domingo, 4 de outubro de 2015

Praticando a paz


 Vinícius Lousada - educador


“A guerra desaparecerá um dia da face da Terra?
Sim, quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus. Nessa época, todos os povos  serão irmãos.”[1]



Imaginemos um barco enfrentando uma tempestade, sendo ameaçado pela possibilidade de um naufrágio. De repente, seus tripulantes entram em total desespero, aumentando assustadoramente o risco da embarcação ir à deriva até que, a partir de um dado instante, alguém se mantém calmo e consegue agir ou organizar o grupo a ponto de evitar o desfecho infausto.
A Terra, nossa “nave comum”, sendo um mundo de provas e expiações, atravessa um momento caracterizado por aflições segundo as carências educativas de seus tripulantes.
É justamente agora que cada pessoa pode ser aquele coração sereno a contribuir com a mudança, trabalhando pela paz por onde transite.
Necessitamos, contudo, de que haja plena consciência por parte de todos nós a respeito do mosaico de sofrimento que se desenha às nossas vistas, a fim de denunciarmos a violência nas suas diversas modalidades e anunciarmos dias de amor, justiça e paz.
Assim, vários são os acontecimentos que nos sensibilizam...
Os noticiários divulgam a crueldade do “bicho-homem” com os demais bichos, e as chacinas ainda estão presentes nas grandes cidades.
A indústria do tráfico de drogas recruta para o seu quadro de serviços meninos e meninas para, logo mais, entregá-los com destreza aos braços de Tânatos.
A miséria é impingida em nível mundial e operacionalizada no descalabro causado pelo desemprego generalizado.
A ausência de direito pleno à saúde, à educação e à moradia está sendo uma constante, afirmando a negação de mínimas condições de vida digna aos pobres.
Há desperdício de alimentos e desvios de verbas públicas.
O fundamentalismo religioso, em sua cegueira, fomenta o sectarismo, e o racismo distancia os membros da família humana.
As guerras, as ações terroristas, as rixas entre as gangues, os rachas de automóveis, as lutas profissionalizadas e as agressões entre os humanos são vestígios da medieval cultura do “duelo que não passa de manifestação de orgulho.”[2]
Discussões estéreis, fofoca, sarcasmo e o uso de palavrões representam outras manifestações da raiva também.
Esses são exemplos que, além de servirem para aguçar a nossa curiosidade sobre as causas da violência, induzem-nos a pensarmos a respeito do que podemos fazer para transformar este estado de coisas, levando em conta a conhecida afirmação de Paulo Freire de que mudar é difícil, mas não impossível.·
Allan Kardec, ao fazer um estudo sobre a origem do bem e do mal, esclarece que o mal tem origem nas imperfeições humanas e que a fonte da observada propensão da humanidade, para ele, reside no abuso das paixões.
E mais, o Codificador anota que os males mais numerosos são os que o homem cria pelos seus vícios, os que provêm do seu orgulho, do seu egoísmo, da sua ambição, da sua cupidez, de seus excessos em tudo. Aí a causa das guerras e das calamidades que estas acarretam, das dissenções, das injustiças, da opressão do fraco pelo forte, da maior parte, afinal, das enfermidades.” [3]
Então, percebe-se que a vultuosa soma de violência que grassa em nosso mundo é reflexo da carga das nossas imperfeições – nutridas pelos nocivos hábitos que conservamos na relação abusiva com as paixões –, produzindo e arquivando informações psíquicas no cerne do ser que nos impulsionam às atitudes violentas.
As paixões, para os Espíritos Superiores, não são boas nem más. O problema está quando o Espírito se permite dominar por elas, invertendo a ordem das coisas, colocando a sua animalidade ancestral sobreposta à natureza espiritual.
Porém, exercitando o autoconhecimento, tarefa impostergável de quem pretende crescer, seremos capazes de compreender que em “cada um de nós há uma certa parcela de violência e certa parcela de não-violência.”[4]
Dimensionaremos, desse modo, tanto a “fera” enjaulada que habita dentro de nós, aceitando-a, quanto o potencial de contenção da agressividade que possuímos, visando acalmar o Espírito e manter relações serenas com os outros, evitando sempre qualquer forma de violência ou revide.
Para promovermos a paz é preciso que comecemos por domar nossas imperfeições morais, pois, como já asseverou apropriadamente o benfeitor Camilo: “Ninguém pode oferecer paz ao mundo, se não a desenvolve no próprio âmago, no próprio mundo íntimo.”[5]
Reconhecendo isso, somos incitados a tomar iniciativa a favor da paz, procurando anunciá-la no plano terreno, estruturando-a na própria alma e envidando esforços por vivenciar o conjunto de sublimes instruções traçadas por Jesus Cristo, ajustando-nos cotidianamente ao seu programa renovador.
Praticar a paz é praticar a não-violência ativa, celebrando o amor à vida com a mente alerta em cada situação em que nos movimentamos perante todas as criaturas de Deus compreendendo-as e agindo pacientemente pela sua felicidade.
A prática diária da paz leva à conquista da harmonia interior e nenhuma agitação do entorno ou ação dos violentos pode abalar aquele que vive em paz.
Irradiada pelo seu portador na direção daqueles com os quais estabelece redes de convivência, a vibração da paz tranqüiliza os corações, provocando a sintonia com Jesus, nosso porto seguro e Embaixador da Paz entre as mulheres e os homens de boa-vontade.



[1] O Livro dos Espíritos, questão 743.
[2] O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XII item 8.
[3] A Gênese: os milagres e as predições segundo o Espiritismo, cap. III, item 6.
[4] NHÂT HAN, Thich. Os cinco treinamentos para a mente alerta. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004, p. 26.
[5] TEIXEIRA, J. Raul. A carta magna da paz: reflexões em torno de ensinos de Francisco de Assis. Pelo Espírito Camilo. Niterói, RJ: Fráter Livros Espíritas, 2002, p. 141.