Vinícius Lousada - educador
“A guerra desaparecerá um dia da face da
Terra?
Sim, quando os homens compreenderem a
justiça e praticarem a lei de Deus. Nessa época, todos os povos serão irmãos.”[1]
Imaginemos um
barco enfrentando uma tempestade, sendo ameaçado pela possibilidade de um
naufrágio. De repente, seus tripulantes entram em total desespero, aumentando
assustadoramente o risco da embarcação ir à deriva até que, a partir de um dado
instante, alguém se mantém calmo e consegue agir ou organizar o grupo a ponto
de evitar o desfecho infausto.
A Terra, nossa
“nave comum”, sendo um mundo de provas e expiações, atravessa um momento
caracterizado por aflições segundo as carências educativas de seus tripulantes.
É justamente
agora que cada pessoa pode ser aquele coração sereno a contribuir com a
mudança, trabalhando pela paz por onde transite.
Necessitamos,
contudo, de que haja plena consciência por parte de todos nós a respeito do
mosaico de sofrimento que se desenha às nossas vistas, a fim de denunciarmos a
violência nas suas diversas modalidades e anunciarmos dias de amor, justiça e
paz.
Assim, vários
são os acontecimentos que nos sensibilizam...
Os
noticiários divulgam a crueldade do “bicho-homem” com os demais bichos, e as
chacinas ainda estão presentes nas grandes cidades.
A indústria do
tráfico de drogas recruta para o seu quadro de serviços meninos e meninas para,
logo mais, entregá-los com destreza aos braços de Tânatos.
A miséria é
impingida em nível mundial e operacionalizada no descalabro causado pelo desemprego
generalizado.
A ausência de
direito pleno à saúde, à educação e à moradia está sendo uma constante,
afirmando a negação de mínimas condições de vida digna aos pobres.
Há desperdício
de alimentos e desvios de verbas públicas.
O
fundamentalismo religioso, em sua cegueira, fomenta o sectarismo, e o racismo
distancia os membros da família humana.
As guerras, as
ações terroristas, as rixas entre as gangues, os rachas de automóveis, as lutas
profissionalizadas e as agressões entre os humanos são vestígios da medieval
cultura do “duelo que não passa de
manifestação de orgulho.”[2]
Discussões
estéreis, fofoca, sarcasmo e o uso de palavrões representam outras
manifestações da raiva também.
Esses são
exemplos que, além de servirem para aguçar a nossa curiosidade sobre as causas
da violência, induzem-nos a pensarmos a respeito do que podemos fazer para
transformar este estado de coisas, levando em conta a conhecida afirmação de
Paulo Freire de que mudar é difícil, mas não impossível.·
Allan Kardec, ao
fazer um estudo sobre a origem do bem e
do mal, esclarece que o mal tem origem nas imperfeições humanas e que a
fonte da observada propensão da humanidade, para ele, reside no abuso das
paixões.
E mais, o
Codificador anota que “os males
mais numerosos são os que o homem cria pelos seus vícios, os que provêm do seu
orgulho, do seu egoísmo, da sua ambição, da sua cupidez, de seus excessos em
tudo. Aí a causa das guerras e das calamidades que estas acarretam, das
dissenções, das injustiças, da opressão do fraco pelo forte, da maior parte,
afinal, das enfermidades.” [3]
Então,
percebe-se que a vultuosa soma de violência que grassa em nosso mundo é reflexo
da carga das nossas imperfeições – nutridas pelos nocivos hábitos que
conservamos na relação abusiva com as paixões –, produzindo e arquivando
informações psíquicas no cerne do ser que nos impulsionam às atitudes
violentas.
As paixões, para
os Espíritos Superiores, não são boas nem más. O problema está quando o
Espírito se permite dominar por elas, invertendo a ordem das coisas, colocando
a sua animalidade ancestral sobreposta à natureza espiritual.
Porém,
exercitando o autoconhecimento, tarefa impostergável de quem pretende crescer,
seremos capazes de compreender que em “cada
um de nós há uma certa parcela de violência e certa parcela de não-violência.”[4]
Dimensionaremos,
desse modo, tanto a “fera” enjaulada que habita dentro de nós, aceitando-a,
quanto o potencial de contenção da agressividade que possuímos, visando acalmar
o Espírito e manter relações serenas com os outros, evitando sempre qualquer
forma de violência ou revide.
Para promovermos
a paz é preciso que comecemos por domar nossas imperfeições morais, pois, como
já asseverou apropriadamente o benfeitor Camilo: “Ninguém pode oferecer paz ao mundo, se não a desenvolve no próprio
âmago, no próprio mundo íntimo.”[5]
Reconhecendo
isso, somos incitados a tomar iniciativa a favor da paz, procurando anunciá-la
no plano terreno, estruturando-a na própria alma e envidando esforços por
vivenciar o conjunto de sublimes instruções traçadas por Jesus Cristo,
ajustando-nos cotidianamente ao seu programa renovador.
Praticar a paz é
praticar a não-violência ativa, celebrando o amor à vida com a mente alerta em
cada situação em que nos movimentamos perante todas as criaturas de Deus
compreendendo-as e agindo pacientemente pela sua felicidade.
A prática diária
da paz leva à conquista da harmonia interior e nenhuma agitação do entorno ou
ação dos violentos pode abalar aquele que vive em paz.
Irradiada
pelo seu portador na direção daqueles com os quais estabelece redes de
convivência, a vibração da paz tranqüiliza os corações, provocando a sintonia
com Jesus, nosso porto seguro e Embaixador
da Paz entre as mulheres e os homens de boa-vontade.
[1] O Livro dos
Espíritos, questão 743.
[2] O Evangelho
segundo o Espiritismo, cap. XII item 8.
[3] A Gênese: os
milagres e as predições segundo o Espiritismo, cap. III, item 6.
[4] NHÂT HAN, Thich.
Os cinco treinamentos para a mente alerta. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004, p. 26.
[5] TEIXEIRA, J.
Raul. A carta magna da paz: reflexões em torno de ensinos de Francisco de
Assis. Pelo Espírito Camilo. Niterói, RJ: Fráter Livros Espíritas, 2002, p.
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