Dólmen de Allan Kardec
Vinícius Lousada[1]
“Pela lei da pluralidade das
existências, [o Espiritismo] abre um novo campo à Filosofia; o homem sabe de
onde vem, para onde vai, com que objetivo está na Terra. Explica a causa de
todas as misérias humanas, de todas as desigualdades sociais; dá as próprias
leis da Natureza como base dos princípios de solidariedade universal, de
fraternidade, de igualdade e de liberdade, que se assentavam apenas na teoria.
Enfim, lança luz sobre as questões mais árduas da Metafísica, da Psicologia e
da Moral.[2]
Um saber espírita
Termo cunhado por Allan Kardec[3] e
ensinamento ministrado pelos Espíritos, como informadores da investigação científica
levada a cabo pelo mestre lionês, a reencarnação se refere à volta do Espírito
à vida corporal.
No Vocabulário Espírita o mestre esclarece que esse retorno
do Espírito à vida corpórea pode dar-se em curto ou longo tempo depois da
morte, na Terra ou noutras moradas planetárias, sempre em corpo humano pelo
fato do Espírito não retroagir em sua escalada evolutiva e tampouco retrogradar
a fases infra-humanas. Nada obstante, a cada reencarnação o Espírito pode
evoluir de modo mais célere ou lento, conforme o ritmo do seu esforço pessoal
no campo do desenvolvimento de seu intelecto e no da sua moralidade, podendo
até mesmo estacionar temporariamente em certo sentido.
De uma experiência corporal à outra, o Espírito pode alternar
a sua condição social, étnica e cultural, tendo em vista o seu adiantamento
através dos diferentes aprendizados que podem ser obtidos na diversidade das
circunstâncias materiais que se lhe apresentam, conforme a suas escolhas na
erraticidade que, por sua vez, geram provas pertinentes ao crescimento que lhe cabe
realizar, ou ainda, expiações que consistem em mecanismos educativos de
colheita da semeadura equivocada empreendida outrora.
Brian Weiss
Um psiquiatra e a sua descoberta da
reencarnação
O M. d. Brian Weiss, americano, lidava com seus pacientes
mediante os métodos convencionais da psicoterapia, sendo surpreendido pela
intervenção dos Espíritos na vida corporal e a pluralidade das existências
quando Catherine, uma de suas pacientes, espontaneamente, começou a recordar
traumas de vidas passadas que estariam conectados com os transtornos emocionais
que enfrentava na vida presente. Contudo, o ceticismo de Weiss foi desafiado
pela mediunidade de sua paciente que, em transe, fez narrativas do além da vida
a respeito de fatos particulares de seu terapeuta, em especial, sobre o seu pai
e filho, ambos desencarnados. Essa experiência singular ele detalha com propriedade
em seu Best-seller “Muitas vidas, muitos
mestres”.
Desde então a vida de Brian Weiss nunca mais foi igual ao que
era. O médico, pós-graduado na Universidade de Columbia e Yale Medical School e
presidente emérito do Mount Sinai Medical Center, em Miami, tem se dedicado à
cura de seus pacientes através da terapia de vidas passadas, além de se ocupar em
contribuir com a formação de outros profissionais e realizar seminários de
âmbito nacional e internacional.
Constatações na terapia de vidas
passadas
A seguir, procurarei sintetizar ao
leitor alguns aprendizados indicados por Brian Weiss mediante a aplicação da terapia
de vidas passadas em busca da cura de seus pacientes[4].
Contudo, é de bom alvitre destacar que a técnica utilizada por Weiss para levar
seus pacientes à memória de suas vidas anteriores é a hipnose, aliás, filha do
magnetismo de Mesmer e aceita academicamente desde o século XIX, quando
difundida pelo Sr. Broca[5].
Do mesmo modo, a meditação é um
recurso utilizado pelo médico para ajudar seus pacientes no acesso às
lembranças de vidas passadas, trata-se de um meio para fazer a mente ter foco e
ativar informações do subconsciente, tendo em vista a superação de conflitos
que flagelam os que procuram essa terapia. Jamais fins pueris orientam o
quefazer de Brian Weiss. Nesse processo, o paciente não é adormecido e estando consciente
faz uso da sua capacidade de discernir, sem perder o autocontrole. As
lembranças emergem sob a condução do terapeuta e se manifestam aos pacientes
como um filme ou fragmentos mnemônicos.
Em qualquer momento o paciente pode
ser desperto. E, assim, Brian Weiss (2009, p.14 ) sintetiza a regressão:
A
terapia de regressão é o ato mental de voltar a um tempo anterior, qualquer que
seja esse tempo, a fim de resgatar lembranças que podem influir negativamente
na vida atual do paciente e que são provavelmente a fonte de seus sintomas.
(...)
Em quarenta por cento de seus pacientes, Weiss identificou a
regressão como a chave da conquista da cura completa. Noutros casos, não
identificou essa necessidade. Em trezentos de seus pacientes verificou que, com
a regressão associada à hipnose, é possível explorar de forma mais profunda o
inconsciente. Igualmente, alerta que a carga emocional que surge na regressão
demanda que a terapia seja realizada por profissionais com a devida formação na
área da saúde mental para ajudar devidamente o paciente a elaborar o
aproveitamento da vivência experimentada.
Weiss descobriu que as vivências
acessadas pelos seus pacientes apresentam-se em dois padrões: o clássico, com
riqueza de detalhes sobre aquela vida e os acontecimentos; e em fluxo de
momentos-chave, onde o subconsciente entrelaça lembranças de momentos mais
importantes e relevantes das experiências passadas que são capazes de elucidar
o trauma oculto, favorecendo a cura.
A hipótese central dele consiste na
constatação de que o simples ato de rememorar ou revivenciar um trauma do
passado longínquo resulta em cura emocional, tal como ocorre na terapia convencional.
Entende que há uma notória possibilidade de que o agente da cura esteja na
consciência de que a alma nunca morre e na compreensão das causas profundas dos
conflitos psicológicos ou de enfermidades.
Entre os saberes encontrados por Weiss, pela memória
que transborda do inconsciente profundo de seus pacientes ou pelo diálogo com
os Espíritos orientadores (que ele nomeia por mestres em sua obra), encontramos
a imortalidade da alma, a reencarnação, a comunicabilidade entre os que
partiram para o além com os que vivem aquém, aliás, muito presente em
experiências espirituais vividas por pacientes terminais, aqueles que
transitaram no estado de quase-morte, outros durante as sessões com o terapeuta
ou, ainda, de forma particular em momentos de visualização terapêutica ou
meditação.
A terapia de vidas passadas
demonstrou eficácia em casos de dores crônicas, alergias, asma, estresse,
ansiedade, depressão, deficiências imunológicas, úlceras, gastrites, podendo
melhorar lesões ou tumores cancerígenos, além de promover a tranquilidade, alegria
e vontade de viver. Para o terapeuta, o elemento espiritual da terapia de vidas
passadas – a certeza da imortalidade – tem um grande poder curativo ao afastar
o paciente do medo e do sofrimento.Os laços de família são tecidos em razão dos encontros que as
vidas sucessivas fomentam, pois, segundo suas constatações, renascemos várias
vezes nos mesmos grupos e as simpatias ou antipatias são originadas nessas
convivências sadias ou não que se perdem na esteira do tempo. O reconhecimento
subconsciente dos encontros familiares do passado dá-se na repulsa ou atração
pelo afeto de hoje, de forma espontânea.
O condicionamento do carma é
relativo, pois somos sujeitos de nossas escolhas mediante o livre-arbítrio. Não
somos determinados por fatores genéticos e ou cármicos, muito embora as nossas
ações condicionem de certo modo nossa evolução espiritual e, nesse caso, a
terapia de vidas passadas parece fortalecer a vontade do paciente evitando que seja
joguete de suas próprias tendências.
As dificuldades e obstáculos superados a cada reencarnação
fazem o indivíduo progredir espiritualmente e as circunstâncias mais afligentes
devem ser encaradas como “chances de progresso, não de atraso.” (Weiss, 2009,
p. 82)
Vale destacar que a terapia de vidas
passadas abre um caminho para a espiritualidade, no sentido mais profundo, no
cuidado com o paciente e estabelece a possibilidade de um diálogo natural sobre
a morte e as doenças, psíquicas ou físicas entre o médico, seus pacientes e
familiares.
Outro saber pertinente aos achados
de Weiss está na presença dos guias espirituais, os Bons Espíritos responsáveis
por bem orientar os sujeitos na presente reencarnação, cujos laços de afinidade
podem ser estruturados já em vidas anteriores.
Igualmente, o guia pode se manifestar através de médiuns experientes ou
a ele mesmo, mediante o exercício da meditação ou visualização, práticas
espirituais que ajudam o paciente na concentração mental.
Certamente o leitor, se for
espírita, está pensando que Brian Weiss não nos traz novidade alguma, pois
recolhemos esses saberes nos textos de Allan Kardec. Todavia, encontramos na
produção escrita de Weiss uma expressiva convergência com o pensamento kardequiano,
o que acaba por reforçar não só a atualidade da filosofia espírita, como
também, a abertura – ainda que tímida – de outros campos de saber à dimensão
espiritual do ser humano. As profícuas descobertas de Weiss pedem ao
pesquisador sensato e sem preconceito um contato mais atento com fenômenos dessa
ordem e uma curiosidade epistemológica que transcenda as suas verdades
pré-concebidas.
E o esquecimento do
passado?
Em seu diálogo com o cético, em O que é o Espiritismo?, Allan Kardec
aborda o problema do esquecimento do passado que é matéria de objeção pelo inquiridor
ao princípio da reencarnação. E, nesse sentido, esclarece o pensador da
Doutrina Espírita: “Se em cada uma de suas existências um véu esconde o passado
do Espírito, com isso nada perde ele das suas aquisições, apenas esquece o modo
por que as conquistou.”[6]
Há um olvido do passado, para a
consciência atual do Espírito, cuja finalidade é permitir-lhe novas
aprendizagens, a partir dos saberes e vivências adquiridos grafados em seu
psiquismo sem estar preso a essas experiências, abrindo-lhe os horizontes do
intelecto e da moralidade orientado pelas imensas possibilidades latentes em
seu vir-a-ser.
Reencarnado, o ser humano traz de forma intuitiva e em suas
ideias inatas o que adquiriu em ciência e em moralidade, mas detalhes das
vivências passadas ficam ocultos no inconsciente profundo para que o indivíduo não
se prenda a eles, com o risco de caminhar em um círculo vicioso, desviando-se do
campo do aprendizado que deve empreender. Caso toda gente se lembrasse de tudo,
viveríamos um caos porque com a nossa limitada cosmovisão perpetuaríamos preconceitos,
disputas inúteis, ódios e, por certo, exigiríamos na vida presente respeito às
prerrogativas que nos foram concedidas no passado, como classe social, valores
étnicos e religiosos, enraizando ainda mais em nosso ser as ilusões que nos
prendem ao sofrimento nas vidas sucessivas.
Entretanto, ao identificar o esquecimento do passado como uma
ferramenta da solicitude de Deus em prol de seus filhos, o Espiritismo jamais fez
dele um dogma. Como doutrina progressista, nele não há qualquer prescrição
proibitiva nesse sentido, muito pelo contrário, porque tendendo a absorver os
progressos científicos de campos distintos do conhecimento, como pretendia
Kardec, o Espiritismo é dialógico em relação às contribuições que são confirmadas
pelo mais rigoroso e atual método científico.
Aliás, a lembrança de vidas passadas é uma possibilidade do
ser humano porque acessadas essas memórias extracerebrais e trazidas para o
consciente, se traduzem em experiência transpessoal que fala fundo à alma sobre
a sua imortalidade e progressividade espiritual. Esse emergir de lembranças de vidas
passadas tem sido alvo de registros de diversos pesquisadores como Albert
Rochas (1837-1914), Hernani G. Andrade (1913-2003), Prof. Hamendra Nath Banerjee (1929-1985)
e Dr. Ian Stevenson (1917-2007).
Esse fenômeno merece estudo, seja daqueles que se interessam
pelo tema, que desejam fazer dele objeto de suas pesquisas ou para os que
percebem a fertilidade do diálogo da Ciência Espírita com as pesquisas
contemporâneas sobre reencarnação. A lembrança das vidas passadas, enfim, é um
fato que colabora com a difusão do princípio da reencarnação e corrobora a
terapêutica psicológica que dela se serve e que tem sido útil para o alívio do
sofrimento humano. Contrapô-las com as armas da proibição ou discursos em prol
de uma cultura do medo, que nada têm a ver com o Espiritismo, é tão ingênuo
quanto negá-las por desconhecê-las. Aqui, como noutras questões, o bom senso é
sempre bem-vindo.
Ian Stevenson
[1]
Educador e pesquisador.
[2]
Revista Espírita, agosto de 1865. O que ensina o Espiritismo.
[3]
Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas. Vocabulário Espírita.
REENCARNAÇÃO
[4]
WEISS, Brian. A cura através da terapia
de vidas passadas. Rio de Janeiro: Sextante, 2007.
[5]
Vide Revista Espírita Revista Espírita de Janeiro de 1860 - O Magnetismo
perante a Academia.
[6]
KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. 55. Ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007, p.
127.