sábado, 31 de dezembro de 2011

Votos de Ano-novo



Vinícius Lousada[1]



A vós, caros espíritas, irmãos e irmãs conhecidos e desconhecidos, eu vos desejo particularmente um ano feliz, porque recebestes de Deus, para a vossa peregrinação terrena, um grande apoio no Espiritismo.[2]




            No número de fevereiro de 1868 da Revista Espírita, Kardec brinda-nos com a tradução e publicação de um cartão escrito, impresso e distribuído por um espírita de Leipzig, na Alemanha, cujo nome era Adolf, portador do título de conde de Poninski. O texto em questão se intitula “Meus votos de feliz ano-novo a todos os espíritas e espiritualistas de Leipzig” e parece-me que, às portas de 2012, vale a pena fazermos um breve estudo a respeito de seu conteúdo.

            Adolf inicia o seu escrito dirigindo-se aos adeptos do materialismo, doutrina que postula que “A inteligência do homem é uma propriedade da matéria; nasce e morre com o organismo. O homem nada é antes, nem depois da vida corporal”[3], como elucidou Kardec em texto presente na coleção de manuscritos que, organizados por Leymarie, fizeram parte do livro Obras Póstumas.

            Justifica o autor do texto em análise a razão de se voltar apenas aos espíritas e aos espiritualistas por compreender que os materialistas veriam seu ato fraterno como uma “ousadia”, frente à oposição filosófica evidente do materialismo em relação à Doutrina Espírita.

            Refere-se, posteriormente, aos espiritualistas e espíritas destacando como conseqüência moral da crença de ambos na imortalidade da alma o fato de que “reconhecem em cada homem uma alma irmã da sua e, por isto, me dão o direito de lhes enviar meus votos.”[4]

            Nesse sentido, também a crença na existência de Deus levaria os dois grupos à postura íntima de gratidão pelo ano passado, fomentaria o sentimento de esperança no apoio divino para o enfrentamento das provas passíveis de surgirem nos dias infelizes do calendário vindouro e, ainda, forças para a superação moral das más paixões.

            Mas, ao se dirigir particularmente aos espíritas, desejando-lhes um ano feliz, Adolf destaca as contribuições do Espiritismo no campo da fé dos indivíduos, chamando-nos a todos ao reconhecimento do valor da Doutrina como um apoio na jornada terrena. Considera, também, que diante da incredulidade, do egoísmo e do orgulho que vinha crescendo a Filosofia Espírita é um movimento de ordem divina para o bom combate desses três sicários da emancipação espiritual do gênero humano.

            Desse modo, a Doutrina dos Espíritos vem em tempo oportuno trazer a fé raciocinada baseada em fatos rigorosamente verificáveis no campo da comunicação com os Espíritos e, assim, dá-nos a certeza inabalável da vida da alma após a morte, além de consentir um acurado e racional olhar sobre o mundo espiritual, preparando-nos para a grande viagem de retorno à realidade original que espera-nos, inexoravelmente, um dia.

            Igualmente, mediante as comunicações com os Espíritos, conforme as lúcidas recomendações de Allan Kardec, o Espiritismo nos conduz ao reconhecimento da vaidade infantil que cerca as felicidades transitórias da vida material e, igualmente, a solução filosófica de uma série de problemas que sem o seu contributo esclarecedor levariam os indivíduos facilmente à falta de fé.  

            Vejamos que o Espiritismo tirou o diálogo com os habitantes do mundo invisível do terreno do sobrenatural para identificá-lo como mecanismo natural da vida que, por sua vez, merecia uma investigação científica capaz de extrair as suas consequências morais para o progresso de seus praticantes e não para especulações significadas a partir de interesses materiais ou egoístas.

            Assim, a mediunidade, tendo conquistado o seu sentido educativo de ensinar aos indivíduos a sua natureza espiritual, sem qualquer forma de exploração egoísta ou misticismo, estabeleceu-se em bases científicas para confirmar, pelos fatos que apresenta, a crença na imortalidade da alma e acalmar o coração daqueles que viveram a experiência da perda de seus entes queridos.

            Quanto aos problemas filosóficos resolvidos pelo Espiritismo, remeto o leitor à obra O que é o Espiritismo, de Allan Kardec, em seu último capítulo. Ali encontramos a argumentação lúcida da Filosofia Espírita em torno de temas como a pluralidade dos mundos habitados, a alma e a situação do homem na vida terrena e na vida espiritual. Vale a pena conferir!

            Contudo, eu gostaria de me reportar, então, a outro aspecto do texto de Adolf. Agora, refiro-me ao destaque dado à coerência entre o Cristianismo e a Doutrina Espírita. Examinemos essas palavras do autor:



         É verdade que ela [a Doutrina Espírita] não ensina nada de novo proclamando a vida da alma, pois o Cristo já falou dela; mas o Espiritismo levanta todas as dúvidas e lança uma nova luz sobre esta questão. Entretanto, guardemo-nos de considerar como inúteis os ensinamentos do Cristianismo, e de os crer substituídos pelo Espiritismo; ao contrário, fortifiquemo-nos na fonte das verdades cristãs, para as quais o Espiritismo não é senão um novo facho, a fim de que nossa inteligência e nosso orgulho não nos desencaminhem.[5]



            Observemos que a vida da alma, ensinada pelo Cristo, é reforçada pelo pensamento espírita e, através do esclarecimento que presta, identificando as leis que regem a vida espiritual e os fenômenos espíritas, dilui de forma racional qualquer dúvida sistemática em relação a essa verdade eterna.

            Além disso, o Espiritismo traz nova luz na compreensão dos ensinamentos de Jesus que ficaram obscurecidos pelas doutrinas enxertadas no Cristianismo. Recordemos que a História permite perceber que, através de dogmas e cultos exteriores, o povo foi sendo gradativamente afastado do que era essencial e puro no Evangelho do Divino Mestre.

            Adiante, os votos de ano-novo de Adolf são encerrados com uma bela prece, uma verdadeira rogativa pelo bom aproveitamento dos diálogos que podemos manter com os Espíritos nas reuniões espíritas sérias, onde se comunicam os Espíritos elevados que “se fazem reconhecer por sua linguagem, que é a mesma em toda parte, sempre de acordo com o Evangelho e a razão humana”[6].

            E, por fim, o texto recorda-nos do papel dos Bons Espíritos juntos de nós: ajudar em nossos esforços de autoaprimoramento e no conhecimento da vida espiritual a fim de assimilarmos esse saber à vida atual, o que deve corresponder a um viver mais espiritualizado, concernente com a adoção dos princípios da Filosofia Espírita.

            Portanto, meditemos nisso tudo e tenhamos um 2012 feliz, cheio de realizações enobrecedoras na direção de nossa evolução consciente.






[1] Educador, palestrante e escritor espírita. E-mail: vlousada@hotmail.com


[2] KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos, ano 11, fev. 1868. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 3. ed.  Rio de Janeiro: FEB, 2009, p. 71.


[3] KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 2005, p.238.


[4] KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos, ano 11, fev. 1868. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 3. ed.  Rio de Janeiro: FEB, 2009, p. 71.


[5] KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos, ano 11, fev. 1868. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 3. ed.  Rio de Janeiro: FEB, 2009, p. 72.


[6]  KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos, ano 11, fev. 1868. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 3. ed.  Rio de Janeiro: FEB, 2009, p. 72.