sexta-feira, 29 de novembro de 2013

SOBRE EDUCAÇÃO MORAL



José Artur Maruri[1]
Vinícius Lousada[2]

 “Há um elemento, que se não costuma fazer pesar na balança e sem o qual a ciência econômica não passa de simples teoria. Esse elemento é a educação, não a educação intelectual, mas a educação moral. Não nos referimos, porém, à educação moral pelos livros e sim à que consiste na arte de formar os caracteres, à que incute hábitos, porquanto a educação é o conjunto dos hábitos adquiridos.” – Allan Kardec (O Livro dos Espíritos, questão 685-a)

A EDUCAÇÃO MORAL ENTRE RIVAIL E KARDEC

            Allan Kardec era o pseudônimo adotado pelo Professor Rivail, eminente educador francês e discípulo de Pestalozzi, utilizado quando fundou a Filosofia Espírita com a publicação de O Livro dos Espíritos, em pleno século XIX, na “cidade-luz” Paris, num período político entre Napoleões.
            O Livro dos Espíritos fez com que a gema preciosa apresentada pelos imortais se desentranhasse da pedra bruta da experimentação dos fenômenos espíritas, que passaram de objeto de diversão nos salões parisienses e europeus a objeto de observação do mais rígido espírito positivo da época para, posteriormente, formar toda uma filosofia ensinada pelos Espíritos interlocutores de Kardec, nas sessões espíritas em que o mestre se dedicou a pesquisar as relações que se podem estabelecer com os Espíritos.
            Antes de estabelecer sua investigação em torno dos fenômenos psíquicos e espirituais, futuro objeto de estudos da Metapsíquica e, mais tarde, da Parapsicologia com Rhine, o professor Hippolyte-Léon Denizard Rival empreendeu seus esforços profissionais na obra da educação, particularmente na condição de mestre-escola e escritor que difundia, na prática educativa e nas reflexões teóricas propostas, o método postulado por Pestalozzi, educador suíço que fora mestre de Rivail, por sua vez, profundamente inspirado nos escritos do filósofo Rosseau.
            A Educação Moral já fora objeto de estudos de Kardec como educador, quando propunha em alto e bom tom ao se referir às impressões que a criança recebe daqueles que tem a incumbência de educá-la, chegando a afirmar: “Toda prudência se faz necessária quanto à conduta que temos diante das crianças, pois facilmente criamos nelas uma boa ou má impressão”.[3] Cabe ressaltar que as investigações da Psicologia não eram suficientes sobre o tema, mas Rivail intuía a apreensão, por parte da criança, da “linguagem moral” habitualmente adotada pelos adultos que dela se acercavam. Era preciso ao educador moralizar-se para incutir, pelo exemplo e pelos processos educativos que estabelecia junto à infância, bons hábitos que superassem os comportamentos ambíguos ou frágeis produzidos pela má-educação, oriunda da hipocrisia religiosa da época, com o seu moralismo ultrajante, ou do descaso de mestres incautos.

EDUCAÇÃO MORAL EM DIÁLOGO COM A ÉTICA

            Como dito anteriormente, é preciso que o educador moralize-se para incutir bons hábitos. No entanto, um dos caminhos para tal moralização pode ser encontrado através do agir sob a ética.
            Mas quando nasce a ética? Para Marilena Chaui[4], na obra Convite à Filosofia, a ética, também chamada de filosofia moral, nasce quando, além das questões sobre os costumes, também se busca compreender o caráter de cada pessoa, isto é, o senso moral e a consciência moral individuais.
            Em o Livro dos Espíritos encontramos na questão 625 a indicação oferecida pelos Espíritos Superiores de qual o tipo mais perfeito que Deus ofereceu ao homem, aquele que lhe pudesse servir de guia e modelo e a resposta foi simples: Jesus.
            Nele, segundo observação de Allan Kardec, encontramos, “o tipo da perfeição moral a que a humanidade pode aspirar na Terra”.
            Mas como chegar lá? O próprio Livro dos Espíritos, na questão 919, aponta o meio mais prático para o homem melhorar nesta vida; e ele segue para um sábio da antiguidade que assim referiu: “conhece-te a ti mesmo”.
            Através da ética exposta desde a antiguidade e que foi ministrada, inclusive, por Jesus, adquirimos a condição de dar conta racionalmente da dimensão moral humana, aumentando o conhecimento sobre nós mesmos.
            Enfim, o próprio Allan Kardec[5], na obra A Gênese, acaba por concluir que “a regeneração da Humanidade não exige absolutamente a renovação integral dos Espíritos: basta uma modificação em suas disposições morais”.
            Dessa forma, só podemos falar em regeneração da Humanidade se observarmos como anda a nossa Educação Moral. Bem como disse o Espírito Fénelon[6], em Poitiers, no ano de 1861, “a revolução que se apresta é antes moral do que material”.





[1] Advogado, colaborador do Caminho da Luz. E-mail: josearturmaruri@hotmail.com

[2] Educador, editor do blog saberesdoespirito.blogspot.com. E-mail: vlousada@hotmail.com
[4] CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. Ática 2008, p.310.
[5] KARDEC, Allan. A Gênese. FEB Editora. Item 33. p.534.
[6] KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. FEB Editora. Item 10. p.69.

domingo, 3 de novembro de 2013

A árvore e o fruto

2 árvores
VINÍCIUS LOUSADA
vlousada@hotmail.com


“(...) cada árvore se conhece pelo seu próprio fruto; pois não se colhem figos dos espinheiros, nem se vindimam uvas dos abrolhos.”
 - Jesus[1]


OPORTUNA METÁFORA

Jesus apresenta-nos uma oportuna metáfora que permite fazer uma avaliação de várias propostas dos campos do conhecimento humano, tanto quanto das gentes que as apresentam. Podemos avaliar o valor de uma filosofia ou de uma orientação religiosa qualquer pelo que a mesma dissemina nos caminhos dos seus profitentes.  
Assim, o preclaro Codificador Allan Kardec, na esteira do ensinamento do Grande Mestre Jesus, apresenta-nos no Código da Vida – O Evangelho segundo o Espiritismo – uma revisão dessa máxima lembrando que o cristão é reconhecido pelas suas obras, assim como o fruto denuncia a natureza da árvore que o produz ressaltando, ainda, que o “primeiro cuidado de todo espírita sincero deve ser o de procurar saber se, nos conselhos que os Espíritos dão, alguma coisa não há que lhe diga respeito”.[2] 


UM ALERTA DE KARDEC 

A Revista Espírita se configura num estudo que revela o processo de construção da Ciência Espírita e, ao mesmo tempo, num repositório da Filosofia Espírita cuja fonte são as comunicações dos Espíritos Superiores.  
Num de seus esclarecedores textos, Kardec apresenta um alerta a respeito do que ele convencionou chamar de “falsos irmãos e amigos inábeis”[3], aliás, expressão da qual se utiliza para nomear o artigo com que nos ocuparemos nessa reflexão. 
O mestre lionês refere-se, inicialmente, às atitudes irrefletidas de certos adeptos que deixam de lado a prudência e agem com um zelo terrível pela Doutrina, gerando mais mal do que bem porque, segundo ele, “não calculam bem o alcance de seus atos e de suas palavras, produzindo, por isso mesmo, uma impressão desfavorável sobre as pessoas ainda não iniciadas na doutrina, mais própria a afastá-las do que as diatribes dos adversários”[4]
Para o Codificador, o Espiritismo estaria mais espraiado, realizando consolações e libertando consciências pelo esclarecimento de sua filosofia racional se não fossem as atitudes impensadas de alguns adeptos descuidados dos conselhos da prudência
Aqui ressalta do texto, em análise, a preocupação do missionário da era novaquanto à postura insensata daqueles adeptos que pareciam crer na infalibilidade de suas opiniões pessoais, descartando o conselho da maioria e, do mesmo modo, a recomendação da prudência que aponta a necessidade de se pensar com maturidade antes de agir, ouvindo também a opinião de seus pares. 
A crença na própria infalibilidade denotaria orgulho ou obsessão. O adepto de uma doutrina como o Espiritismo, que consiste num imenso campo de saber a descobrir e aprofundar através do estudo sério da produção kardequiana, que por sua vez imagine a si mesmo detentor exclusivo da razão, demonstra atitude incoerente para com o bom senso recomendado e “encarnado” na prática por Allan Kardec, conforme a expressão de Camille Flammarion ante seu túmulo. 
Por outro lado, quando nos cremos os únicos dotados de bom senso, detentores da verdade e quase “mais espíritas que Kardec”, estamos, possivelmente, apresentando um processo obsessivo definido em O Livro dos Médiuns como o de fascinação. Recordemos que a fascinação se caracteriza, principalmente, pela influência do Espírito sobre o pensamento daquele que é objeto de sua ação pertinaz, paralisando-lhe o discernimento. 
Segue o texto da Revue se referindo ainda a outras posturas dos amigos inábeis do Espiritismo. Kardec destaca a questão das publicações intempestivas ou excêntricas, o que quer dizer, aqueles escritos ditados pelos Espíritos que deveriam levar o tempo necessário de maturação da cultura ou das ciências para que viessem a lume, ou ainda, aquelas comunicações que deveriam ser, como todas e sem exceção, objeto de análise e estudo comparativo em relação ao ensino universal dos Espíritos. 
De igual modo, o exame sério dos ditados oriundos do mundo invisível evitaria sobremaneira o despropósito das publicações que denigrem a imagem da Doutrina Espírita e que geram desnorteio quanto ao seu lúcido conteúdo, cuja autoridade está fundamentada no ensino coletivo dado pelos Espíritos Superiores. Isso eliminaria publicações que somente revelam sistemas particulares de Espíritos personalistas e pseudossábios. 
Outro assunto considerado mais grave ainda pelo Codificador trata-se dosfalsos adeptos. O artigo aponta para uma estratégia dos adversários do Espiritismo dos dois planos da vida: produzir fatos comprometedores ou fazer com que os sujeitos que aderem à Doutrina os levem a efeito, fabricando-se, pouco a pouco, intrigas ocultas supostamente capazes de desacreditar ou arruinar o Espiritismo. 
Os falsos adeptos eram pessoas que o modo de vida, as suas relações e antecedentes inspiravam pouca confiança quanto às suas convicções concernentes ao ensino espírita. Apresentavam uma admiração fanática e se supunham mártires da Doutrina, nada obstante, como afirma Kardec, “não atraem simpatias: um fluido malsão parece envolvê-los e sua presença nas reuniões lança um manto de gelo”[5]
Mas o golpe de misericórdia na caracterização dos falsos adeptos do Espiritismo está na seguinte referência que, apesar de longa, nos permitimos citar para que possamos pensar em diálogo com o texto kardequiano:  
O que caracteriza principalmente esses pretensos adeptos é sua tendência em fazer o Espiritismo sair de seus caminhos de prudência e de moderação pelo seu ardente desejo do triunfo da verdade; a impelir as publicações excêntricas, a se extasiar de admiração diante das comunicações apócrifas mais ridículas, e que eles têm o cuidado de difundir; a provocar, nas reuniões, assuntos comprometedores sobre a política e a religião, sempre para o triunfo da verdade que não precisam ter sob o alqueire; seus elogios sobre os homens e as coisas são golpes de turíbulo a quebrar cinquenta faces: são os fanfarrões do Espiritismo. Outros são mais adocicados e mais insinuantes; sob seu olhar oblíquo e com palavras melosas, sopram a discórdia, pregando a desunião; lançam jeitosamente sobre o tapete questões irritantes ou ferinas, assunto de natureza a provocar dissidências; excitam um ciúme de preponderância entre os diferentes grupos, e ficam encantados em vê-los se lançarem pedra, e, em favor de algumas divergências de opinião sobre certas questões de forma e de fundo, o mais frequentemente provocadas, levantar bandeira  contra bandeira”[6]. 
Meditemos em torno dessa rica análise que o Codificador nos apresenta a partir de suas vivências no movimento espírita nascente e logo seremos levados a admitir a atualidade de suas palavras. Pensemos nisso não como quem procura culpados aqui ou acolá. Simplesmente, revivamos na memória essas assertivas e perguntemos a nós mesmos, em nossos momentos de oportuna introspecção: o que estamos fazendo dessa Doutrina em nossos fazeres espiritistas? 
 As imposturas no movimento espírita revelam, conforme cada caso, vaidades, obsessões, má-fé, mas, sobretudo, ignorância quanto à Filosofia Espírita e as suas consequências morais. Portanto, é justo recordemos outro alerta de Kardec: “o Espiritismo é mais entravado pelos que o compreendem mal do que pelos que não o compreendem absolutamente, e, mesmo pelos inimigos declarados”[7]
Os pretensos adeptos não somente procuravam afastar a ação espírita da finalidade séria de seu conteúdo filosófico – que, segundo Kardec, não os interessava -, como, igualmente, organizavam reuniões, as de diálogo e estudo com os Espíritos, em lugares impróprios e atraíam estranhos para as mesmas, misturando o que deveria ser encarado com religioso respeito com aquilo que é profano e vulgar. 
Outros ainda se dedicariam a publicações de ideias que na aparência professariam os princípios do Espiritismo e que, através do estudo das mesmas, seria fácil identificar o objetivo de fomentar dissensões no seio da família espírita.        


CONTRAPONTO PRÁTICO 

Allan Kardec, ao nos apresentar esse grave texto sobre os “falsos irmãos e amigos inábeis”, não deixa de se referir ao contraponto destas imposturas cujo critério de verdade está na práxis do adepto do Espiritismo. Diz-nos ele: “não nos poderíamos equivocar quanto ao caráter do verdadeiro espírita; há nele uma franqueza de atitudes que desafia toda suspeição, sobretudo quando corroborada pela prática dos princípios da doutrina”[8]. 
Desse modo, para que possamos investigar quanto à qualidade de nossos serviços prestados ao Espiritismo ou para que tenhamos um critério de verdade visando saber com quem estamos lidando nas hostes espiritistas - evitando-se ingenuidade que mais faz mal do que bem -, observemos com autocrítica e criticidade construtiva o que nós todos estamos apresentando em nossas atitudes dentro e fora de nossas atividades de cunho exclusivamente espírita. 
Prossigamos em nossos estudos em torno da produção kardequiana, procurando compreender e viver em profundidade o pensamento espírita.        



[1] Lucas 43:44.
[2]O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XVIII, item 12.
[3] KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos: Ano sexto – 1863. 3. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006, p. 109-118.
[4]KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos: Ano sexto – 1863. 3. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006, p. 110.
[5]KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos: Ano sexto – 1863. 3. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006, p. 112.
[6] KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos: Ano sexto – 1863. 3. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006, p. 113.
[7]KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos: Ano sétimo – 1864. 3. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006, p. 431.
[8]KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos: Ano sexto – 1863. 3.  ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006, p. 117.
 
ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA O CONSOLADOR - Ano 3 - N° 150 - 21 de Março de 2010: http://www.oconsolador.com.br/ano3/150/vinicius_lousada.html