quinta-feira, 11 de julho de 2013

segunda-feira, 1 de julho de 2013

A marcha dos que estão indignados


Vinícius Lima Lousada*  

Nos anos 90, em uma belíssima carta pedagógica, Paulo Freire tece considerações sobre o direito que os homens e mulheres tem de intervir na realidade em que vivem para mudar o mundo, fazer história.

Sua expectativa era de que o povo se organizasse em marchas objetivando democratizar várias instâncias de nosso país, bem como, os direitos fundamentais que historicamente são negados aos que vivem no abismo provocado pela desigualdade social.

Nessa carta o educador conclama à marcha todos os sobrantes, como se referiria o sociólogo polonês Zygmunt Bauman em relação àqueles que sobram no projeto de globalização capitalista. Em nossos dias assistimos uma marcha (ou será uma contramarcha?). Multidões se articulam pelas redes sociais e se aglutinam em marchas pela decência e reforma política, pelo respeito aos trabalhadores, pela saúde, trabalho, moradia, segurança e educação de qualidade para todos e todas. Eles e elas marcham pela dignidade com que o povo merece ser tratado, onde os interesses do bem comum devem estar acima do egotismo de alguns setores da classe dirigente. Muitas são as bandeiras, as intencionalidades que convergem na defesa da ética no trato da coisa pública e da renovação na práxis política.

Muitas marchas se fizeram numa – em diversas cidades – que parece transcender o sectarismo partidário e o seu recado se constitui em um grande basta (!) aos abusos perpetrados pela corrupção e o jogo de interesses que historicamente se firmaram na organização política de nosso país.  Enfim, vimos as pessoas organizadas em ações coletivas onde o povo disse a sua palavra clamando à classe dirigente, nas diferentes esferas de gestão pública, a edificação da boa política, firmada na ética a favor das gentes, da vida, da retidão na vida pública.

Outrora as ações coletivas foram alvo de pesquisa do sociólogo e psicólogo italiano Alberto Melucci em seus estudos sobre os novos movimentos sociais. Identifica-se, segundo ele, uma inadequação de formas tradicionais de representação política nas sociedades complexas e, desse modo, outras formas de mobilização social acabam por emergir com o potencial de revigorar o tecido social a partir de indivíduos que se agregam em sintonia de demandas, conquistando inserção e visibilidade na esfera pública.

Essas ações coletivas constituem-se em entrelaçamentos dinâmicos, flexíveis e móveis de indivíduos e grupos em torno de suas demandas que acabam por formar uma agenda comum. Além disso, há o revezamento democrático de tarefas como alternativa diante das demandas e metas dos atores coletivos, o que nos faz compreender porque nessas marchas, Brasil a fora, o movimento era destituído de representantes institucionalizados.

Outro aspecto pertinente das ações coletivas, para o momento, diz respeito à sua latência. Os movimentos comportam-se como redes submersas em estado de latência que emergem quando mobilizados pelas circunstâncias em que os indivíduos vivem. E seu caráter gregário está relacionado à rede de sentidos produzida pelos sujeitos mediante suas relações, à identidade entre demandas coletivas e individuais, anseios afetivos, necessidades comunicativas e aos laços de solidariedade entre os membros do movimento em questão, voltados a resultados de curto prazo. Em outras palavras, o movimento que tomou conta do país é da cidadania que apenas parecia adormecida, contudo, ela veio para o cenário da esfera pública movida pela agenda da defesa da ética e da legalidade no trato com os bens e recursos públicos.

Caso não vejamos mudanças significativas no cenário político, essa ação coletiva continuará a emergir da aparente quietude. A eficácia política das ações coletivas se fundamenta na abertura, receptividade e eficiência das modalidades de representação política do sistema social vigente. Logo, esse “movimento dos indignados” com os rumos políticos do país precisa avançar no sentido do acolhimento de suas propostas pela atual classe política, eleita por todos nós, e sua concretização em breve. Caso continuemos a assistir os mesmos problemas políticos a respeito dos quais se exigiu superação será preciso demonstrar no voto, nas próximas eleições, o peso político de nossa indignação, além dos protestos pacíficos, civilizados de uma coletividade cidadã. 


*Professor de Educação Básica, Técnica e Tecnológica do Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS).