Larissa Camacho
Carvalho[1]
Vinícius Lima Lousada[2]
A construção social da família
Ao longo dos anos em que a
humanidade aperfeiçoou-se, no processo de evolução ditado pela Lei Divina do
Progresso, a constituição da família foi umas das mais significativas
instituições formadas pelos homens. Inicialmente, quando mulheres e homens da
era paleolítica agrupavam-se em bandos garantindo sua defesa pessoal e,
respeitando a Lei de Preservação, multiplicavam-se através da procriação, pouco
raciocinavam sobre suas ligações com os indivíduos do grupo. A união era útil,
respeitava as Leis Divinas, o instinto de sobrevivência, sem, no entanto,
centrar-se nos sentimentos elevados da abnegação, da fraternidade, da caridade,
do amor ao próximo.
O desenvolvimento da inteligência no
homem, aliado ao das instituições por ele formadas criaram a necessidade de
instituírem-se laços diferenciados entre os indivíduos e as uniões responsáveis
pela procriação ganharam um estatuto distinto. Este estatuto não foi somente
direcionado para o casal que procriava, mas estendia-se a todos os descendentes
deste par, reunidos todos na mesma casa matriarcal ou patriarcal, dependendo da
cultura que foi sendo construída em cada sociedade.
Esses laços diferenciados exigiam,
como compromisso dos indivíduos que constituíam esses pequenos núcleos,
reciprocidade em todos os aspetos da vida, lealdade, protecionismo, cuidado,
defesa, deferência e como consequência do progresso moral inevitável,
sentimentos mais elevados de cuidado, carinho, amor. Este último
desenvolvendo-se, intensivamente, entre os sujeitos com papéis de mães e
filhos, depois, também, entre pais e filhos, irmãos, o casal e assim por
diante.
No entanto, durante muito tempo
assistimos essa instituição ser manipulada por indivíduos, com grande progresso
intelectual, mas pouquíssimo desenvolvimento moral e espiritual, como moeda de
troca, de barganha de cargos sociais ou títulos nobiliárquico por dinheiro ou
riquezas torpes de todo tipo, desconsiderando, esses espíritos adoecidos e
adormecidos das Leis Divinas, os sentimentos elevados já conquistados pelos
homens com a contribuição dessa nobre e inspirada construção social.
Nomeamos essa instituição de família,
que antes de ser uma construção social, faz parte do plano de Deus para que as
criaturas na Terra tenham um auxílio valioso em seu inevitável progresso moral.
Na questão 775 d'O Livro dos Espíritos, Kardec –
conhecendo a ignorância humana e percebendo que a família, na Terra, embora com
enorme potencial edificador, passou e ainda passa por abalos que desestabilizam
sua redentora missão – questiona aos benfeitores espirituais “qual seria, para
a sociedade, o resultado do relaxamento dos laços de família”, ao que os
espíritos respondem que seria “uma recrudescência do egoísmo”. De vital
importância essa questão, pois considerando que o egoísmo é a chaga da nossa
sociedade, conforme questão 913 do mesmo O
Livro dos Espíritos, nossa ferida aberta enquanto grupo social, se o
relaxamento dos laços de família intensificará o egoísmo na Terra isto
significa, em contrapartida, que para desenvolvermos o altruísmo, o amor, os sentimentos
nobilitantes que nos conduzirão ao progresso moral anelado, temos que
fortificar os laços de família na nossa sociedade.
A resposta dos espíritos também
esclarece que a instituição família é o bendito instrumento de Deus para que
possamos vencer o causador de todas as desditas humanas que é o egoísmo que
nutrimos e que nos afasta das bençãos Divinas ao nos alijar dos sentimentos de
fraternidade, solidariedade, altruísmo e amor que somente a convivência com o
próximo pode nos oferecer.
Na família aprendemos a compartilhar
com abnegação, porque nutrimos afeto por aqueles que compartilham nosso
dia-a-dia, aprendemos a compreender o outro, porque conhecemos suas lutas
passadas e presentes, sabemos seus sonhos de futuro, felicitamo-nos com suas
conquistas e enternecemo-nos com seus incentivos para com nossas lutas. Na
família aprendemos a repartir, dividir, mas também multiplicar sonhos,
participar da felicidade alheia, fruir da companhia doce de quem amamos e com
quem vamos intensificando esse sentimento Divino do Amor. É na família que
vamos construir as bases do Amor Universal que nos lembra Jesus quando diz que
um dia seremos um só rebanho e haverá um só Pastor.
Mas a convivência em família não é
algo que possamos adjetivar de fácil. Há muitos percalços, muitas
dificuldades, muitos desentendimentos e muito a transformar em nós mesmos para
conseguirmos manter relações saudáveis em família. Deparamo-nos, no lar, com
parentes muito diferentes de nós. Se somos organizados, por vezes defrontamos
um irmão desleixado que não organiza seu próprio espaço íntimo. Convivemos com
uma mãe super-protetora, com um pai controlador. Mas o amor nos faz aprender a
conviver bem com cada personalidade que comunga do nosso mesmo lar.
Assim é que aprendemos a conviver,
por exemplo, com um colega do escritório que é tão desorganizado quanto nosso
irmão, ou com o chefe que é controlador a maneira de nosso pai e assim por
diante. Enfim, todos os desafios da vida familiar são eminentemente educativos
ao Espírito imortal, vocacionado ao progresso cuja a convivência na
micro-sociedade que é a família contribui sobremaneira, em todas as funções que
venha a ocupar o indivíduo, seja como pai, mãe, filho, tia, avô, etc. Todas
essas funções na unidade familiar trazem consigo aprendizagens muito
significativas ao nosso amadurecimento espiritual e nos cabe vivê-las com
sabedoria, ou seja, aproveitando cada lição que tenhamos a oportunidade de
vivenciar
O Amor em Família engendra o Amor
Universal. O Amor em Família vai aniquilando a carga egoística da nossa
sociedade. O Amor em Família contribui, poderosamente, para o progresso
individual e para o progresso de toda a humanidade. Assim é que necessitamos
empenharmo-nos em defender a instituição familiar nos tempos que se apresentam
ao nosso trabalho, pois que se ela configura-se construída socialmente, com
certeza o plano inspirador pertence ao Pai Maior que pede nosso auxílio para
protegê-la, santificá-la e concretizar seu objetivo superior: a instauração do
Amor Universal entre os Homens.
Vida conjugal
Lembra-nos o Benfeitor Espiritual
Camilo[3]
que todos trazemos necessidades educativas para esse mundo e carecemos, no campo
das vivências afetivas, de uma complementação
psíquica e emocional que nos impulsiona na busca do encontro de uma alma
cuja afinidade espiritual favoreça essa permuta de energias e nos preencha essa
lacuna psíquica. Não se trata do mito das “metades eternas” desmitificado por
Allan Kardec sem equívoco e, nem tampouco, da tese romântica das almas gêmeas.
Simplesmente, somos seres transcendentes
portadores de uma porção de aprendizados indispensáveis ao nosso paulatino
progresso espiritual. Na multidão de Espíritos reencarnados na Terra, são
vários os que são portadores de uma configuração de aprendizados comuns que
lhes são oportunos, bem como, com uma certa identidade no que se refere à
trajetória espiritual e desenvolvimento moral e intelectual, nas suas mais
diversas gradações e pelas leis da sintonia, nos encontramos nos caminhos
terrestres e, a partir do sentimento de simpatia recíproca desperta-se à
comunhão afetiva, ou ainda, pela afinidade dos próprios limites espirituais,
vamos ver uniões nascerem entre seres que se fazem instrumento de progresso
doloroso ou tropeço, um do outro, em simbioses psíquicas perturbadoras.
Noutros casos, que não podemos
ignorar, percebemos almas irmanadas nos propósitos de renovação e amor
reencontrarem-se na Terra, tendo em vista a realização dos ideais enobrecidos
no campo do amor, do casamento e da família, e esses casos não são tão raros
como, de forma pessimista, muita gente imagina. Esses realizam muito bem o que
recomenda o Espírito Bernard Palissy, conforme a anotação kardeciana em a
Revista Espírita: “Uni-vos, pois, não apenas pelo amor, mas para o bem que
podeis fazer a dois.”[4]
Cabe ao casal, nesse caso, cumprir
com dedicação o programa reencarnatório estabelecido na vida espírita, antes do
renascimento, junto de seus Guias Espirituais, objetivando a concretização da
tarefa delineada para a sua espiritualização e para o seu contributo, por menor
que se faça, ao progresso da família humana.
Tendo em vista orientar os cônjuges
para o êxito da vida conjugal, ao analisar os ângulos espirituais da família, o
Espírito Camilo declara que “O essencial
que os indivíduos que se lançam na formação de uma nova família, assumissem
compromisso de com o conhecimento de si mesmos.” [5]
O conhecimento de si mesmo que cada
indivíduo deve cultivar, para que jamais transfira ao outro a responsabilidade
de suas andanças e o respeito ao projeto de auto-realização do outro, a fim de
que o casamento não se institua numa relação asfixiante da outra alma ou numa
masmorra de desamor.
O autoconhecimento é recurso
sobejamente conhecido pelos espiritistas, entretanto, para que atenda o seu
desiderato feliz é fundamental que o apliquemos cotidianamente, tal como
recomenda Santo Agostinho em O Livro dos
Espírito, fazendo um balanço problematizador de nosso cotidiano,
verificando as aprendizagens conquistadas e as experiências equivocadas que
merecem correção de rumo, em função de querermos jornadear conscientemente num
rumo crescente para Deus.
Quando não exercitamos o
autoconhecimento, podemos deixar-nos subjugar pelo ego e seus mecanismos de fuga.
Segundo Novaes[6] o
ego é “a representação do Espírito no mundo externo. Ele é, de um lado, a
síntese momentânea da personalidade integral, do outro, uma função que permite
a ligação da consciência com os conteúdos conscientes.” Enfim, no delineamento
da psique elaborado por Jung, o ego tem um lugar central no consciente, nada
obstante, a sua incompletude ante o ser integral, ocupa-se da questão da
manutenção da identidade do indivíduo, de sua personalidade atual e de mediação
entre o campo da consciência e inconsciente, devendo obedecer a regulação do eu
profundo.
Entre os mecanismos de fuga do ego, o
eminente psiquiatra Alírio de Cerqueira Filho, destaca o de projeção. Nesse
caso, é comum que o indivíduo ainda não identificado mais profundamente consigo
mesmo passe a querer responsabilizar os outros em relação aos seus insucessos e
frustrações. Nesse caso, diz-nos que “A única forma de se libertar da projeção
é interromper esse mecanismo de transferência, aceitando os seus defeitos e
responsabilizando-se pelos seus erros e acertos e, com isso, tornar-se uma
pessoa melhor.”[7]
Vejamos que para a saúde espiritual
da relação conjugal, tanto quanto, para a dos cônjuges, como individualidades
extracorpóreas conectados ao corpo físico pelos mecanismos da reencarnação e
vocacionados à plenitude, é indispensável o exercício continuado do
autoconhecimento para que, superando-se os ditames do ego infantil, a autorealização
promova o bem-estar e o autoamor que deságua no amor ao outro, com serenidade e
contentamento, na convivência conjugal.
O casamento se fundamenta no amor
dos seres que se unem que, para ser amor, não pode ser edificado na anulação da
identidade do outro e nem na perseguição egotista de uma felicidade aparente,
calcada fruição de conquistas individualistas sem consideração para com a
partilha da existência com o outro. Precisamos encontrar convergência nos
projetos pessoais e parceria na edificação positiva do lar cujos pilares são os
Espíritos que o formam ligados pelo mais genuíno amor.
O amor no lar, novamente
A relação conjugal estabelecida no
autoconhecimento gera o respeito profundo ao outro que se estende, quando
chegarem, aos filhos. É na exemplificação do entendimento dos próprios limites
que alguém consegue desenvolver a indulgência com as alheias imperfeições e no
autoperdão que aprendemos a arte de perdoar nossos seres queridos.
De forma equilibrada, quem ama a si
mesmo, que não é a mesma coisa que egolatria, aprende a amar o outro e o seu
livre-arbítrio, sem aquele ímpeto de domínio da vontade alheia, comum a
Espíritos de mentalidade estreita e apóia, sem medo, os projetos edificantes
elegidos pela alma com a qual está a partilhar essa vida.
Na lealdade, probidade e consciência
plena das responsabilidades sedimenta-se o amor familiar que irá acolher seus
hóspedes, os filhos de Deus que temporariamente recebe por rebentos seus cuja
missão é fazê-los exitosos sobre si mesmos, ante as suas programáticas
espirituais. Adentrando o lar o amor ilumina a todos, instituindo um clima de
respeito profundo, boa vontade e presença positiva nas lutas comuns.
O amor em casa, tal como o
preconizado por Jesus de Nazaré, é o que dá rumo seguro à família como
educandário sublime cujo altruísmo é a lição fundamental. O amor é o caminho do
êxito da instituição familiar, jamais ultrapassada, constituindo-se, inclusive,
na terapêutica mais excelente para a solução de intrincados conflitos, oriundos
da incompreensão de hoje ou dos desenganos morais perpetrados no passado e
condicionante de nossas ações na atualidade, pedindo a educação pessoal para o
bem de todos os partícipes do campo doméstico.
Para pensar:
“A união e a afeição que existem
entre pessoas parentes são um índice da simpatia anterior que as aproximou. Daí
vem que, falando-se de alguém cujo caráter, gostos e pendores nenhuma
semelhança apresentam com os dos seus parentes mais próximos, se costuma dizer
que ela não é da família. Dizendo-se isso, enuncia-se uma verdade mais profunda
do que se supõe. Deus permite que, nas famílias, ocorram essas encarnações de
Espíritos antipáticos ou estranhos, com o duplo objetivo de servir de prova
para uns e, para outros, de meio de progresso.”[8]
[1] Historiadora,
Doutora em Educação. E-mail: camachocarvalho@yahoo.com.br.
[2] Professor, Doutor em Educação. E-mail: vlousada@gmail.com.
[3] TEIXEIRA, J. Raul. Desafios da Vida Familiar. Pelo
Espírito Camilo. 2.ed. Niterói, RJ: Fráter Livros Espíritas, 2003, p. 46.
[4] KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. Ano Primeiro – 1858. Rio
de Janeiro, RJ: FEB, 2004, p. 513.
[5] TEIXEIRA, J. Raul. Nos passos da vida terrestre. Pelo
Espírito Camilo. Niterói, RJ: Fráter Livros Espíritas, 2005, p.
[6] NOVAES, Adenauer. Psicologia do Espírito. 2. Ed. Salvador:
Fundação Lar Harmonia, 2003, p. 99.
[7] CERQUEIRA FILHO,
Alírio de. Saúde espiritual. Santo
André, SP: Editora Bezerra de Menezes, 2005, p. 75-76.
[8] KARDEC, Allan. O evangelho
segundo o espiritismo. 120. Ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 2002, p. 108.