Em 1869 desencarna Allan Kardec, o insigne Codificador do Espiritismo, deixando-nos como legado as obras fundamentais do Espiritismo e seu exemplo de pesquisador notável, verdadeiro espírita e, por conseqüência, homem de bem, como preconizam as excelentes páginas de O Evangelho segundo o Espiritismo.
Dentre os seus discípulos mais fiéis (1) estava um homem de nome Pierre-Gaëtan Leymarie, idealista republicano e espírita convicto, fora membro de uma sociedade anônima planejada por Kardec, antes de desencarnar, em prol da difusão das obras espíritas, tornando-se, igualmente, diretor da Revista Espírita de 1870 a 1901, e administrador da Livraria Espírita, de 1870 a 1897(2).
Em 1890, Leymarie vai fazer a publicação de Oeuvres Posthumes d'Allan Kardec em Paris, através da Livraria Espírita. Essa obra trata-se de uma compilação elaborada pelo mesmo contemplando um conjunto de textos inéditos deixados por Allan Kardec.
Vale, porém, lembrar que boa parte destes textos, senão todos, antes de enfeixarem um livro, passaram a ser publicados na Revista Espírita, a partir do número de junho de 1869, como podemos observar na matéria intitulada Aos assinantes da Revista Espírita(3) quando, então, há referência à desencarnação de Allan Kardec e ao compromisso de seus colaboradores de procurarem prosseguir na via descrita pelo mestre lionês, considerando a nova fase que o Espiritismo já adentrava e a preocupação do Codificador de acercar-se de indivíduos com os quais pudesse partilhar parte de seus trabalhos, pelo bem da Causa Espírita.
Procurando cumprir o dever acima assinalado os confrades franceses começaram a publicar mensalmente os documentos encontrados no gabinete de Kardec e, tanto quanto possível, instruções do missionário da Era Nova ditadas do além, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. E, assim, brindaram o movimento espírita, daquela época, como o nosso e dos dias vindouros, com reflexões kardequianas e aspectos históricos do Espiritismo sempre oportunos a todos nós.
Seu conteúdo: um convite à leitura
Obras Póstumas é divida em duas partes. Na primeira delas temos textos de caráter doutrinário de Allan Kardec e, na segunda parte, um conjunto de anotações referentes a fatos e previsões concernentes ao Espiritismo.
Desse modo, na parte primeira encontramos um texto biográfico sobre a trajetória do Codificador, provavelmente escrito por Leymarie (também presente na Revista Espírita de maio de 1869), o discurso de Flammarion sobre o túmulo de Kardec, a profissão de fé espírita raciocinada, estudos sobre as manifestações dos Espíritos, dos potenciais mediúnicos e a questão da obsessão.
Discussões sobre problemas teológicos como a natureza do Cristo são alvo da análise acurada do mestre, tanto quanto, a fotografia e a telegrafia do pensamento, onde desenvolvidas meditações sobre, respectivamente, a ideoplastia – mais tarde estudada pelo eminente cientista Ernesto Bozzano – e a telepatia espiritual – um dos objetos de pesquisa da Metapsíquica de Richet.
Não podemos ignorar que, ainda, nesse primeiro conjunto de textos de Obras Póstumas, recolhemos excelentes reflexões filosóficas de Kardec como as intituladas como O Caminho da Vida, As Cinco Alternativas da Humanidade ou As Aristocracias.
A segunda parte da obra registra a história do Espiritismo numa perspectiva interexistencial, onde deparamo-nos com previsões dos Espíritos sobre a missão de Allan Kardec, a produção de suas obras e repercussão no pensamento da coletividade, o período de luta e a contribuição do Espiritismo para regeneração da humanidade vivente no orbe terreno.
Vemos, adiante, o Projeto – 1868 onde encontramos as bases metodológicas do processo de unificação do movimento espírita, no olhar kardequiano, para a expansão do Espiritismo de forma segura e calcada nos pilares da união dos espíritas, do ensino da Doutrina Espírita, da sua difusão pelos impressos e em viagens de propaganda doutrinária. Aliás, leitura imperdível às lideranças espíritas.
Ao final do livro está o texto Credo Espírita, seguido de Os princípios fundamentais da Doutrina Espírita reconhecidos como verdades adquiridas, sendo esse último assinado por Leymarie.
Essa brevíssima resenha tem por objetivo convidar à leitura e ao estudo do livro em pauta para que, conhecendo Kardec, através de seus textos em nosso cotidiano, possamos vivê-lo com inteligibilidade que a fé raciocinada preconizada pelo Espiritismo nos pede.
Estudando Kardec
“ Tirando-me da obscuridade, o Espiritismo me lançou num novo rumo; em pouco tempo, vi-me arrastado por um movimento que me achava longe de prever. Quando concebi a idéia de O Livro dos Espíritos, era minha intenção não me pôr de modo algum em evidência e permanecer desconhecido;mas, para logo ultrapassados os limites que eu imaginara, isso não me foi possível; tive de renunciar ao meu gosto pelo insulamento, sob pena de abdicar da obra empreendida e que crescia de dia para dia; foi-me preciso ceder à impulsão e tomar-lhe as rédeas. À proporção que ela se desenvolvia, mais vasto horizonte se desdobrava diante de mim e lhe distanciava os lindes. Compreendi então a imensidade da minha tarefa e a importância do trabalho que me restava fazer para completá-la. As dificuldades e os obstáculos, longe de me atemorizarem, redobraram as minhas energias. Divisei o fim objetivado e resolvi atingi-lo, com a assistência dos bons Espíritos. Sentia que não tinha tempo a perder e não perdi, nem em visitas inúteis, nem em cerimônias estéreis. Foi a obra de minha vida. Dei-lhe todo o meu tempo, sacrifiquei-lhe o meu repouso, a minha saúde, porque diante de mim o futuro estava escrito em letras irrecusáveis. (4)
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(1) AUBRÉE, Marion & LAPLANTINE, François. A mesa, o livro e os espíritos: gênese, evolução e atualidade do movimento social espírita entre França e Brasil. Maceió-AL: Ufal, 2009, 118.
(2) http://www.feparana.com.br/biografia.php?cod_biog=190, acessado em 08/08/2010.
(3) KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos: Ano décimo – 1869. 2. e.d. Federação Espírita Brasileira, 2005, p. 227-228.
(4) KARDEC, Allan . Obras Póstumas. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2005, p. 453.
Publicado em Diálogo Espírita n. 86.