sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

NÃO-VIOLÊNCIA, PERDÃO E COMUNICAÇÃO COMPASSIVA



Vinícius Lima Lousada[1]

[Jesus] Condena, por conseguinte, a violência, a cólera e até toda expressão descortês de que alguém possa usar para com seus semelhantes. – Allan Kardec[2]


JESUS ENSINAVA A NÃO-VIOLENCIA

Considero Jesus um pacificador por excelência, talvez ainda incompreendido por muitos cristãos no mundo em que vivemos. Sua postura de acolhimento dos excluídos e estigmatizados, de radical crítica à hipocrisia e exploração religiosa era uma afronta pacífica à visão de mundo exclusivista e sectária presente no seio da sociedade onde escolhera reencarnar.
Em seus ensinos condenara qualquer forma de violência ao próximo, da verbal à física, e estabelecera como fundamentos de sua doutrina o amor ao Pai Celeste e ao próximo[3]. Para ele o comportamento reto deveria se orientar na justa medida[4] e o caminho de elevação espiritual deveria ser trilhado pelo interessado mediante o trabalho de aquisição do conhecimento a respeito das coisas do Reino[5], objetivo maior da existência.
No conjunto de propostas de Jesus de Nazaré estava o revolucionário perdão[6]. Revolucionário porque a justiça dos homens de sua época ainda se estruturava no “olho por olho, dente por dente”[7] levando-se o ofensor ou agressor a sofrer pelas mãos dos homens aquilo que imputara às suas vítimas. Isso era legal e moral no tempo de Jesus, vejamos o nosso atraso espiritual naqueles tempos.

O PERDÃO COMO PRÁTICA RESTAURATIVA

O perdão viria como alternativa a ser aplicada no cotidiano, nas questões mais simples até os conflitos entre os grupamentos humanos, os mais distintos. Surgia, então, uma proposta de ruptura com o vicioso ciclo da violência, para a construção de um circuito virtuoso de justiça e restauração das relações sociais em termos pacíficos.
Sabedor do princípio da pluralidade das existências, o Mestre de Nazaré vinha propor a interrupção dos resultados funestos da violência que se estenderiam nas vidas sucessivas de Espíritos até então beligerantes, por isso postulava a reconciliação com o adversário como compromisso superior à adoração a Deus[8], enquanto transitássemos pelos caminhos terrenos com aquele.
A reconciliação só é possível com o perdão. O perdão liberta ofensor da dívida contraída e o ofendido do desejo de vingança ou justiça com base em seus parâmetros pessoais, estabelecendo para ambos um novo rumo, pautado na ética da compreensão que, por sua vez, conduz ao exercício da indulgência com os limites alheios e à reparação da falta perpetrada pela prática do bem.
                Claramente, o perdão consiste numa atitude não-violenta porque preconiza o desapego da ânsia por uma resposta ao ofensor na mesma medida e provoca a liberação do hábito infeliz de julgar o próximo que consiste, conforme os estudos de Comunicação Não-violenta (CNV) do psicólogo Marshall Rosenberg[9], numa forma de violência e de atitude sem empatia e compaixão, fechada ao encontro com o próximo.
                Nem sempre é possível concretizar uma reconciliação efetiva, transformando os vínculos que enfermaram em algo saudável, mas, superar o impulso agressivo, o desejo de vingança ou de manutenção de uma querela interminável, que só nos atrasa espiritualmente, já é um bom sinal de progresso moral em nosso roteiro. Destaquemos que perdoar, na perspectiva kardequiana, é responder o mal que nos fizeram com o bem, esquecendo a falta, quer dizer, desconsiderando-a.
Treinar o perdão exige atenção quanto às nossas atitudes e uma escuta compassiva, na vida de relação, para que compreendamos as necessidades do outro. Para o criador da CNV, toda a atitude violenta revela uma necessidade não atendida, diríamos nós, um sofrimento camuflado que aturde o ofensor enredado na ausência de lucidez ante a sua dor.
Aliás, muito do nosso modo de nos comunicarmos é alienante, sem empatia ou compaixão pelo sofrimento alheio. Culturalmente e através da má-educação aprendemos a desenvolver um jeito de falar e manifestar nossos anseios de forma entrecortada por arroubos de cólera, expressões grosseiras ou impaciência, que evidenciam o nosso estágio de Espíritos inferiores.
Recordemos que no contexto do diálogo com os Espíritos, Kardec dissera que a linguagem revela o lugar dos mesmos na escala espírita. Trazido para a questão do nosso modo de nos comunicarmos, no mínimo, é um belo alerta para ser considerado, especialmente, nesses dias de transição planetária em que somos chamados a contribuir em prol de nossa própria ventura, levando em conta a afirmação de Jesus: “Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus.”[10]

UM PASSO PARA A PAZ
        
        Um passo importante para a edificação da paz em nosso cotidiano, lugar onde ainda cultivamos a violência, está na possibilidade de superarmos a forma de comunicação alienante que aprendemos pelo exercício da CNV ou de algum método que nos ensine um modo mais amoroso de nos expressarmos. A comunicação alienante é aquela destituída de empatia, quero dizer, sem a “compreensão respeitosa sobre o que os outros estão passando.”[11]
Mas quando falamos sem compaixão? Numa síntese do que ensina Marshall[12], podemos dizer: exatamente quando nossas conversas se traduzem em julgamentos a respeito dos outros; analisamos a vida alheia sob o nosso prisma pessoal, a partir de nossas necessidades e valores; no instante em que classificamos os sujeitos e estabelecemos comparações; se negamos a nossa parcela de responsabilidade quanto ao que fazemos e seu efeito para o próximo; ou, ainda, quando a nossa fala apresenta exigências para com as pessoas que nos relacionamos.
A superação de uma fala nada compassiva está em nos apropriarmos de outra perspectiva, de uma fala generosa e não-violenta que possa traduzir com serenidade nossos sentimentos ou necessidades. Pode parecer uma leitura romântica dos conflitos humanos, mas se aprendermos a nos comunicar em paz – a CNV é uma bela ferramenta nesse sentido -  seremos capazes de multiplicar um modo de ser e estar no mundo que rompa paulatinamente com o paradigma incrustado em nosso psiquismo de dominação, competição e negação da diferença, por isso, fomentador da violência em suas diversas faces.
Na Filosofia Espírita, aprendemos com os Imortais que o conhecimento de si mesmo é a chave do progresso moral do Espírito[13]. Conheçamo-nos e verifiquemos quanto de energia de violência carregamos em nós e se estamos, de fato, desejosos de fazermos que a Terra seja um dia uma morada de paz.



[1] O autor é educador, escreve no blog “Saberes do Espírito” e reside em Bento Gonçalves/RS. E-mail: vlousada@hotmail.com.
[2] O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. XI, item 4.
[3] Mateus 22: 34 a 40
[4] Lucas 6: 31.
[5] Mateus 6: 19.
[6] Mateus 6: 14 e 15.
[7] O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. XII, item 8.
[8] Mateus 5: 23 e 24
[9] ROSENBERG, Marshall. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora, 2006.
[10] Mateus 5:9.
[11] ROSENBERG, Idem, p. 150. 
[12]  Idem, p. 48.
[13] O Livro dos Espíritos, questão 919-a.