sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

EDUCAÇÃO PARA A PLENITUDE: UM DESAFIO PARA O SER


Foto: Viníciu Lousada

Vinícius Lousada[1]

Ignorante quanto à sua destinação, [o Espírito] desperta para a própria realidade mediante as experiências intelectuais e vivências morais que o capacitam para a conquista da plenitude.
– Joanna de Ângelis.[2]

Prólogo

Allan Kardec, o insigne codificador do Espiritismo, chegou a afirmar no diálogo com o cético[3] que o Espiritismo é todo um imenso campo de conhecimento que toca as questões da Moral, da Metafísica – setores de estudos da Filosofia – e da Psicologia. Essa consideração se fundamenta no fato da Ciência Espírita ter por foco de estudos as relações dos Espíritos com a humanidade reencarnada, bem como, as suas conseqüências morais e filosóficas das quais emergem saberes em torno do Espírito e é exatamente nisto que está a sua vocação para o diálogo com a “Ciência que trata da natureza da alma”[4].
A Psicologia Transpessoal nasceu nos anos 60, em um contexto de emergência dos movimentos contraculturais e da orientalização do ocidente, que consistiu na apropriação de princípios, valores e práticas de cunho oriental pela sociedade ocidental em busca da unidade esquecida pela racionalidade científica moderna.
Ao descortinar as dimensões psicológicas do ser humano, mediante a articulação deste campo de estudos com a Filosofia Espírita, Joanna de Ângelis ensina-nos uma Psicologia Profunda cujo objeto de análise e de aplicação é o próprio Espírito, imortal herdeiro de suas próprias conquistas angariadas nas vidas sucessivas. Esse conhecimento acerca do homem integral convida-nos à perseverante luta da superação das imposições do Ego – que está na origem de nossos conflitos – para desvelar ao ser o Eu Profundo e provocar o reconhecimento das potencialidades divinas de que é portador.


Plenitude por vocação

Allan Kardec recolhe nas interações com os Espíritos um entendimento de nosso processo evolutivo-espiritual por demais diverso daquele apregoado pelas doutrinas dogmáticas do passado. Ensinam os Espíritos Superiores que somos os “seres inteligentes da criação”[5] e que estamos destinados a conquistarmos o estado de Espíritos Puros no dia em que alcançarmos, por esforço próprio, a sabedoria e o amor em suas mais profundas expressões. Quando isso ocorrer estaremos num estágio em que a matéria não nos subjugará mais.
            O Espírito é criado por Deus simples e ignorante, ou seja, sem complexidade psíquica e sem qualquer saber que são aquisições obtidas ao longo do seu processo evolutivo vivenciado em diversos Reinos da Natureza e em diferentes moradas planetárias da Casa do Pai. Contudo, o ser é vocacionado à plenitude resultante da conquista de uma condição espiritual em que o Espírito será senhor de si, sem sofrer o comando das paixões e sentimentos inferiores e, nem tampouco, a influência da matéria e os empecilhos da ignorância.
            Escreve o Espírito Lázaro, a respeito do processo ascensional do Espírito, já no estágio de hominização: “Em sua origem, o homem só tem instintos; quando mais avançado e corrompido, só tem sensações; quando instruído e depurado, tem sentimentos.”[6] A assertiva deixa entrever que nas primeiras horas de humanidade somos predominantemente guiados pelos instintos, a partir dos quais participamos da natureza dos animais[7]. Gradualmente nos esclarecemos em virtude das vivências encetadas pelas reencarnações que temos e passamos a identificar a nossa natureza espiritual de modo que os instintos nos são úteis, mas não comandarão tanto assim o nosso comportamento.
            Nesse segundo estágio, somos condicionados pelas sensações físicas e as paixões que nos guiam tem duas diferentes origens “umas provém dos instintos da natureza animal, provindo as outras das impurezas do Espírito”[8], embora já estejamos com relativo desenvolvimento intelectual e moral. Vive-se a luta do Espírito para não ser mais subjugado pela matéria através de seus apetites. Cada passo nesse sentido liberta-o da influência que lhe aproxima, ainda, do começo de sua jornada evolutiva para que dê azo à sua verdadeira destinação: a plenitude. O senso moral se aprimora e “enfraquece pouco a pouco as faculdades puramente animais”[9], como comenta Kardec.
            Ao estudar o problema das paixões, Allan Kardec afirmou que as raízes de todas, como dos vícios,

“se acham no instinto de conservação, instinto que se encontra em toda a pujança nos animais e nos seres primitivos mais próximos da animalidade, nos quais ele exclusivamente domina, sem o contrapeso do senso moral, por não ter ainda o ser nascido para a vida intelectual. O instinto se enfraquece, à medida que a inteligência se desenvolve, porque esta domina a matéria.”[10]

            Com base no ensinamento de Kardec, fica evidente que a fonte das paixões está no instinto de conservação. Deus dotou as criaturas desse instinto para que fossem mobilizadas pelos anseios de sua natureza animal ao trabalho em prol da manutenção da própria sobrevivência, contudo, o trabalho desenvolve a inteligência e na medida em que a inteligência avança o domínio da matéria sobre o Espírito desaba. Por isso, é forçoso reconhecer que as paixões não são ruins por si mesmas, ao contrário disso, elas nos impulsionam ao progresso. No entanto, o abuso das paixões consiste em motivo de atraso espiritual. Quando o Espírito passar a exercer o domínio que lhe cabe sobre a matéria balançará a canga que pesa sobre si e prosseguirá feliz edificando em si sentimentos enobrecedores que o colocam em maior sintonia com as Leis Morais da Vida, no rumo para a plenitude através de sua opção pelo amor.


Convite à educação de si mesmo

Joanna de Ângelis[11] busca na milenar tradição budista elementos para propor uma disciplina pessoal que ajude o Espírito reencarnado na superação do domínio da matéria e das paixões sobre si mesmo quando evoca o “caminho óctuplo”, conhecido também por caminho do meio porque orientado pela moderação. Corresponde à quarta nobre verdade postulada por Buda como o caminho da cessação do sofrimento.
Para tanto, oito metas deverão ser levadas em conta para que o Espírito obtenha êxito no processo educativo de si mesmo tendo por horizonte a conquista da plenitude espiritual: crer retamente, querer retamente, falar retamente, agir retamente, viver retamente, esforçar-se retamente, pensar retamente e meditar retamente.
Em bom dicionário retidão significa integridade de caráter, portanto, percorrer o caminho do meio consiste em jornadear na afirmação psicológica da inteireza moral a ser edificada através do entendimento e da vivência da Lei Natural, “a única verdadeira para a felicidade do homem.”[12], conforme postulam os Espíritos Superiores.
Crer retamente consiste no exercício diário da fé raciocinada, daquela em que o discernimento não fica obscurecido por imposições descabidas do fanatismo e do fundamentalismo religioso, para que a liberdade de pensar seja vivida com responsabilidade e autonomia espiritual. Desse modo, aquele que crê compreende e por compreender tem uma fé racional e robusta.
Querer retamente demanda desejar sem as ilusões do Ego infantil que direciona o indivíduo a uma postura egoísta no mundo. Esse querer com retidão pede tal compreensão de nossas necessidades educativas, numa morada planetária em transição, e o conhecimento de si mesmo para que se efetive, no campo do desejo, o que o espírito precisa e não aquilo que somente lhe satisfaz.
Falar retamente consiste em colocar o verbo a serviço da ética da compaixão, compreendendo o sofrimento de nossos irmãos do caminho. É falar edificando o bem, a justiça e o belo em nossas relações comunicativas.
Agir retamente pressupõe adesão da ética universal ensinada por Jesus: “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós, porque esta é a lei e os profetas.” [13] Fazer o que Nazareno recomenda exige que, em nosso cotidiano, façamo-nos reflexivos sobre o modo de procedermos uns com os outros, desenvolvendo o hábito saudável da autocrítica a respeito das razões das atitudes levadas a efeito.
Viver retamente é o passo conquistado a partir do agir com retidão, transformado em hábito ao ponto de tornar-se uma segunda natureza. Nesse caso, viver em retidão passa a ser uma filosofia de vida a nortear o nosso modo de ser e estar no mundo.
Esforçar-se retamente traduz-se em operacionalizarmos a nossa vontade pelo bem. Trata-se de trabalharmos insistentemente para a consecução positiva dos bons propósitos, sem esmorecimento.
As ações, o viver e o esforço retos solidificam o pensamento norteado pela retidão. Não se pode improvisar virtude na vida mental, o pensar reto é expressão do que fazemos, sendo uma matriz orientadora de nossos procedimentos.
Meditar retamente, por fim, é o corolário do caminho do meio e recurso indispensável para que prossigamos na conquista da plenitude, superando as imposições do sofrimento e as ilusões da vida material. A meditação se aprende em seu exercício diário e a sua prática leva à da educação do pensamento. Para que ela seja proveitosa em prol da transformação interior tem de ser analítica, configurando-se num processo de exame da alma.

Conclusão  

Na atualidade, a produção de Joanna de Ângelis, Espírito, pode ser inserida naquele conjunto que Kardec chamou de “obras diversas sobre o Espiritismo ou complementares da Doutrina”[14], vindo a dar a sua contribuição na aplicabilidade dos princípios do Espiritismo a outras áreas do conhecimento humano e, nesse caso em particular, à Psicologia Transpessoal.
Dessa forma, o diálogo entre a Doutrina dos Espíritos e a Psicologia Transpessoal, instaurado pelos textos psicografados por Divaldo Franco, apresentam ao entendimento de todos nós uma psicologia prática que, vivida, favorece o amadurecimento psicológico do Ser porque reorienta a sua vida moral para horizontes mais amplos de aspirações.
Por nossa vez, observemos o caminho do meio e meditemo-lo, a luz dos ensinamentos de Jesus e de Kardec, a fim de que nos eduquemos para a plenitude a que somos destinados.




[1] Educador, escritor e expositor espírita. E-mail: vlousada@hotmail.com
[2] FRANCO, Divaldo. Vida: desafios e soluções. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Salvador: LEAL, 10. ed. 2009, p. 7.
[3] KARDEC, Allan. O que é o espiritismo. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006, p.73
[4] KARDEC, Allan. Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas. Vocabulário Espírita –Psicologia.
[5] O Livro dos Espíritos, questão 76.
[6] O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XI, item 8.
[7] O Livro dos Espíritos, questão 605.
[8] O Livro dos Espíritos, questão 605.
[9] O Livro dos Espíritos, questão 754.
[10] A Gênese, Cap. III, item 10.
[11] FRANCO, Divaldo. Plenitude. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Salvador: LEAL, 1991, pp. 85-98
[12] O Livro dos Espíritos, questão 614.
[14] KARDEC, Allan. Catálogo racional: obras para se fundar uma biblioteca espírita. ed. Fac-similar bilíngue histórica. São Paulo: Madras, 2004.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013