Vinícius Lousada[1]
Há mais de dois mil anos um jovem partiu da bucólica Nazaré para apresentar uma filosofia diferente para um povo cansado da ortodoxia religiosa, da dominação política e do engodo dos falsos profetas que pululavam em toda parte. Esse Nazareno propunha uma doutrina fundamentada em ensinamentos que ministrava em público, embora não se furtasse de dar lições na vida privada, junto ao Lago da Galiléia, na via pública, em festas, com os pobres e, algumas vezes, nos templos destinados à tradição religiosa de seu povo.
Dos Evangelhos é possível extrair a essência de sua Doutrina cujo eixo
fundamental consiste numa tríade do amor: o amor a Deus, o amor ao próximo e o
amor a si mesmo[2]. Nesse sentido
é oportuno recordar dois estudos feitos pelos Espíritos junto a Kardec e
presentes em O Evangelho segundo o Espiritismo, livro em que se
ocupa exclusivamente do ensino moral de Jesus, definido pelo próprio mestre
lionês como código divino[3], o que significa que
Allan Kardec via o Evangelho como uma coleção de preceitos ou normas éticas que
traduziam de algum modo as Leis de Deus. O Mestre Jesus procurou revelar-nos
essas Leis que regem a vida do Espírito imortal apesar de nossa pouca
perspicácia para compreendê-lo à época.
Os
estudos acima referidos[4] são dos Espíritos Fénelon, teólogo francês desencarnado, e de Sanson,
ex-membro da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. No primeiro,
Fénelon enfatiza a essência divina do amor e sua presença como centelha na
intimidade de todos nós perceptível nas mais variadas formas de manifestação de
amor que somos capazes de dar, apesar de nossas imperfeições morais. Nessa perspectiva o benfeitor espiritual considera que os efeitos
sociológicos da vivência do amor seriam a renovação humana e a felicidade na
vida terrestre. Já, Sanson conceitua o amor, dando-nos material suficiente para
aprendermos que esse sentimento deve extrapolar as considerações metafísicas a
seu respeito e não se tornar mero adorno no âmbito das subjetividades. Afirma
Sanson:
Amar, no sentido profundo do termo, é o
homem ser leal, probo, consciencioso, para fazer aos outros o que queira que
estes lhe façam; é procurar em torno de si o sentido íntimo de todas as dores
que acabrunham seus irmãos, para suavizá-las; é considerar como sua a grande
família humana (...)
Vejamos que esse
conceito espírita do amor destaca valores como a lealdade, a probidade, a
consciência da responsabilidade para com a felicidade dos outros e está pautado
na regra áurea ensinada por Jesus. De fato, Sanson também apresenta a práxis do
amor no exercício da compaixão que implica em um entendimento da dor alheia
para que o indivíduo possa aliviá-la. Além disso, o benfeitor aponta a ideia do
amor universal ao propor que vejamos como nossa a grande família humana,
notadamente exortando-nos à fraternidade universal – saber necessário à
superação de preconceitos e sectarismos de qualquer monta. De que atualidade e
amplitude de aplicação não são esses valores?!
São valores
humanistas cuja fonte espiritual está, sem dúvida, embasada na espiritualidade
daquele jovem de Nazaré que marcou a história ensinando e exemplificando a sua
tríade do amor. Ademais, ele deixou como critério de verdade do amor a Deus o
amor ao próximo quando teria dito: "Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu
irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu?”[5] Religiosidade que não se materializa na vivência do amor ao próximo
consiste em jogo de aparências, a piedade fica teatralizada e a caridade acaba
por ser mero marketing pessoal.
A espiritualidade de
Jesus, tão esquecida no Natal comercial e materialista vigente em nossa
cultura, pode ser sintetizada na práxis do amor que deve se constituir em
vivência de cada um dos valores já destacados. Meditemos em torno deles e
façamos uma útil reflexão pós-Natal. Esse presente a gente merece!
[1]
Trecho do texto de minha autoria intitulado “Reflexão pós-natal”, acessível em:
http://saberesdoespirito.blogspot.com.br/2012/12/reflexao-pos-natal.html
[2]
Marcos 12: 30, 31.
[3]
O Evangelho segundo
o Espiritismo, Introdução, Objetivo desta obra.
[4]
O Evangelho segundo
o Espiritismo, Capítulo XI, itens 9 e 10.
[5]
I Jo 4:20.