sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

ALEGRIA REAL


Vinícius Lousada
e -mail: vlousada@hotmail.com

“(...) Sede alegres, sede felizes, mas da alegria que dá uma boa consciência, da felicidade do herdeiro do céu contando os dias que o aproximam de sua herança. (...)”
[1]

Era Domingo, eu estava sentado no banco de uma praça em Porto Alegre, aproveitando o sol e o ambiente verde procurando ler um livro. Enquanto dividia a atenção entre o meu chimarrão e a leitura, tentando me concentrar para compreender o texto.
De repente, fui interrompido pelo som ritmado de um tambor. Tratavam-se de dois artistas populares que se identificaram como alegres palhaços e convidavam as pessoas que passavam por ali para assistir o seu show.
Foi impossível continuar lendo, sentou-se ao meu lado uma família com os olhos e falas voltados a apresentação artística, e não demorou muito para ajuntar-se em torno dos jovens artistas um aglomerado de adultos e crianças. Como sou gente, não pude resistir, larguei a leitura e comecei a prestar atenção naquele espetáculo popular; e o melhor de tudo: gratuito!
Eles eram artistas pobres, magros, com roupas surradas e portadores de um maravilhoso senso de humor, notadamente representado na alegria que expressavam.
Na medida em que acontecia o espetáculo na praça, passei a refletir o quanto artistas desse gênero são desvalorizados na nossa sociedade de consumo, o tanto que a boa arte, motivadora da alegria, é desconsiderada nos dias de hoje. É um verdadeiro disparate este desvalor, se considerarmos o benefício da alegria ocasionada a aqueles que também tem seus desafios diários e que no instante de lazer se felicitavam no trabalho humorístico de rua.
Com base nas anotações de Boaventura de Sousa Santos
[2][2], verificamos que no paradigma da modernidade – ainda hegemônico em nosso cotidiano – só tem relevância o que pode ser quantificado, medido e classificado; quer dizer, o objeto que pode ser sistematicamente matematizado é o que tem valor. Caso observemos nossa sociedade ocidental, arraigada aos valores do materialismo, notaremos que só merece consideração aquilo que gera lucro, que tenha utilidade prática na lógica do capital, deixando-se em plano inferior tudo o que tenha uma contribuição no campo da ética, da solidariedade, da felicidade ou espiritualização da criatura humana.
A alegria não tem sentido aos que se deixam contaminar por um enfoque desesperançoso da existência, entregando-se à fruição de uma rotina infernal em que se prestam a destacar os dissabores valorizando o mal em suas conversações, esquecidos de que vivem de anotar as benesses com as quais a Providencia Divina diariamente lhes felicita.
Para os que se conduzem na via materialista a alegria é confundida com as posses. Crêem que quanto mais possuírem, mais terão motivos de alegria, colocando equivocadamente seus objetivos na obtenção dos supérfluos, que não raras vezes queimam toda a oportunidade de alegria real, àquela gerada pela conquista dos valores do espírito, resultante das ações enobrecidas no campo da doação desinteressada de si mesmo ou do convívio fraterno com aqueles que laboram na bendita seara da caridade.
Muitas criaturas reencarnadas na Terra, cooptadas pelo consumismo chegam a explorar seu próximo, encastelando-se – às custas do sofrimento alheio – em fortunas pelas quais passam a ser possuídos, pela falta de liberdade e problemáticas variadas que estas geram.
Outros, enlouquecidos pelo poder que lograram atingir por uma gama variada de fatores, lícitos ou não, julgam-se indestrutíveis e dignos de serem obedecidos cegamente, obstando a liberdade de pensar do próximo, fazendo-se ditadores tanto no âmbito doméstico, como também, na dominação que infligem certas nações sobre outras, tendo como sustentáculo seu poderio econômico e bélico. Porém, ignoram que no país da imortalidade todos estaremos destituídos dessa autoridade transitória, enfrentando o tribunal da própria consciência, em processo de reeducação promovido pela Lei Natural.
Grande soma de Espíritos, manifestando cinzenta alegria, consomem as energias psicofísicas na sensualidade, promovendo a desumanização de si mesmos ao se entregarem às formas mais perturbadoras da sexualidade mal conduzida, conectando-se às entidades sombrias que se locupletam com as atitudes lascivas desses incautos.
A drogadição, permitida ou proibida por lei, mas consentida socialmente, conduz à euforia muita gente para logo mais estender largo rio de lágrimas dos que por ela são dominados e enfermados na dependência química que promove, levando-os aos quadros de triste alienação mental e obsessão voraz.
Até mesmo no meio religioso há confusão quanto o que seja realmente alegria. Relaciona-se pureza de sentimento a um aspecto comportamental fúnebre, como se seriedade fosse sinônimo de sisudez ou mutismo. Por outro lado, às vezes se promove um verdadeiro carnaval nas atividades religiosas, descaracterizando-as, trazendo a agitação do mundo para seu âmbito, promovendo afetação dos sentidos e transformando-a em manifestação exterior; quando a experiência religiosa deveria ser atividade de foro íntimo, materializada no exercício diário da caridade.
Não é pecado ser alegre, ninguém se vincula aos Espíritos inferiores porque sorri ou procura fazer a alegria dos que o rodeiam, muito pelo contrário. Mas precisamos re-significar a alegria, pautando-nos nos ensinos luminosos do Espiritismo.
Cada um de nós necessita desenvolver, compenetrados da lógica reencarnacionista, a alegria real dentro de nossas características individuais ou gostos pessoais.
Contudo, é preciso lembrar que o estado de alegria duradoura que podemos almejar, se apostamos em nossa evolução espiritual, resultará da efetivação do amor sem escravização em nossas relações familiares; será fruto do cultivo dos laços de amizade sem interesses mesquinhos, do conhecimento utilizado para o progresso individual ou coletivo e, por fim, quando nossos sentimentos estiverem sublimados.
A alegria também poderá ser gerada pelo trabalho com o qual conquistamos honestamente nossa subsistência, pela nossa vivência cristã no mundo e, da mesma forma, mediante nossos lazeres, sem que nos contaminemos pelos equívocos consagrados na sociedade materialista.
Espíritas, temos todos os motivos do mundo para sermos felizes! Façamos o melhor possível em nossa estada terrena e, inspirados no Mestre Jesus valorizemos o bem espalhando as boas novas de alegria por onde passarmos.



[1] O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. XVII, item 10.
[2] Santos, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 8. Ed. Edições Afrontamento. Portugal: Porto, 1996; p.15.