita pelo pesquisador Augusto C. de Araújo, conforme encontramos em KARDEC, Allan. Préface. In: ______. Le Ciel et l’Enfer ou la Justice Divine selon le Spiritisme. Paris : Ledoyen, Dentu, Fréd. Henri, 1865. p. I-VIII. Tradução: Augusto César Dias de Araujo. Revisão: Vital Cruvinel. Acessível em: http://acdaraujo.blogspot.com.br/2011/11/o-prefacio-quase-esquecido-da-primeira.html. Acessado em 19/06/2015.
[2] Educador, pesquisador, editor do blog www.saberesdoespirito.blogspot.com, residente em Bento Gonçalves/RS.
[3] KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. Ou a justiça divina segundo o espiritismo. Prefácio. In: KARDEC, Allan. Préface. In: ______. Le Ciel et l’Enfer ou la Justice Divine selon le Spiritisme. Paris : Ledoyen, Dentu, Fréd. Henri, 1865. p. I-VIII. Tradução: Augusto César Dias de Araujo. Revisão: Vital Cruvinel. Acessível em: http://acdaraujo.blogspot.com.br/2011/11/o-prefacio-quase-esquecido-da-primeira.html. Acessado em 19/06/2015.
[4]______. Revista Espírita de novembro de 1861. Reunião geral dos Espíritas bordeleses - Primeira epístola de Erasto.
[5] KARDEC, Allan. O que é o espiritismo. Diálogo com o padre.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Blog Análises Espíritas



Prezado(a) leitor(a),

Recomendo a leitura do blog http://analisesespiritas.blogspot.com.br/.

Nele o autor se dedica, numa perspectiva kardequiana, a estudar vários temas concernentes ao Espiritismo, como bom senso e equilíbrio necessário à crítica filosófica sobre as matérias a que se dispõe investigar.

Boas e Saudáveis reflexões!

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

NÃO-VIOLÊNCIA, PERDÃO E COMUNICAÇÃO COMPASSIVA



Vinícius Lima Lousada[1]

[Jesus] Condena, por conseguinte, a violência, a cólera e até toda expressão descortês de que alguém possa usar para com seus semelhantes. – Allan Kardec[2]


JESUS ENSINAVA A NÃO-VIOLENCIA

Considero Jesus um pacificador por excelência, talvez ainda incompreendido por muitos cristãos no mundo em que vivemos. Sua postura de acolhimento dos excluídos e estigmatizados, de radical crítica à hipocrisia e exploração religiosa era uma afronta pacífica à visão de mundo exclusivista e sectária presente no seio da sociedade onde escolhera reencarnar.
Em seus ensinos condenara qualquer forma de violência ao próximo, da verbal à física, e estabelecera como fundamentos de sua doutrina o amor ao Pai Celeste e ao próximo[3]. Para ele o comportamento reto deveria se orientar na justa medida[4] e o caminho de elevação espiritual deveria ser trilhado pelo interessado mediante o trabalho de aquisição do conhecimento a respeito das coisas do Reino[5], objetivo maior da existência.
No conjunto de propostas de Jesus de Nazaré estava o revolucionário perdão[6]. Revolucionário porque a justiça dos homens de sua época ainda se estruturava no “olho por olho, dente por dente”[7] levando-se o ofensor ou agressor a sofrer pelas mãos dos homens aquilo que imputara às suas vítimas. Isso era legal e moral no tempo de Jesus, vejamos o nosso atraso espiritual naqueles tempos.

O PERDÃO COMO PRÁTICA RESTAURATIVA

O perdão viria como alternativa a ser aplicada no cotidiano, nas questões mais simples até os conflitos entre os grupamentos humanos, os mais distintos. Surgia, então, uma proposta de ruptura com o vicioso ciclo da violência, para a construção de um circuito virtuoso de justiça e restauração das relações sociais em termos pacíficos.
Sabedor do princípio da pluralidade das existências, o Mestre de Nazaré vinha propor a interrupção dos resultados funestos da violência que se estenderiam nas vidas sucessivas de Espíritos até então beligerantes, por isso postulava a reconciliação com o adversário como compromisso superior à adoração a Deus[8], enquanto transitássemos pelos caminhos terrenos com aquele.
A reconciliação só é possível com o perdão. O perdão liberta ofensor da dívida contraída e o ofendido do desejo de vingança ou justiça com base em seus parâmetros pessoais, estabelecendo para ambos um novo rumo, pautado na ética da compreensão que, por sua vez, conduz ao exercício da indulgência com os limites alheios e à reparação da falta perpetrada pela prática do bem.
                Claramente, o perdão consiste numa atitude não-violenta porque preconiza o desapego da ânsia por uma resposta ao ofensor na mesma medida e provoca a liberação do hábito infeliz de julgar o próximo que consiste, conforme os estudos de Comunicação Não-violenta (CNV) do psicólogo Marshall Rosenberg[9], numa forma de violência e de atitude sem empatia e compaixão, fechada ao encontro com o próximo.
                Nem sempre é possível concretizar uma reconciliação efetiva, transformando os vínculos que enfermaram em algo saudável, mas, superar o impulso agressivo, o desejo de vingança ou de manutenção de uma querela interminável, que só nos atrasa espiritualmente, já é um bom sinal de progresso moral em nosso roteiro. Destaquemos que perdoar, na perspectiva kardequiana, é responder o mal que nos fizeram com o bem, esquecendo a falta, quer dizer, desconsiderando-a.
Treinar o perdão exige atenção quanto às nossas atitudes e uma escuta compassiva, na vida de relação, para que compreendamos as necessidades do outro. Para o criador da CNV, toda a atitude violenta revela uma necessidade não atendida, diríamos nós, um sofrimento camuflado que aturde o ofensor enredado na ausência de lucidez ante a sua dor.
Aliás, muito do nosso modo de nos comunicarmos é alienante, sem empatia ou compaixão pelo sofrimento alheio. Culturalmente e através da má-educação aprendemos a desenvolver um jeito de falar e manifestar nossos anseios de forma entrecortada por arroubos de cólera, expressões grosseiras ou impaciência, que evidenciam o nosso estágio de Espíritos inferiores.
Recordemos que no contexto do diálogo com os Espíritos, Kardec dissera que a linguagem revela o lugar dos mesmos na escala espírita. Trazido para a questão do nosso modo de nos comunicarmos, no mínimo, é um belo alerta para ser considerado, especialmente, nesses dias de transição planetária em que somos chamados a contribuir em prol de nossa própria ventura, levando em conta a afirmação de Jesus: “Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus.”[10]

UM PASSO PARA A PAZ
        
        Um passo importante para a edificação da paz em nosso cotidiano, lugar onde ainda cultivamos a violência, está na possibilidade de superarmos a forma de comunicação alienante que aprendemos pelo exercício da CNV ou de algum método que nos ensine um modo mais amoroso de nos expressarmos. A comunicação alienante é aquela destituída de empatia, quero dizer, sem a “compreensão respeitosa sobre o que os outros estão passando.”[11]
Mas quando falamos sem compaixão? Numa síntese do que ensina Marshall[12], podemos dizer: exatamente quando nossas conversas se traduzem em julgamentos a respeito dos outros; analisamos a vida alheia sob o nosso prisma pessoal, a partir de nossas necessidades e valores; no instante em que classificamos os sujeitos e estabelecemos comparações; se negamos a nossa parcela de responsabilidade quanto ao que fazemos e seu efeito para o próximo; ou, ainda, quando a nossa fala apresenta exigências para com as pessoas que nos relacionamos.
A superação de uma fala nada compassiva está em nos apropriarmos de outra perspectiva, de uma fala generosa e não-violenta que possa traduzir com serenidade nossos sentimentos ou necessidades. Pode parecer uma leitura romântica dos conflitos humanos, mas se aprendermos a nos comunicar em paz – a CNV é uma bela ferramenta nesse sentido -  seremos capazes de multiplicar um modo de ser e estar no mundo que rompa paulatinamente com o paradigma incrustado em nosso psiquismo de dominação, competição e negação da diferença, por isso, fomentador da violência em suas diversas faces.
Na Filosofia Espírita, aprendemos com os Imortais que o conhecimento de si mesmo é a chave do progresso moral do Espírito[13]. Conheçamo-nos e verifiquemos quanto de energia de violência carregamos em nós e se estamos, de fato, desejosos de fazermos que a Terra seja um dia uma morada de paz.



[1] O autor é educador, escreve no blog “Saberes do Espírito” e reside em Bento Gonçalves/RS. E-mail: vlousada@hotmail.com.
[2] O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. XI, item 4.
[3] Mateus 22: 34 a 40
[4] Lucas 6: 31.
[5] Mateus 6: 19.
[6] Mateus 6: 14 e 15.
[7] O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. XII, item 8.
[8] Mateus 5: 23 e 24
[9] ROSENBERG, Marshall. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora, 2006.
[10] Mateus 5:9.
[11] ROSENBERG, Idem, p. 150. 
[12]  Idem, p. 48.
[13] O Livro dos Espíritos, questão 919-a.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

SEJAMOS PELA PAZ



Na Lagoa - VLL (2014)

Vinicius Lousada[1]


“(...) através da nuvem sombria que vos envolve e em cujo seio ruge a tempestade, observai que já surgem os primeiros raios da era nova!”[2]


Os últimos acontecimentos envolvendo atos de terrorismo na França, berço do pensamento iluminista e dos direitos do homem e do cidadão, nos colocam a pensar, mais uma vez, em torno do tema da paz.
A paz é coisa séria, necessária ao processo civilizatório e que demanda articulação entre a diversidade de crenças, atitudes, etnias, culturas para que, em regime de convivência pacífica, a diferença não seja objeto de exclusão ou motivação insensata para a violência.
Contudo, no Ocidente, somos herdeiros de um processo civilizatório cujo paradigma dominante se traduz, por incrível que pareça, por um desejo de negação da diferença, dominação e exclusão do desigual. Esse paradigma fundamentou o imaginário dos colonizadores mundo afora e da exploração das gentes supostamente não civilizadas, segundo o crivo eurocêntrico do passado.
            Muitos povos vivem, há séculos, marginalizados política, cultural e economicamente experimentando, assim, o amargor de uma inferioridade inventada e imposta, com seus efeitos colaterais danosos que se estendem na esteira do tempo, alimentando a mágoa, revolta e o desejo de aniquilação do opressor em várias gerações.
Nada obstante, a opressão não justifique qualquer forma de violência, ela explica parte da causalidade dessa sombria manifestação humana que ainda viceja em vários contextos. Mas é bom que se diga que ela é um tema complexo, sendo merecedora de abordagens e ações referenciadas em um olhar transdisciplinar e profundamente compassivo.
     Parafraseando Ubiratan D’Ambrósio[3], educador e pesquisador brasileiro que teve ensejo de problematizar o paradigma dominante, podemos dizer que as três grandes distorções deste modelo foram: a leitura das diferenças humanas compreendidas como estágios diversos de evolução, fundamentando uma visão hierárquica entre pessoas e saberes; a precariedade material, ou até simplicidade, como resultado da preguiça de alguns povos e uma visão preconceituosa da espiritualidade alheia como falta de racionalidade científica e, por último, a concepção de que a preservação de patrimônio natural e cultural dos povos originários consistiria em obstáculo ao progresso e à civilização.
            No campo dos valores esse paradigma fomenta a arrogância (do ter e do saber), a inveja (pautada no espírito competitivo e numa ignorância total da realidade interdependente da vida) e a prepotência (traduzida nos processos históricos de dominação, genocídio, epistemicídio e exploração). Em bom vocabulário espiritista, estamos diante de uma visão de mundo que se nutre e fomenta o egoísmo.
O mestre Allan Kardec, ao reflexionar sobre as relações entre educação e egoísmo, obstáculo ao nosso trânsito espiritual para mais elevadas condições na escala espírita, diz-nos:           
“De todas as chagas morais da sociedade, o egoísmo parece a mais difícil de extirpar. Com efeito, ela o é tanto mais quanto mais alimentada pelos mesmos hábitos da educação. Tem-se a impressão que, desde o berço, a gente se esforça para excitar certas paixões que, mais tarde, se tornam uma segunda natureza, e nos admiramos dos vícios da sociedade, quando as crianças os sugam com o leite.”[4]

Da citação do mestre é fácil depreender que os processos educativos a que somos acometidos, nas circunstâncias espirituais necessárias à superação de nós mesmos, recebemos, não raro, a excitação das paixões inferiores e incentivos negativos que reforçam o egoísmo como diretriz comportamental, lastimavelmente. Aliás, muitas posturas familiares errôneas, identificadas por Allan Kardec no século XIX, ainda estão presentes hoje e servem de reforço para identificação negativa para com condutas que vão do egoísmo infantil até os crimes de lesa-humanidade.
Numa sociedade orientada por um horizonte materialista, em que o ter é mais importante que o ser, cujos valores autoafirmativos em vigor são disseminados nas instituições, as mais variadas (até as que se referenciam como de “educação”), pode parecer ridículo propor um olhar sobre a vida que abarque valores como cultura de paz, altruísmo ou alteridade. A palavra de ordem ainda é a da competição por coisas que a impermanência da vida corporal revela como quiméricas e, vale lembrar, que o ser humano se posta de forma belicosa na defesa de suas ilusões.
Fritjof Capra, físico teórico e ativista do paradigma sistêmico, postulou oportunamente: “A mudança de paradigmas requer uma expansão não apenas de nossas percepções e maneiras de pensar, mas também de nossos valores.”[5] Penso, por minha vez, que só a educação integral do ser, com base em novos horizontes epistemológicos e numa ética da diversidade, pode fazer uma revolução paradigmática em que a cultura de paz – quer dizer, da não violência ativa, da não-cooperação com qualquer forma de opressão, violência ou discriminação de outro ser – seja um forte valor orientador.
Quem sabe o saber da reencarnação, compreendido em bases científicas e na problematização filosófica necessária, não poderia trazer como consequência uma espiritualidade de base plural, laica, desapegada de dogmas, sem projeto de hegemonia ideológica, livre da intolerância, da negação da razão como um valor pertinente para a constituição de uma relação saudável com o sagrado, tanto quanto, com o outro, aquele que é diferente de nós?
O ataque a Charlie Hebdo, em Paris, revela duas facetas terríveis do egoísmo elevado ao grau superlativo que ainda vigora na alma humana: o fundamentalismo - se de fato o ato se fundamentar numa vingança por Maomé contra a equipe do periódico – e a xenofobia, em voga na Europa a partir de movimentos de ultradireita que se posicionam, na esfera pública, com campanhas contra a expansão do Islã e a integração dos mulçumanos na comunidade européia.
A xenofobia é um fundamentalismo étnico e nacionalista que se expressa numa aversão a pessoas estrangeiras ou qualquer manifestação cultural que delas advenha, comum numa Europa com dificuldades de assimilar a diferença e lidar com as exigências que ela apresenta na agenda política e social.
Quanto ao fundamentalismo religioso, eu o considero uma expressão falsa de transcendência de indivíduos cuja fé se torna fechada ao diálogo com outras lógicas de raciocínio na relação com o sagrado. O fundamentalista cerra o coração ao diálogo possível com irmãos inseridos noutras crenças, que aderiram a diferentes formas de espiritualidade.
Nesses dias de intolerância, ódio e xenofobia, sejamos da paz movendo-nos a serviço desta como um valor fundamental em nossas existências. Procuremos estender os nossos horizontes intelectuais a outras epistemologias, modos de pensar, viver e produzir a vida, tanto quanto, à diversidade religiosa e étnica.
Somos seres de transcendência, de superação dos interditos da matéria e das barreiras culturais para, através da pluralidade das existências, prosseguirmos intimoratos em nossa jornada rumo a novos patamares da evolução, na medida em que a inteligência se apropria das Divinas Leis e aprimoramos a nossa vida moral no sentido do amor.
Abraçados na causa da paz, façamos dela uma pauta pertinente nos processos educativos em que atuamos. Assumamos posturas menos belicosas no cotidiano, exercitemos a nossa vocação à comunicação compassiva, ao encontro empático com o outro, fazendo jus aos valores espirituais que dizemos abraçar.
Eduquemos nossos filhos numa ética da diversidade, onde a abertura ao outro, ao diferente, seja uma presença no campo da solidariedade e da autoeducação.  
No caso de sermos adeptos da Filosofia Espírita, nos esforcemos por educar nossos filhos com base no que ela tem de melhor, sem nos fecharmos a outras contribuições, que seria uma disparatada versão de fundamentalismo enraizado na ignorância.
Entre os valores humanos manifestos no Espiritismo está a tríade que se configura na caridade, segundo o registro de Allan Kardec: benevolência, perdão e indulgência[6]. Observemos que o fundador da Ciência Espírita interroga os Espíritos a respeito do sentido da palavra caridade no que tange ao entendimento de Jesus, ou seja, em conformidade com os seus luminosos ensinos.
Esses três valores ainda são alvo de comentário de Kardec no texto em questão, recordando que “O amor e a caridade são o complemento da lei de justiça. pois amar o próximo é fazer-lhe todo o bem que nos seja possível e que desejáramos nos fosse feito. Tal o sentido destas palavras de Jesus: Amai-vos uns aos outros como irmãos.”
Para que nossos filhos manifestem ao mundo uma cultura de paz alicerçada na disposição para o diálogo, na compreensão das diferenças, no saber aprender com outras perspectivas, inspirada na humildade epistêmica tão necessária à complexidade dos tempos vividos, é necessário que sejamos, nós outros, também atentos aquela tríade, a fim de que nos façamos pacificadores em nosso trato com eles e nas lutas que nos cercam. Não esqueçamos, o exemplo é excelente ferramenta pedagógica.
            Paz e bem!





[1] Educador e editor do blog www.saberesdoespirito.blogspot.com .
[2] Instruções dos Espíritos sobre a regeneração da humanidade. In: Revista Espírita, Outubro de 1886.
[3] D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Transdisciplinaridade. São Paulo: Palas Athena, 2001.
[4] KARDEC, Allan. Primeiras lições de moral da infância. In: Revista Espírita, fevereiro de 1864.
[5] CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica. São Paulo: Cultrix, 2006.
[6] O Livro dos Espíritos, questão 886.