domingo, 15 de dezembro de 2013

Companhias espirituais

caindo a tarde na serra gaúcha


Vinícius Lousada

No século em que o eminente Louis Pasteur revelava a ação de micro-organismos, invisíveis a olho nu, na produção da fermentação de certas substâncias ou na decomposição de organismos, Allan Kardec apontava as sondas do que fazer científico para outra realidade não percebida pelos sentidos ordinários.
 
Fez dos fenômenos – que eram mote de distração na alta sociedade parisiense e, ao mesmo tempo, promovidos pela onda do moderno espiritualismo nascido na América – um objeto científico, passível de ser observado por um controle metodológico exigente.

Arguto pesquisador, se lhe revela a chave de graves questões da humanidade: quem somos nós, de onde viemos e para onde vamos?. Suas conclusões partiram das narrativas dos habitantes do mundo invisível livres do corpo como pássaros que se destinam ao espaço abandonando suas gaiolas.
 
A primeira aprendizagem de Kardec como pesquisador foi a de que, sendo os Espíritos nada mais e nada menos que nós mesmos, apartados do corpo, cada qual apresentava saber e moral referente à sua condição evolutiva, não sendo, nenhum deles, dotado de saber universal.

Assim, jamais o Codificador colocou ingenuamente os Espíritos na condição de gurus absolutos, mas de coparticipantes de sua pesquisa sobre as leis que regem a vida espiritual. Eles eram apenas informadores ou instrutores, cada qual com a sua parcial contribuição, sempre disposta ao crivo da razão.

Em O Livro
 dos Espíritos, encontramos uma categorização dos Espíritos, segundo suas condições evolutivas, onde pesam o predomínio ou não da matéria e a sua propensão para o mal ou o bem. Essas categoriais mais gerais são divididas em Espíritos Inferiores, Bons Espíritos e Espíritos Superiores.

Ainda, segundo o Codificador, em a Revista Espírita, vamos perceber que sendo a Terra um mundo inferior, isto é, pouco adiantado, resulta que a imensa maioria dos Espíritos que a povoam, tanto no estado errante, quanto encarnados, deve compor-se de Espíritos imperfeitos, que fazem mais mal que bem. Daí a predominância do mal na Terra.
[1]

Mas é na constatação de nossas relações interexistenciais que está uma das grandes contribuições do Espiritismo em nossas vidas. Estamos mergulhados em diferentes níveis vibratórios e em constante interação com o mundo dos Espíritos, do qual o corpo relativamente nos resguarda. Por nossas faculdades espirituais, como a da transmissão e captação do pensamento, somos protagonistas da realidade espiritual.

Possuímos companhias desencarnadas que são definidas pela sintonia que estabelecemos, radicada em nossa natureza moral. Aliás, esse consiste num oportuno saber lecionado pelos Guias da Humanidade a fim de que não nos façamos, por ignorância, marionetes de outras inteligências já domiciliadas no mundo dos Espíritos, capazes de influir negativamente sobre as nossas escolhas.

Dentre as companhias espirituais de um indivíduo estão os Espíritos Familiares, simpáticos, cujos laços de afeto os interligam formando uma mesma família espiritual, os Espíritos afins aos propósitos e ocupações do encarnado (para sua felicidade ou não) e, por fim, o seu Espírito Protetor, o amorável Anjo da Guarda pertencente a uma ordem elevada
 [2] e responsável por tutelar o sujeito numa constante e crescente inserção no campo do bem, em prol de sua evolução consciente. Em alguns casos, o Anjo de Guarda, além de acompanhar o seu tutelado na erraticidade, pode guiá-lo em outras vidas.

Ninguém na Terra há que não possa contar desde o nascimento com a assistência de seu Benfeitor Espiritual – cujo compromisso é a educação mesmo de seu protegido. Os Espíritos Luminares resumem a missão do Anjo de Guarda como sendo a de “um pai com relação aos filhos; a de guiar o seu protegido pela senda do bem, auxiliá-lo com seus conselhos, consolá-lo nas suas aflições, levantar-lhe o ânimo nas provas da vida”.
[3]

Contudo, não podemos desconsiderar que o Anjo da Guarda pode estender a sua ação fraterna sobre outras almas não se restringindo apenas a um único tutelado; como também, pela hierarquia espiritual em que se encontra, dedicar-se a variadas tarefas enobrecidas, conforme suas características pessoais forjadas na historicidade de suas vivências.

Cônscios disso tudo, procuremos estabelecer pelas boas obras a sintonia com o nosso Amigo Espiritual, a fim de que, dignos de sua presença e receptivos aos seus nobres conselhos, sigamos felizes em nossos afazeres nesta vida.
 

Estudando Kardec       

“Aos que considerem impossível que Espíritos verdadeiramente elevados se consagrem a tarefa tão laboriosa e de todos os instantes, diremos que nós vos influenciamos as almas, estando embora muitos milhões de léguas distantes de vós. O espaço, para nós, nada é, e, não obstante viverem noutro mundo, os nossos Espíritos conservam suas ligações com os vossos. Gozamos de qualidades que não podeis compreender, mas ficai certos de que Deus não nos impôs tarefa superior às nossas forças e de que não vos deixou sós na Terra, sem amigos e sem amparo. Cada anjo de guarda tem o seu protegido, pelo qual vela, como o pai pelo filho. Alegra-se, quando o vê no bom caminho; sofre, quando ele lhe despreza os conselhos.”[4] 




[1] Revista Espírita, dezembro de 1862 - Estudos sobre os possessos de Morzine –Causas da obsessão e meios de combatê-la.

[2] O Livro dos Espíritos, questão 490.

[3] O Livro dos Espíritos, questão 491.

[4] O Livro dos Espíritos, questão 495.