terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A educação de um Espírito



(da Revista Espírita 12/1860)

Um de nossos assinantes, cuja esposa é excelente médium escrevente, não pode, apesar disso, comunicar-se com seus parentes e amigos, porque um Espírito mau se impõe a ela e intercepta, por assim dizer, todas as comunicações, o que lhe causa viva contrariedade. Notemos que há simples obsessão, e não subjugação, porquanto a médium absolutamente não é enganada por esse Espírito, que, aliás, é francamente mau e não procuraesconder o seu jogo. Tendo pedido nossa opinião a respeito, dissemos-lhe que não se livraria dele nem pela cólera, nem pelas ameaças, mas pela paciência; que era preciso dominá-lo pelo ascendente moral e buscar torná-lo melhor pelos bons conselhos; que é um encargo de alma que lhe é confiado, e cuja dificuldade lhe será meritória.

Conforme nosso conselho, marido e esposa empreenderam a educação desse Espírito, e devemos dizer que se conduzem admiravelmente; se não o conseguirem, nada terão a se censurar. Extraímos algumas passagens dessas instruções, que damos como modelo no gênero, e porque a natureza desse Espírito nelas se desenha de maneira característica.
1. — Para que sejas mau assim, é preciso que sofras?


— Sim, sofro. E é isto que me faz ser mau.


2. — Jamais sentes remorso do mal que fazes ou procuras fazer?


— Não; jamais tenho remorso, e gozo o mal que faço, porque não posso ver os outros felizes sem sofrer.


3. — Não admites, então, que se possa ser feliz com a felicidade alheia, em vez de encontrar felicidade em sua desgraça? Jamais fizeste tais reflexões?


— Jamais as fiz, e acho que tens razão; mas não posso me... não posso fazer o bem; eu sou...






OBSERVAÇÃO: Essas reticências substituem as garatujas feitas pelo Espírito, quando não quer ou não pode escrever uma palavra.






4 — Mas, enfim, não queres escutar-me e experimentar os conselhos que poderia dar-te?


— Não sei, porque tudo quanto me dizes me faz sofrer ainda mais, e não tenho coragem de fazer o bem.


5. — Ora! prometes-me ao menos tentar?


— Oh! não; não posso, porque não cumpriria a promessa e por isso seria punido. Ainda é preciso pedires a Deus que me mude o coração.


6. — Então, oremos juntos. Pede comigo que Deus te melhore.


— Digo-te que não posso; sou muito mau e agrada-me fazer o mal.


7. — Mas, realmente, querias fazê-lo a mim? Eu não considero como mal real as tuas mistificações que, por certo, até aqui nos têm sido mais úteis que prejudiciais, pois serviram para a nossa instrução. Assim, como vês, perdes o tempo.


— Sim, eu fiz tanto quanto posso; e se não fiz mais foi por não poder.


8. — Que é o que to impede?


— O teu bom anjo da guarda e tua Maria, sem o que verias do que sou capaz.






OBSERVAÇÃO: Maria é o nome de uma jovem que evocam em vão, e que não se pode manifestar por causa desse Espírito. Vê-se, porém, pela resposta mesma do Espírito, que se ela não pode manifestar-se materialmente, não deixa de lá estar, como o anjo da guarda, velando por eles. O fato levanta um sério problema, o de saber como um mau Espírito pode impedir as comunicações de um bom. Ele só impede as comunicações materiais, mas não as espirituais. Não é o mau Espírito mais poderoso que o bom; é o médium que não é bastante forte para vencer a obstinação do mau, e que deve esforçar-se por vencê-lo pelo ascendente do bem, me­lhorando-se mais e mais. Deus permite essas provas em nosso interesse.






9. — Então que me farias?


— Eu te faria mil coisas, umas mais desagradáveis que outras; eu te faria...


10. — Vejamos, pobre Espírito; jamais tens um gesto generoso? Jamais tens um só desejo de fazer algum bem, ainda que fosse um vago desejo?


— Sim, um desejo vago de fazer o mal; não posso ter outro. E preciso que ores a Deus, para que eu seja tocado. Do contrário, continuarei mau. E certo.


11. — Então crês em Deus?


— Não posso deixar de crer, já que me faz sofrer.


12. — Então! já que acreditas em Deus, deves ter confiança em sua perfeição e em sua bondade. Deves compreender que ele não fez suas criaturas para votá-las à desgraça; que se são infelizes, é por sua própria culpa e não pela dele; mas que elas sempre têm meios de melhorar e, conseqüentemente, chegar à felicidade; que Deus não fez suas criaturas inteligentes sem objetivo e que esse objetivo é fazer que todas concorram para a harmonia universal: a caridade, o amor do próximo; que a criatura que se afasta de tal objetivo perturba a harmonia e ela própria é a primeira vitima a sofrer os efeitos dessa perturbação que causa. Olha em torno de ti e acima de ti: não vês Espíritos felizes? Não tens o desejo de ser como eles, já que dizes que sofres? Deus não os criou mais perfeitos do que tu; como tu, talvez tenham sofrido, mas se arrependeram e Deus lhes perdoou; tu podes fazer como eles.


— Começo a ver e a compreender que Deus é justo; eu ainda não tinha visto. Es tu que me vens abrir os olhos.


13. — Então! já não sentes o desejo de melhorar?


— Ainda não.


14. — Espera, que Ele virá. Eu o espero. Disseste à minha mulher que ela te torturava, enquanto te invocava. Crês que procuremos torturar-te?


— Não; bem vejo que não, Mas não é menos verdade que sofro mais que nunca e vós sois a causa disto.






OBSERVAÇÃO: Interrogado quanto à causa de tal sofrimento, um Espírito superior respondeu: A causa está no combate que Ele trava consigo mesmo; malgrado seu, sente algo que o arrasta para um melhor caminho, mas resiste; é essa luta que o faz sofrer. — Quem vencerá nele: o bem ou o mal? — O bem; mas a luta será longa e difícil. É preciso ter muita perseverança e devotamento.






15. — Que poderemos fazer para que não sofras mais?


—E preciso que ores a Deus para que me perd... (ele risca as duas últimas palavras) que tenha piedade de mim.


16.— Então! ora conosco.


— Não posso.


17. — Disseste que tens de crer em Deus, pois que ele te faz sofrer. Mas como sabes que é Deus quem te faz sofrer?


— Ele me faz sofrer porque sou mau.


18. — Se é verdade que julgas ser Deus quem te faz sofrer, deves reconhecer nisso o motivo e não podes imaginar que Deus seja injusto?


— Sim, creio na justiça de Deus.


19. — Disseste que nós te abrimos os olhos. Verdade ou não, o certo é que não podes dissimular a verdade do que te dizemos. Ora, quer tais verdades te sejam conhecidas antes de nós, ou por nós, o essencial é que as conheças. Hoje, o grande negócio para ti é tirar partido delas. Dize, pois, francamente, se a satisfação que experimentas em fazer o mal não te deixa nada a desejar.


— Desejo que meus sofrimentos acabem; eis tudo. E eles não acabarão nunca.


20. — Compreendes que depende de ti que eles acabem?


—Compreendo.


21. — Em tua última existência corpórea te entregaste sem reservas às más inclinações, como parece que fazes agora?


— Convém saberes que sou mais imundo que uma fera, sou um miserável que fez tudo até...


22. — Eu e minha mulher te fizemos algum mal? Tiveste que te lamentar de nós numa outra existência?


— Não; eu não...


23. — Então, dize por que encontras mais prazer em te encar­niçares contra gente inofensiva como nós, que te queremos bem, em vez de contra gente má, que talvez seja, ou tenha sido tua inimiga? — Ele não me causam inveja.






OBSERVAÇÃO: Esta resposta é característica: pinta o ódio do mau contra os homens que sabe serem melhores que ele. É a inveja que cega e por vezes impele a atos mais contrários aos seus interesses. Há-os também aqui na Terra, onde muitas vezes os maiores erros de um homem, aos olhos de certas pessoas, têm o seu mérito. Aristides é um exemplo.


24. — Eras mais feliz na Terra, do que agora?


— Oh! sim. Eu era rico e de nada me privava. Cometi baixezas de toda sorte e fiz todo o mal que se pode, quando se tem dinheiro e miseráveis à disposição.


25. — Por que me pedias outro dia que te deixasse tranqüilo?


— Porque não queria responder às perguntas que me dirigias. Mas estou à vontade por me evocares e queria sempre escrever, porque o tédio me mata. Oh! não sabes o que é estar continuamente em presença das faltas e dos crimes, como estou!


26. — Que impressão experimentas à vista de uma ação generosa?


— Experimento despeito. Gostaria de aniquilá-la.


27. — Durante tua última existência corpórea jamais fizeste uma boa ação, fosse qual fosse o móvel?


— Fi-la por ambição e orgulho; jamais por bondade. Por isso, não me foi levada em conta.


Observação – Essas conversas se prolongaram durante grande número de sessões, e ainda neste momento, infelizmente sem resultado muito sensível. O mal domina sempre nesse Espírito, que só em raros intervalos demonstra alguns clarões de bons sentimentos; assim, é uma tarefa penosa para os seus instrutores.

Contudo, esperamos que com perseverança conseguirão domar essa natureza rebelde, ou ao menos que Deus leve em conta os seus esforços.