sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A Regra Universal


Jesus, o Mestre de todos nós, esteve conosco há mais de dois mil anos apresentando uma doutrina radicalmente fundamentada no amor incondicional ao próximo. Em suas atitudes, tão eloqüentes quanto as suas palavras, o meigo Rabi elevou aos olhos daquela sociedade sectária a condição dos pobres, dos oprimidos, dos estigmatizados culturalmente, da mulher, do diferente, enfim.

Tanto que colocou como símbolo da máxima compaixão a figura do samaritano que, ao contrário dos sacerdotes do templo, conforme a parábola, ao invés de se omitir ante o sofrimento do viajante, deixou-se tocar pelo sofrimento alheio, sensibilizando-se e trabalhando por lhe restituir o equilíbrio, fazendo o seu melhor pelo próximo.

Pedagogo insuperável trazia em sua prática educativa junto ao povo simples estórias oriundas do cotidiano, comparações que encerravam ensinamentos profundos somente compreensíveis àquelas almas dispostas a aprender como uma criança curiosa e aberta à boa notícia de alegria.


Os que têm ouvidos de ouvir e olhos de ver, em todas as épocas da História da humanidade, seguem seus passos amando e servindo, trabalhando e crescendo no bem, inspirados em seus exemplos de sabedoria e caridade.

Cristo ampliou a compreensão da família. Quando buscado pelos seus – achavam que Ele estava fora do juízo –, afirmou serem de sua família aqueles que faziam a vontade do Pai, permitindo-nos inferir que Ele concebia todos os homens e as mulheres como seus irmãos e irmãs; pois nada e ninguém na Terra escapa ao influxo da Vontade Divina que se manifesta em tudo e todos mediante suas leis.

O Nazareno foi, em sua encarnação, a presença constante do amor na vida daqueles que com Ele conviveram, fizeram contato ou ouviram, tocando a todos nas fibras íntimas da alma por causa de sua amorosidade infinita.

Foi o Mestre que nos legou uma máxima que deveria ser reconsiderada e meditada por todo aquele que se identifica com o ideal de uma vida nobre e de um mundo melhor: fazer aos outros o que queremos que estes nos façam.

Essa máxima não é apenas um aforismo que pode nos emocionar, parece-me mesmo uma necessidade ética a sua observação, sobretudo se considerarmos os danos que estão sendo produzidos pelos seres humanos na vida uns dos outros e da Natureza em função da falta de contenção.

A ausência da prática da contenção tem demarcado a ocorrência de atitudes as mais violentas. E, por causa isso, estamos dando vazão excessiva à nossa sombra interior, ou seja, aos pensamentos e condicionamentos inferiores que nos vinculam à fera que fomos no passado distante.

A máxima lecionada por Jesus é o princípio supremo da ética cristã que, por sua vez, é igualmente apontada pela Doutrina Espírita como fundamental à felicidade da criatura, convocando todos que se acercam dos seus saberes à sua vivência cotidiana.

Pensar em fazer ao outro o que eu gostaria que o outro me fizesse consiste num exercício reflexivo que pode reorientar saudavelmente o meu agir perante o outro.

Ao me perguntar sobre isso, sou levado automaticamente a considerar a felicidade do outro como um projeto paralelo e tão válido como o meu projeto pessoal de felicidade.


Dessa forma, passo a ter por critério ético de minhas atitudes as conseqüências do meu agir na felicidade alheia. Esse critério conduz-me à necessidade da contenção, para não perturbar a vida do próximo, e à dúvida quanto a validade das minhas próprias intenções.

Tudo isso provoca o hábito da análise ética do meu modo de estar no mundo e que me revela algo muito simples: somente quando a minha motivação é o bem, meus atos poderão ser bons e as suas conseqüências também.

Aliás, parece que todo o indivíduo com perfeita saúde mental deseja o bem a si próprio, não acha? Então, ao reorientar meu jeito de agir pelo modo como desejaria que outrem agisse para comigo, naturalmente vou focar a minha atenção no bem o qual gostaria que fosse-me endereçado.

Ao concentrar a mente no bem estou cultivando virtude, materializando-a nas ações concretizadas ao longo do tempo e na felicidade que provoco na jornada existencial do outro.

Como somos o que pensamos, mergulhar a mente no bem, juntamente com atitudes concernentes, torna-nos, pouco a pouco, melhores, mais éticos e felizes.

Querer bem aos outros conecta-nos ao amor que transpira no universo, cria uma disposição interna que se manifesta em nossa psicosfera. Passamos a sintonizar com o bem e atraímos a presença dos que vibram nesse sentido.

Pensando no bem, fazemos escolhas eticamente mais corretas e construímos possibilidades cada vez maiores de felicidade e paz nas circunstâncias que se desdobram em nossa vida terrestre.

A observação da regra universal postulada por Jesus de Nazaré é o segredo da plenitude íntima, da felicidade nos inter-relacionamentos e provável fator desencadeador de acontecimentos enriquecedores para o Espírito imortal.


PARA PENSAR:

“A moral dos Espíritos superiores se resume, como a do Cristo, nesta máxima evangélica: Fazer aos outros o que quereríamos que os outros nos fizessem, isto é, fazer o bem e não o mal. Neste princípio encontra o homem uma regra universal de conduta, mesmo para as suas menores ações.”.[2]

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[1] Pedagogo, colaborador da União Espírita Bageense. E-mail:vlousada@hotmail.com.

[2]O Livro dos Espíritos, introdução, item VI.

domingo, 21 de novembro de 2010

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Campos de ação da mente alerta



“É a consciência de si mesmo que constitui o principal atributo do Espírito.” (1)


O monge zen-budista e pacifista Thich Nhat Hanh(2) recorda, num de seus livros, um diálogo de Buda com um interlocutor que lhe indagou sobre o que ele e seus discípulos faziam, talvez esperando saber se realizavam algo fora do normal.

Buda teria respondido o seguinte: “Nós nos sentamos, nós andamos, nós comemos.” Ao que o inquiridor redargüiu em seguida, um tanto desapontado: “Mas senhor, qualquer um senta, anda e come.”

E o ex-príncipe Sidartta fecha o diálogo com um ensinamento: “Quando sentamos, sabemos que estamos sentados. Quando andamos, sabemos que estamos andando. Quando comemos, sabemos que estamos comendo.”

Essa passagem demonstra o significado da mente alerta, ou seja, trata-se de um estado de espírito em que temos consciência plena do que estamos fazendo no momento atual.

Em função das correrias da vida moderna, muitas das nossas atividades rotineiras são realizadas por automatismos, estamos tão ocupados em ganhar dinheiro que é de se perguntar se estamos realmente vivendo.

Acordamos pela manhã, fazemos a higiene, vestimo-nos, alimentamo-nos e saímos. Muitas vezes sequer sentimos o prazer de despreguiçar, a água do banho correr por nosso corpo, o cheirinho da roupa limpa que vestimos ou o sabor do que comemos no café da manhã. Daí muita gente nem lembrar do que comeu ou vestiu ontem. Agimos como autômatos.

E nas relações pessoais? Não raramente falamos alguns monossílabos, estamos sempre com pressa, mas não sentimos a presença do outro ao nosso lado. Desatentos, ouvimos sua fala sem absorver o significado, sentimentos expressos, o estado de espírito de quem nos dirige a palavra.

Nos percursos de automóvel, ou a pé mesmo, tememos assaltos, atrasos ou imprevistos e, por isso, poucas vezes, observamos os painéis humanos e naturais à nossa volta. O vento a acariciar nosso cabelo, o calor vivificante ou o friozinho que nos pede certa quietude.

Produzimos, geramos bens, recursos e consumimos sem “saborearmos” a vida e as suas bênçãos. Vemo-nos como uma peça desplugada do universo, da Natureza e das pessoas. Esquecemos de viver e compartilhar a vida com os que nos cercam através de diálogos e vivências criativas e enriquecedoras.

Praticar a mente alerta consiste numa atitude de acordar a alma para o aqui e o agora tendo sempre em pauta o momento atual como o mais maravilhoso e a presença do outro como uma jóia divina. É viver sabendo que se está vivo.

Focada num objeto de análise - sem julgamento, culpa ou discriminação - a mente alerta permite ao indivíduo perceber atentamente o estado geral da sua mente e do seu coração, ou seja, que formações mentais habitam seus pensamentos, quais sentimentos vêm sendo nutridos diariamente ou emoções às quais está habituando.

Da mesma forma, a prática da mente alerta dá ensejo à identificação dos conteúdos que formam a natureza moral do sujeito, muitas vezes materializados em atitudes, além de escutar os fenômenos que o corpo experimenta neste exato instante.

Ao observar a natureza das idéias que fazem a sua cabeça, aquele que pratica a mente alerta é capaz de discernir a respeito de quais vale a pena cultivar, tendo em vista a sua essência espiritual e o seu propósito, afastando do “jardim” da mente o que for de conteúdo negativo.

Quando são rastreados sentimentos venenosos como a raiva, o ciúme, a inveja ou apego, o Espírito deve reconhecê-los, não se dando ao luxo de enganar-se, procurando estabelecer caminhos possíveis de sua superação para, através dos recursos ao seu alcance, vivenciar sentimentos saudáveis curando-se aos poucos das imperfeições.

Olhando vigilante as emoções que se manifestam n'alma, o ser é capaz de gerenciá-las sem se deixar dominar por emoções destrutivas, procurando orientar as energias para a criação de um estado mental de serenidade e contentamento.

Na hora em que a mente alerta cuida do corpo, a racionalidade escapa à oposição mente-corpo para entender essa relação de maneira complementar, não dicotômica. A saúde do corpo depende da saúde do Espírito e as agressões ao corpo marcam, variando ao infinito, a mente em sua complexidade.

O corpo é um templo sagrado portador de elementos cuja identidade se mistura com a do cosmos. Emprestado pelo Grande Arquiteto do Universo, merece nosso cuidado e preservação equilibrada. A mente alerta não quer descaso nem culto ao corpo, somente pede cuidado com ele como com a alma.

O cultivo da mente alerta leva ao despertar da consciência do Espírito que passa a reconhecer o estágio impermanente das coisas e a sua própria transcendência em relação ao ciclo nascimento-morte.

Plenamente atento ao que se passa no planeta interno, o Espírito pode fazer escolhas mais acertadas, condizentes com o desejo de fazer o bem a todos os seres.

A mente atenta o conduz à reverência à vida em todas as suas formas de manifestação, afastando o sujeito do ímpeto de destruição que tem demarcado a conduta de uma coletividade regida pelo utilitarismo, o qual vê o ambiente natural como uma arca de tesouros infindáveis consumindo-a irresponsavelmente.

Ao conscientizá-lo das dores do mundo, causadas pela violência, o estado de mente alerta convida o indivíduo à promoção da paz interior como forma possível de engajamento num movimento em prol da paz no Planeta.

Diante da presença do outro, aquele que se esforça em alertar a sua mente, abre-se ao diálogo que lhe ensina uma escuta compassiva e profunda que deverá ser sempre seguida de uma fala verdadeiramente amorosa.

Da manifestação do amor, que a mente alerta suscita, nasce a responsabilidade afetiva que não usa o outro ao seu bel prazer, mas zela pela sua felicidade.

Esse amor se desdobra no amor a si, aos demais seres da vida, à Terra-mãe e leva o Espírito, hospedado temporariamente nessas paragens, a consumir com discernimento e a viver com simplicidade, libertando-o das ilusões do consumismo que inventa necessidades artificiais.

Viver com a mente alerta consiste, enfim, no exercício de estar consciente em cada momento. Atento ao estado geral da mente e do coração como sujeito das circunstâncias e emoções, jamais como mero objeto.

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[1] O Livro dos Espíritos, questão 600
 
[2]NHAT HANH, Thich. Meditação andando: guia para a paz interior. Vozes: Petrópolis, RJ, 2005, p. 10..

segunda-feira, 8 de novembro de 2010