terça-feira, 5 de maio de 2009

UTILIDADE DE CERTAS EVOCAÇÕES PARTICULARES - Allan Kardec


As comunicações que se obtém de Espíritos muitos elevados ou dos que animaram grandes personagens da Antiguidade são preciosas pelo alto ensino que contêm. Esses Espíritos adquiri­ram um grau de perfeição que lhes permite abarcar uma esfera de idéias mais extensa, penetrar mistérios que ultrapassam o alcance vulgar da Humanidade e, por conseguinte, melhor que outros, nos iniciar em certas coisas. Não se segue daí que as comunicações de Espíritos de ordens menos elevadas sejam sem utilidade. Longe disto: o observador colhe nelas diversos ensi­nos. Para conhecer os costumes de um povo é preciso estudá-lo em todos os graus da escala. Quem só o tivesse visto por uma face, conhecê-lo-ia mal. A história de um povo não é a histó­ria dos reis e das sumidades sociais: para o julgar é preciso vê-lo em sua vida intima, nos seus hábitos particulares. Ora, os Espíritos superiores são as sumidades do mundo espírita; sua própria elevação os coloca de tal modo acima de nós que ficamos espantados pela distância que nos separa. Espíritos mais bur­gueses — permitam-nos a expressão — tornam mais palpáveis as condições de sua nova existência. Neles, a ligação entre a vida corporal e a vida espírita é mais intima; nós a compreen­demos melhor, pois nos toca mais de perto. Aprendendo com eles mesmos no que se tornaram, o que pensam, o que experimentam as pessoas de todas as condições e de todos os caracteres, tanto os homens de bem como os viciosos, tanto os grandes quanto os pequenos, os felizes como os infelizes do século, numa palavra, os homens que viveram entre nós, que vimos e conhecemos, cuja vida real nos. é conhecida, como suas virtudes e seus caprichos, compreendemos suas alegrias e seus sofrimentos; a eles nos asso­ciamos e colhemos um ensino moral tanto mais proveitoso quanto mais intimas as relações entre eles e nós. Pomo-nos mais facil­mente no lugar daquele que foi igual a nós, do que no daqueles que vemos apenas através da miragem de uma glória celeste. Os Espíritos vulgares mostram-nos a aplicação prática das grandes e sublimes verdades, cuja teoria nos ensinam os Espíritos supe­riores. Aliás, no estudo de uma Ciência nada há de inútil: Newton encontrou a lei das forças do Universo num fenômeno simplíssimo.

Tais comunicações têm outra vantagem: a de constatar a identidade dos Espíritos de modo mais preciso. Quando um Espírito nos diz que foi Sócrates ou Platão, somos obrigados a crer sob palavra porque ele não traz carteira de identidade; podemos ver em suas palavras se desmente ou não a origem que ele se atribui: julgamo-lo Espírito elevado — eis tudo. Se realmente foi Sócrates ou Platão, pouco importa. Mas quando o Espírito de nossos parentes, de nossos amigos ou daqueles que conhecemos se nos manifesta, ocorrem mil e uma circunstâncias de detalhes íntimos, nos quais a identidade não poderia ser posta em dúvida: adquirindo, de certo modo, a prova material. Pen­samos, pois, que nos agradecerão se fizermos, de vez em quando, algumas dessas evocações intimas: é o romance dos costumes da vida espírita sem a ficção.
(Revista Espírita, março de 1858)