"O Espiritismo, eu o repito, em demonstrando, não por hipótese, mas por fatos, a e-xistência do mundo invisível, e o futuro que nos espera, muda totalmente o curso das i-déias; dá ao homem a força moral, a coragem e a resignação, porque ele não trabalha mais somente para o presente, mas para o futuro; sabe que se não goza hoje, gozará amanhã. Demonstrando a ação do elemento espiritual sobre o mundo material, alarga o domínio da ciência e abre, por isso mesmo, um novo caminho ao progresso material. O homem terá, então, uma base sólida para o estabelecimento da ordem moral sobre a Ter-ra; compreenderá melhora solidariedade que existe entre os seres deste mundo, uma vez que essa solidariedade se perpetua indefinidamente; a fraternidade não é mais uma pala-vra vã; ela mata o egoísmo em lugar de ser morta por ele, e muito naturalmente o homem, imbuído dessas idéias, nisso conformará às suas leis e suas instituições sociais.
O Espiritismo conduz inevitavelmente a essa reforma; assim se cumprirá, pela força das coisas, o revolução moral que deve transformar a Humanidade e mudar a face do mundo, e isso tudo simplesmente pelo conhecimento de uma nova lei da Natureza que dá um outro curso às idéias, que dá um resultado a esta vida, um objetivo às aspirações do futuro, e faz encarar as coisas de um outro ponto de vista.
Se os detratores do Espiritismo - falo daqueles que militam para o progresso social, dos escritores que pregam a emancipação dos povos, a liberdade, a fraternidade e a re-forma dos abusos - conhecessem as verdadeiras tendências do Espiritismo, a sua impor-tância e seus resultados inevitáveis, em lugar de abafá-lo como o fazem, de lançar sem cessar entraves em seu caminho, nele veriam a mais poderosa alavanca para chegar à destruição dos abusos que combatem; em lugar de lhe serem hostis, o aclamariam como um socorro providencial; infelizmente, a maioria crê mais neles do que na Providência. Mas a alavanca age sem eles e apesar deles, e a irresistível força do Espiritismo nisso será tanto melhor constatada quanto tiver tido mais a combater. Um dia dir-se-á deles, e isso não será à sua glória, o que dizem eles mesmos daqueles que combateram o movimento da Terra e daqueles que negaram a força do vapor. Todas as negações, todas as perseguições, não impediram essas leis naturais de seguir o seu curso; do mesmo modo todos os sarcasmos da incredulidade não impedirão a ação do elemento espiritual que é também uma lei da Natureza.
O Espiritismo, considerado dessa maneira, perde o caráter de misticismo que lhe censuram seus detratores, aqueles pelo menos que não o conhecem; não é mais a ciên-cia do maravilhoso e do sobrenatural ressuscitada, é o domínio da Natureza enriquecido de uma lei nova e fecunda, uma prova a mais do poder e da sabedoria do Criador; são, enfim, os limites dos conhecimentos humanos recuados.
Tal é, em resumo, senhores, o ponto de vista sob o qual é preciso encarar o Espiri-tismo. Nesta circunstância, qual foi o meu papel? Não foi nem o de inventor, nem o de criador; eu vi, observei, estudei os fatos com cuidado e perseverança; coordenei-os e lhes deduzi as conseqüências: eis toda a parte que nisso me toca; o que fiz, um outro teria podido fazê-lo em meu lugar. Em tudo isso fui um simples instrumento dos desígnios da Providência, e dou graças a Deus e aos bons Espíritos por terem consentido em se servirem de mim; é uma tarefa que aceitei com alegria, e da qual me esforço para me tornar digno, rogando a Deus me dar as forças necessárias para cumpri-la segundo a sua santa vontade. No entanto, esta tarefa é pesada, mais pesada do que ninguém pode crer; se ela tem para mim algum mérito, é que tenho a consciência de não ter recuado diante de nenhum obstáculo, nem de nenhum sacrifício; essa será a obra de minha vida até meu último dia, porque diante de um objetivo tão importante, todos os interesses materiais e pessoais se apagam, como os pontos diante do infinito.
Termino esta curta exposição, senhores, dirigindo felicitações sinceras àqueles de nossos irmãos da Bélgica, presentes ou ausentes, cujo zelo, devotamento e perseverança contribuíram para implantar o Espiritismo neste país. As sementes que depositaram nos grandes centros populacionais, tais como Bruxelas, Anvers, etc., não terão sido, disso estou seguro, lançadas sobre um solo estéril."
(Trecho do artigo "O Espiritismo é uma ciência positiva" de Allan Kardec na Revista Espírita de novembro de 1864)