Vinícius Lousada[1]
Estabelecer técnicas e ética de
comportamento psicológico assentadas na experiência com alguns biótipos é conspirar
contra a saúde emocional, porquanto os valores que a uns preenchem as
carências, para outros, passam sem qualquer significativa emoção. – Joanna de
Ângelis[2]
No campo dos estudos orientados pelo paradigma holista – que procura
compreender ao mesmo tempo o todo e as partes da realidade – nas últimas
décadas, um conceito sobre o caráter patológico da adesão cega de indivíduos a
uma concepção hegemônica de normalidade, causadora de sofrimento, passou a ser
elaborado por alguns pensadores de forma sincrônica[3] (simultaneamente ou não,
sem nexo causal comum), trata-se do termo normose.
A normose pode ser compreendida como uma gama de normas, conceitos,
valores, esteriótipos, hábitos de pensar ou de agir, aprovados consensualmente
por um grupo social, provocando sofrimento, doença ou morte. “Em outras
palavras é algo patogênico e letal, executado sem que seus autores e seus
atores tenham consciência de sua natureza patológica.”[4]
A característica marcante da normose é a reprodução comportamental de
normas sociais e valores negativos de modo automático e inconsciente. O
normótico ignora essa enfermidade moral e crê piamente que quem não se enquadra
no conjunto da coletividade nos padrões pré-estabelecidos, mesmo que sejam
absurdos, é anormal e infeliz.
Entretanto, o normótico vive de modo
inautêntico. Seu jeito de ser e estar no mundo e com os outros é escravizado
pelo que reza o grupo que pertence ou por aquilo que a mídia apregoa,
permitindo-se ser docilmente norteado pela lógica do consumismo e pela ilusão
do fundamentalismo materialista ou espiritualista ofertado.
A pessoa normótica não tem pensamento, opinião e gosto próprio, segue o
“rebanho”, faz como todo mundo faz ou ao menos tenta. Quando não consegue ser
igualzinha aos outros se frustra e passa a viver ansiosa em suas tentativas de
ser apenas mais uma engrenagem ajustada ao mecanismo da sociedade,
entregando-se a uma vida pouco reflexiva e nada criativa.
O problema não é procurar seguir num pensamento e conduta reta, mas,
sim, em ser sal insípido[5], conforme nos
alertava Jesus, deixando de fazer a diferença quando o propósito mais amplo da
existência é multiplicar os talentos que somos portadores, superando as emoções
que causam do sofrimento, numa conviviabilidade pautada no bem.
A normose é uma normalidade doentia e se diferencia da normalidade
saudável porque ela impede o sujeito de ser mais, é um interdito externo
assumido internamente, psicologicamente.
Podemos aproximá-la do conceito de auto-obsessão segundo a escritora
espírita Suely Schubert[6] onde, no comportamento
normótico, o indivíduo é obsessor de si mesmo, impondo-se uma idéia fixa, um
comportamento cristalizado, optando por viver num círculo vicioso que é
necrófilo em suas conseqüências.
Manifestada de maneira geral ou em suas versões específicas, estudadas
por especialistas no tema, a normose provoca a atitude invejosa, a baixa autoestima,
a ansiedade e outros tantos transtornos psicológicos.
A principal ferramenta profilática que temos é o conhecimento de si
mesmo que leva à lucidez mental e ao refinamento do livre-arbítrio, de tal
forma que o sujeito que se conhece pode ter um olhar mais acurado das
possibilidades criativas de que é portador.
No campo da crença cabe o cultivo da liberdade de pensar que significa
na definição kardeciana “livre exame, liberdade de consciência, fé raciocinada.
Simboliza a emancipação intelectual, a independência moral, complemento da
independência física.”[7] O hábito de pensar
livremente edifica a autonomia espiritual do indivíduo.
Nesse sentido, aquele que pensa livremente não se permite escravizar
pelo pensamento alheio, pois, assume uma posição crítica, uma atitude
filosófica no seu cotidiano e previne-se contra o automatismo nas ações.
Aliás, essa parece ser a questão central de nossa busca espiritual:
assumir-se instituindo um significado maior ao que fazemos todos os dias, nas
diversas áreas em que produzimos a nossa existência.
Somos seres transcendentes com sede de espiritualidade, não de uma
espiritualidade rasa, presa a ritos e dogmas ininteligíveis (normose
religiosa), mas de um nível mais profundo de realidade em que, como lembra o
filósofo Mário Cortella[8], passamos ver as coisas que
fazemos não como um fim em si mesmas, mas, com razões para além do plano
imediato.
[2] FRANCO,
Divaldo. O despertar do espírito.
Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Salvador: Leal, 2000, p. 20.
[4] WEIL, Pierre. Normose:
a patologia da normalidade. Pierre Weill, Jean-Yves Leloup, Roberto Crema.
Campinas, SP: Verus Editora, 2003, p. 22.
[5] Mateus
5:13.
[6]
SCHUBERT, Suely
Caldas. Obsessão/desobsessão:
profilaxia e terapêutica espíritas. 16a ed. Rio de Janeiro: FEB, 2004.
[8] CORTELLA, Mário Sérgio. Qual é a tua obra?: inquietações propositivas sobre gestão,
liderança e ética.3.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, p. 13.
(*) Nota explicativa: texto alterado pelo autor em 31/12/12.