quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Na vereda da mediunidade



Vinícius Lousada


A mediunidade, assim, corresponde a bendito instrumento para a felicidade e para a redenção e não motivo de sofrimento e aflição no mundo.- Camilo



Perpassando as páginas fulgurantes de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, é possível colher a sábia orientação de Allan Kardec quando destaca que a “mediunidade é coisa santa, que deve ser praticada santamente, religiosamente.” (1)

Verifica-se nesta proposta do Codificador que a prática da mediunidade deve ser realizada de forma desinteressada, em virtude de sua santa finalidade de educar as criaturas dos dois âmbitos da vida, despertando desencarnados e encarnados à consciência de sua própria imortalidade e à responsabilidade dela advinda.

A experiência mediúnica séria consiste numa sala de aula interexistencial em que, como partícipes, ensinamos e aprendemos ao ouvirmos os dramas daqueles que se desnortearam nos rumos que deram às suas vidas.

Ocorrem também produtivas trocas de informações naquelas proveitosas tertúlias em nossas sociedades espíritas, nas quais dedicamo-nos à orientação dos libertos do escafrando corporal, contribuindo assim para a mudança de hábitos daqueles que são aconselhados e dos que nos fazemos esclarecedores; sem, contudo, nos descuidarmos das justas orientações de nossos Benfeitores Espirituais para com a nossa tarefa auto-educativa.

A vivência da mediunidade equilibrada, eivada de espírito de renúncia, educará o médium que, na sua condição de intérprete dos Espíritos, realiza a filtragem dos conteúdos que veicula, como agente transmissor do recado do além, oportunizando-se amplo aprendizado, no que tange aos postulados espíritas, às Leis da Vida e à ação amorosa da Providência Divina em prol da realização plena dos filhos de Deus.

Ao experimentar como co-partícipe a comunicação espiritual, se atento à sua educação, muito embora busque um estado de passividade mental para a boa consecução do fenômeno medianímico, o médium será capaz de meditar mais tarde a respeito dos registros que foram feitos, sobre o porquê dos complexos pugilatos morais e estertores que enfrentam os Espíritos sofredores, sua relação com as atitudes impensadas que tomaram, com base em seu próprio livre-arbítrio, justificando-se nas mais variadas razões, sem contudo observarem a Lei de Amor.

O servidor da mediunidade notará que tudo ocorre dentro das normas divinas, por conta do Código Penal da Vida Futura(2), de forma que, se Deus jamais deserda seus filhos, nunca anui com o erro, como o fariam os mais prestimosos educadores terrestres, concedendo aos que agem no mal, oportunidade de, ao se arrependerem, expiarem suas faltas e repararem, mediante a realização da caridade, seus erros.

Por outro aspecto, verificamos que os Bons Espíritos não se cansam de apontar o caminho do bem como único roteiro capaz de divisar-nos um estado de felicidade na vida futura e destacar o egoísmo como a raiz de todos os males(3), como é possível apreender no estudo da Codificação Kardequiana.

É nesse circuito do exercício de doação da aparelhagem orgânica e de recursos fluídicos, num autêntico serviço de enfermagem espiritual, que o medianeiro tem farto material de estudo prático a ser cruzado com a bagagem teórica – estabelecida previamente e de aprimoramento contínuo –, convidando-o incessantemente a encetar esforços na conquista dos tesouros que os ladrões não furtam e nem as traças e a ferrugem podem corroer (4), mesmo que as dificuldades assomem à sua volta, por querer ser ético, honesto e justo num mundo ainda demarcado pelo utilitarismo.

Provavelmente sentirá, na vereda da mediunidade, a palavra do Rabi Galileu ordenando-lhe ao coração, como o fez com Lázaro: Acorda Lázaro! “Vem para fora!”(5) Dizendo-lhe também: Desperta médium! Serve! A caridade aguarda tua cota de participação a fim de diminuir a dor e o abandono no planeta!

Despertando assim, para os compromissos iluminativos da mediunidade com Jesus, surgirá na pauta de seus estudos, se almejar ser médium responsável, O Livro dos Médiuns, que se configura, na atualidade, como o maior e mais lúcido tratado que norteia e aprofunda a experimentação das faculdades espirituais da criatura humana, exaltando o devotamento e o desinteresse pessoal com o qual esse campo do Espiritismo deve ser pesquisado e vivenciado.

Allan Kardec, sob a orientação do Espírito da Verdade, apresenta para o edifício da Religião dos Espíritos esse guia dos médiuns e evocadores, naquele ambiente de primeiras horas do Espiritismo, em que o racionalismo materialista impunha aos médiuns o estigma de desordens mentais e que o absolutismo clerical, que teimava em dominar vidas, erguia a chibata do escárnio para desfigurar o verdadeiro caráter da mediunidade, conferindo-lhe origem demoníaca.

“O Livro dos Médiuns” deixa-nos um vasto espaço para a reflexão do que venha a ser a tarefa mediúnica aliada aos serviços de transformação na Terra, sob a direção de Jesus.

E é nesse Guia Prático que Kardec vai reiterar a missão do espírita no mundo, alertando aos medianeiros de boa-vontade esclarecida que: “O verdadeiro espírita não deixará jamais o bem por fazer; corações aflitos a aliviar, consolações a dar, desesperos a acalmar, reformas morais a operar, aí está sua missão; nisso também encontrará sua verdadeira satisfação.”(6)

Cabe-nos, então, a tarefa de estender o bem onde possamos, o quanto possamos, sempre que possamos, apresentando ao mundo – através de nossa conduta – que o médium estudioso do Espiritismo não é uma figura esquisita, caricata, cheia de chiliques ou mistérios, disfarçando seus recalques ou bengalas psicológicas num ar de ser privilegiado.

O médium espírita nem pode ser confundido com aqueles que comercializam a fé, porque labora em regime de voluntariado e considera imoral qualquer benefício recebido em virtude do exercício mediúnico.

Todo aquele que se dispuser a servir na mediunidade, sob a ingente orientação do Espiritismo, carece de se educar para viver espiritualmente no corpo, lutando por vencer as más inclinações, conduzindo-se moralmente segundo a luz da fé raciocinada que possui, experimentando o altruísmo para, finalmente, caminhar com Cristo na senda de nossa própria libertação.
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(1) O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. XXVI, item 10.
(2) O Céu e o Inferno, Livro I, 1ª Parte, Cap. VII.
(3) O Livro dos Espíritos, questão 913.
(4) Mateus  6:19.

(5) João 11:43.
(6) O Livro dos Médiuns, item 30.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O Livro dos Médiuns em seus 150 anos



Vinícius Lousada (1) 

Na atualidade, não há compêndio de Espiritismo experimental mais oportuno que O Livro dos Médiuns ou Guia dos médiuns e dos evocadores de autoria do mestre Allan Kardec. Vindo a lume nos dias iniciais de janeiro de 1861 e editado pelo Sr. Didier essa obra, segundo o Codificador (2), consistia no complemento de O Livro dos Espíritos, com o seu caráter científico. Mais tarde, Kardec vai considerá-la no rol das obras fundamentais do Espiritismo.

Ao seu tempo, podia ser adquirida na Livraria do Sr. Didier, tanto quanto, no escritório da Revista Espírita na passagem Saint-Anne, em Paris, em grande volume in-18, de 500 páginas. Em poucos meses do mesmo ano o livro teve uma segunda edição, com nova formatação e inteiramente revisada pelos Espíritos com numerosas observações valorosas de sua lavra, de tal forma que as palavras de Kardec manifestam que a obra era tanto deles quanto de seu autor (3).

Fico a imaginar a emoção, em 1861, de médiuns e dirigentes de grupos espíritas sérios ao encontrarem na produção kardequiana orientação segura para o desenvolvimento e direcionamento feliz da mediunidade, a serviço de uma compreensão mais profunda do mundo invisível porque iluminada pelos saberes produzidos na colaboração interexistencial entre o mestre lionês e os Espíritos Superiores, por sua vez, comandados pelo Espírito de Verdade.

Um guia seguro para lidar com a mediunidade

Não se trata somente de mais um livro, é uma obra indispensável no campo de estudos e meditações em torno da mediunidade para que o seu exercício se torne serviço ao semelhante, seja pela constatação veraz da imortalidade da alma e a identificação de nossa natureza espiritual, seja pelo diálogo criativo e moralizante com os sempre vivos, e ainda, pelo esclarecimento que se pode dar aos sofredores desencarnados, cuja infelicidade a que se atrelaram aguarda a terapêutica do Evangelho de Jesus no verbo fraterno dos reencarnados, sob os auspícios dos Benfeitores Espirituais.

Esse trabalho levado a bom termo por Allan Kardec é resultado de uma longa pesquisa experimental com Espíritos e médiuns, onde o cientista, aos estabelecer um método de experimentação em consonância com o objeto pesquisado – o mundo dos Espíritos e a filosofia ensinada pelos Imortais –, considera seus informadores espirituais não como reveladores pré-destinados, mas, como parceiros de estudos, cada qual contribuindo relativamente em seu patamar evolutivo.

Em O Livro dos Médiuns o Codificador exitosamente esclarece tudo que era referente às manifestações espíritas físicas e intelectuais, em seu contexto histórico, de acordo com os Espíritos Superiores a fim de desenvolver uma teoria espírita explicativa dos fenômenos, os mais variados, produzidos pelos habitantes do Mais Além; como também, das condições de sua reprodução e controle metodológico.

No anúncio que faz da obra na Revue Spirite, destaca que “sobretudo a matéria relativa ao desenvolvimento e ao exercício da mediunidade mereceu de nossa parte uma atenção toda especial.” (4)

Desse modo, já nessa consideração do autor somos convidados a levar em conta que, sobretudo os espíritas, podemos recolher em seu conteúdo um norte para o desenvolvimento seguro da mediunidade (no sentido kardequiano é um processo educativo do médium), e para o uso saudável dessa pré-disposição orgânica, natural e radicada no Espírito em sua capacidade comunicativa, quando manifesta de forma ostensiva.

O leitor estudioso dessa obra nela encontra condições de compreender a fenomenologia que cerca a mediunidade que possa ser portador, os recursos teóricos para lidar com sucesso na vereda da convivência lúcida com os Espíritos e para o enfrentamento adequado de seus desafios e obstáculos que, ao serem encarados sem o devido conhecimento, geram decepções e tristes resultados como a obsessão ou o uso imoral da mediunidade.

Por outro lado, na formação do dirigente e/ou do “doutrinador” (evocador, como Kardec designava o responsável por dialogar com os Espíritos nas reuniões espíritas) a obra é igualmente de sumo valor para que levemos com retidão os diálogos sempre instrutivos que se pode obter com os desencarnados, sendo possível apresentar-lhes questões em prol do esclarecimento moral e intelectual de todos nós, para o que nos orienta Kardec (5).

Enfim, o espiritista convicto encontra nesse livro subsídio para entender melhor o Espiritismo, em sua complexidade, na medida em que a obra revela aspectos essenciais do caráter experimental da Doutrina dos Espíritos, não raramente desconsiderados.

Em prol da Moral e da Filosofia Espírita

Com o advento de O Livro dos Espíritos o Espiritismo abandonava seu período de curiosidade, caracterizado pela especulação nem sempre séria, em nível de entretimento em que eram colocados os fenômenos espíritas por muita gente, na Europa do século XIX, e adentrava seu período de observação ou filosófico no qual “O Espiritismo é aprofundado e se depura, tendendo à unidade de doutrina e constituindo-se em Ciência.” (6)

Kardec via o Espiritismo como uma Ciência Moral (7) e, ao escrever O Livro dos Médiuns, deixa um legado inolvidável e previa de antemão as críticas ciumentas ou personalistas que queriam fazer valer sistemas particulares para a condução das lides mediúnicas, ou ainda, na explicação exclusivista destas, sem a chancela do ensino coletivo dos Espíritos.

Ainda, o cientista do invisível dá uma razão de ser grave à fenomenologia mediúnica para que se recolha com os Espíritos ensinamentos sérios e úteis à nossa felicidade na vida espiritual, evitando-se o desvio do fim providencial da mediunidade nas práticas espíritas.

Respondendo aos seus críticos que talvez supusessem desnecessária a severidade de princípios e conselho obtidos nessa obra, sem querer fundar escola, mas, propagar o direcionamento dado pelos Espíritos Superiores à mediunidade no Espiritismo, Kardec coloca na fachada principal dessa proposta o seu caráter moral e filosófico, sobretudo, em prol dos que se percebem necessitados das esperanças e consolações que podem haurir na Doutrina e nos resultados da atividade mediúnica sob a orientação maior de Jesus.

Nesse ano de comemorações do sesquicentenário de O Livro dos Médiuns procuremos estudar com profunda gratidão, no plano individual e coletivo, esse livro essencial no campo da mediunidade com Jesus e Kardec.

Estudando Kardec

“Nós mesmos pudemos constatar, em nossas excursões, a influência salutar que esta obra exerceu sobre a direção dos estudos espíritas práticos; assim, as decepções e mistificações são muito menos numerosas do que outrora, porque ela ensinou os meios de frustrar as artimanhas dos Espíritos enganadores.” (8)
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(1) Pedagogo, palestrante e escritor espírita. E-mail: vlousada@hotmail.com.
(2) KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. Ano IV. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006, pág. 22.
(3) Idem, pág. 518.
(4) Idem.
(5) KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. 71. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2003, Cap. XXVI.
(6) KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. Ano I. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2005, pág. 369.
(7) LOUSADA, Vinícius. Em busca da sabedoria. Porto Alegre: Editora Francisco Spinelli, 2010, p. 104.
(8) KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. Ano IV. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006, pág. 517.

http://www.oconsolador.com.br/ano4/193/especial.html