sábado, 16 de outubro de 2010

Pluralismo religioso - Vinícius Lousada


Vivemos um momento singular na história de nossa civilização porque, do ponto de vista sociológico, nunca se afirmou e celebrou tanto a diversidade social como em nossos dias.

Apesar da teimosa existência, no Ocidente e no Oriente, de algumas religiões fundamentalistas com adeptos cooptados por uma fé cega, fechados em suas doutrinas e intolerantes com outras práticas espirituais, cresce o contingente de indivíduos que não admitem a sua verdade particular como expressão única e absoluta de uma verdade maior, que reverenciam o livre pensamento.

Graças às contribuições mais recentes de alguns estudiosos no campo da sociologia e da educação, como Stwart Hall, Alberto Melucci e Carlos Brandão, para citar apenas alguns, apreende-se os sujeitos como atores sociais que possuem uma identidade multifacetada não homogênea que, por sua vez, revela um eu “múltiplo”, não-encarcerado numa única agência de pertencimento.

Na atualidade, o religioso busca estudos científicos, o cientista empreende uma aventura rumo à transcendência. Somos cidadãos planetários, ativistas de variadas causas. Noutra hora somos “simples” pais e mães, filhos, executivos ou desportistas, artistas, profissionais, etc.

A identidade do indivíduo é uma celebração móvel, configurada através das ações e relações nos múltiplos grupos de pertencimento nos quais está inserido e que dão significados sociais variados à sua existência.

Surge, então, uma categoria sociológica que ressalta um elemento há muito apreendido com o Espiritismo: a sociodiversidade. Ela denota a diversidade social como um mosaico que se apresenta numa rede de interexistência de indivíduos portadores de uma gama, variada ao infinito, de aprendizados no campo do sentimento e do intelecto, tendo por causa a diversidade de experiências que a roda das reencarnações sucessivas vem lhes ensejando.

Desse modo, perde qualquer sentido a negação da pluralidade religiosa. Mais do que nunca fica evidente o fato de que necessitamos de variados caminhos espirituais para a vivência da transcendência, tendo em vista a conquista pessoal da iluminação interior.

Nesse contexto, parece-me que o papel primordial das religiões deva ser o de conduzir o ser humano a um encontro com a espiritualidade, com a prática diária dos valores éticos fundamentais e libertadores do sofrimento.

Toda prática religiosa ou espiritual deveria ser um empenho consciente em prol da nossa cura em relação à enfermidade conhecida por egoísmo. Aliás, a religião cumpre a sua verdadeira função quando o sujeito aproveita os preceitos que professa para a aquisição de sua própria saúde moral.

Considerando-se que o fundamento básico de toda a religião é o amor, lembremo-nos de que o amor ao próximo preconiza o respeito profundo ao seu estilo de vida e, por conseguinte, à sua orientação no campo do espiritual.

No momento em que admitimos ser cada religião a melhor para cada um de seus adeptos, segundo suas escolhas, não devemos aceitar a intolerância nesse tema porque ser intolerante com as crenças alheias “é faltar com a caridade e atentar contra a liberdade de pensamento.”[1]

Aliás, o uso de uma racionalidade sadiamente compreensiva em relação à complexidade social leva-nos a reconhecer que, num planeta como o nosso em que somos uma infinidade de Espíritos reencarnados, portadores de diversas trajetórias evolutivas e inseridos nas mais diferentes culturas, a visão reducionista de que apenas uma religião satisfaça a todos é, no mínimo, uma ilusão em torno da relação histórica do ser humano com o sagrado.

O Espiritismo não defende nenhum projeto de caminho único para “salvação” e nem deseja que alguém abandone a sua crença para segui-lo, muito pelo contrário, deixa a cada um o direito de crer como bem entenda, até porque a Doutrina Espírita não é uma questão de adesão, mas de convicção pessoal.

Além do mais, o estudo de sua filosofia permite compreender que a raiz da pluralidade religiosa está na pluralidade de vivências e opções que coube ao Espírito imortal fazer em prol de sua própria felicidade, sendo simples ao espiritista valorizar todas as religiões que proponham o bem como o alvo da experiência espiritual.

Não sonhamos com um mundo onde todas as pessoas sejam espíritas, mas projetamos, pela busca da conduta ética positiva, a realização da utopia de uma sociedade planetária cada vez mais espiritualizada, cuja relação dialógica entre as diferentes alternativas lúcidas de fé colabore com a efetivação da paz entre as criaturas.



ESTUDANDO KARDEC:



“Considerando-se que todas as doutrinas têm a pretensão de ser a única expressão da verdade, por que sinais podemos reconhecer a que tem o direito de se apresentar como tal?



“Será aquela que fizer mais homens de bem e menos hipócritas, isto é, homens que pratiquem a lei de amor e de caridade na sua maior pureza e na sua mais ampla aplicação. Por esse sinal reconhecereis que uma doutrina é boa, visto que toda doutrina que tiver por efeito semear a desunião e estabelecer linha de separação entre os filhos de Deus só pode ser falsa e perniciosa.”[2]

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[1] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2004, p. 472.

[2] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2004, p. 473.
 
Artigo publicado no Folha do Sul de 12/10/2010.