domingo, 29 de julho de 2012
segunda-feira, 23 de julho de 2012
O princípio da reencarnação revisitado
Dólmen de Allan Kardec
Vinícius Lousada[1]
“Pela lei da pluralidade das
existências, [o Espiritismo] abre um novo campo à Filosofia; o homem sabe de
onde vem, para onde vai, com que objetivo está na Terra. Explica a causa de
todas as misérias humanas, de todas as desigualdades sociais; dá as próprias
leis da Natureza como base dos princípios de solidariedade universal, de
fraternidade, de igualdade e de liberdade, que se assentavam apenas na teoria.
Enfim, lança luz sobre as questões mais árduas da Metafísica, da Psicologia e
da Moral.[2]
Um saber espírita
Termo cunhado por Allan Kardec[3] e
ensinamento ministrado pelos Espíritos, como informadores da investigação científica
levada a cabo pelo mestre lionês, a reencarnação se refere à volta do Espírito
à vida corporal.
No Vocabulário Espírita o mestre esclarece que esse retorno
do Espírito à vida corpórea pode dar-se em curto ou longo tempo depois da
morte, na Terra ou noutras moradas planetárias, sempre em corpo humano pelo
fato do Espírito não retroagir em sua escalada evolutiva e tampouco retrogradar
a fases infra-humanas. Nada obstante, a cada reencarnação o Espírito pode
evoluir de modo mais célere ou lento, conforme o ritmo do seu esforço pessoal
no campo do desenvolvimento de seu intelecto e no da sua moralidade, podendo
até mesmo estacionar temporariamente em certo sentido.
De uma experiência corporal à outra, o Espírito pode alternar
a sua condição social, étnica e cultural, tendo em vista o seu adiantamento
através dos diferentes aprendizados que podem ser obtidos na diversidade das
circunstâncias materiais que se lhe apresentam, conforme a suas escolhas na
erraticidade que, por sua vez, geram provas pertinentes ao crescimento que lhe cabe
realizar, ou ainda, expiações que consistem em mecanismos educativos de
colheita da semeadura equivocada empreendida outrora.
Brian Weiss
Um psiquiatra e a sua descoberta da
reencarnação
O M. d. Brian Weiss, americano, lidava com seus pacientes
mediante os métodos convencionais da psicoterapia, sendo surpreendido pela
intervenção dos Espíritos na vida corporal e a pluralidade das existências
quando Catherine, uma de suas pacientes, espontaneamente, começou a recordar
traumas de vidas passadas que estariam conectados com os transtornos emocionais
que enfrentava na vida presente. Contudo, o ceticismo de Weiss foi desafiado
pela mediunidade de sua paciente que, em transe, fez narrativas do além da vida
a respeito de fatos particulares de seu terapeuta, em especial, sobre o seu pai
e filho, ambos desencarnados. Essa experiência singular ele detalha com propriedade
em seu Best-seller “Muitas vidas, muitos
mestres”.
Desde então a vida de Brian Weiss nunca mais foi igual ao que
era. O médico, pós-graduado na Universidade de Columbia e Yale Medical School e
presidente emérito do Mount Sinai Medical Center, em Miami, tem se dedicado à
cura de seus pacientes através da terapia de vidas passadas, além de se ocupar em
contribuir com a formação de outros profissionais e realizar seminários de
âmbito nacional e internacional.
Constatações na terapia de vidas
passadas
A seguir, procurarei sintetizar ao
leitor alguns aprendizados indicados por Brian Weiss mediante a aplicação da terapia
de vidas passadas em busca da cura de seus pacientes[4].
Contudo, é de bom alvitre destacar que a técnica utilizada por Weiss para levar
seus pacientes à memória de suas vidas anteriores é a hipnose, aliás, filha do
magnetismo de Mesmer e aceita academicamente desde o século XIX, quando
difundida pelo Sr. Broca[5].
Do mesmo modo, a meditação é um
recurso utilizado pelo médico para ajudar seus pacientes no acesso às
lembranças de vidas passadas, trata-se de um meio para fazer a mente ter foco e
ativar informações do subconsciente, tendo em vista a superação de conflitos
que flagelam os que procuram essa terapia. Jamais fins pueris orientam o
quefazer de Brian Weiss. Nesse processo, o paciente não é adormecido e estando consciente
faz uso da sua capacidade de discernir, sem perder o autocontrole. As
lembranças emergem sob a condução do terapeuta e se manifestam aos pacientes
como um filme ou fragmentos mnemônicos.
Em qualquer momento o paciente pode
ser desperto. E, assim, Brian Weiss (2009, p.14 ) sintetiza a regressão:
A
terapia de regressão é o ato mental de voltar a um tempo anterior, qualquer que
seja esse tempo, a fim de resgatar lembranças que podem influir negativamente
na vida atual do paciente e que são provavelmente a fonte de seus sintomas.
(...)
Em quarenta por cento de seus pacientes, Weiss identificou a
regressão como a chave da conquista da cura completa. Noutros casos, não
identificou essa necessidade. Em trezentos de seus pacientes verificou que, com
a regressão associada à hipnose, é possível explorar de forma mais profunda o
inconsciente. Igualmente, alerta que a carga emocional que surge na regressão
demanda que a terapia seja realizada por profissionais com a devida formação na
área da saúde mental para ajudar devidamente o paciente a elaborar o
aproveitamento da vivência experimentada.
Weiss descobriu que as vivências
acessadas pelos seus pacientes apresentam-se em dois padrões: o clássico, com
riqueza de detalhes sobre aquela vida e os acontecimentos; e em fluxo de
momentos-chave, onde o subconsciente entrelaça lembranças de momentos mais
importantes e relevantes das experiências passadas que são capazes de elucidar
o trauma oculto, favorecendo a cura.
A hipótese central dele consiste na
constatação de que o simples ato de rememorar ou revivenciar um trauma do
passado longínquo resulta em cura emocional, tal como ocorre na terapia convencional.
Entende que há uma notória possibilidade de que o agente da cura esteja na
consciência de que a alma nunca morre e na compreensão das causas profundas dos
conflitos psicológicos ou de enfermidades.
Entre os saberes encontrados por Weiss, pela memória
que transborda do inconsciente profundo de seus pacientes ou pelo diálogo com
os Espíritos orientadores (que ele nomeia por mestres em sua obra), encontramos
a imortalidade da alma, a reencarnação, a comunicabilidade entre os que
partiram para o além com os que vivem aquém, aliás, muito presente em
experiências espirituais vividas por pacientes terminais, aqueles que
transitaram no estado de quase-morte, outros durante as sessões com o terapeuta
ou, ainda, de forma particular em momentos de visualização terapêutica ou
meditação.
A terapia de vidas passadas
demonstrou eficácia em casos de dores crônicas, alergias, asma, estresse,
ansiedade, depressão, deficiências imunológicas, úlceras, gastrites, podendo
melhorar lesões ou tumores cancerígenos, além de promover a tranquilidade, alegria
e vontade de viver. Para o terapeuta, o elemento espiritual da terapia de vidas
passadas – a certeza da imortalidade – tem um grande poder curativo ao afastar
o paciente do medo e do sofrimento.Os laços de família são tecidos em razão dos encontros que as
vidas sucessivas fomentam, pois, segundo suas constatações, renascemos várias
vezes nos mesmos grupos e as simpatias ou antipatias são originadas nessas
convivências sadias ou não que se perdem na esteira do tempo. O reconhecimento
subconsciente dos encontros familiares do passado dá-se na repulsa ou atração
pelo afeto de hoje, de forma espontânea.
O condicionamento do carma é
relativo, pois somos sujeitos de nossas escolhas mediante o livre-arbítrio. Não
somos determinados por fatores genéticos e ou cármicos, muito embora as nossas
ações condicionem de certo modo nossa evolução espiritual e, nesse caso, a
terapia de vidas passadas parece fortalecer a vontade do paciente evitando que seja
joguete de suas próprias tendências.
As dificuldades e obstáculos superados a cada reencarnação
fazem o indivíduo progredir espiritualmente e as circunstâncias mais afligentes
devem ser encaradas como “chances de progresso, não de atraso.” (Weiss, 2009,
p. 82)
Vale destacar que a terapia de vidas
passadas abre um caminho para a espiritualidade, no sentido mais profundo, no
cuidado com o paciente e estabelece a possibilidade de um diálogo natural sobre
a morte e as doenças, psíquicas ou físicas entre o médico, seus pacientes e
familiares.
Outro saber pertinente aos achados
de Weiss está na presença dos guias espirituais, os Bons Espíritos responsáveis
por bem orientar os sujeitos na presente reencarnação, cujos laços de afinidade
podem ser estruturados já em vidas anteriores.
Igualmente, o guia pode se manifestar através de médiuns experientes ou
a ele mesmo, mediante o exercício da meditação ou visualização, práticas
espirituais que ajudam o paciente na concentração mental.
Certamente o leitor, se for
espírita, está pensando que Brian Weiss não nos traz novidade alguma, pois
recolhemos esses saberes nos textos de Allan Kardec. Todavia, encontramos na
produção escrita de Weiss uma expressiva convergência com o pensamento kardequiano,
o que acaba por reforçar não só a atualidade da filosofia espírita, como
também, a abertura – ainda que tímida – de outros campos de saber à dimensão
espiritual do ser humano. As profícuas descobertas de Weiss pedem ao
pesquisador sensato e sem preconceito um contato mais atento com fenômenos dessa
ordem e uma curiosidade epistemológica que transcenda as suas verdades
pré-concebidas.
E o esquecimento do
passado?
Em seu diálogo com o cético, em O que é o Espiritismo?, Allan Kardec
aborda o problema do esquecimento do passado que é matéria de objeção pelo inquiridor
ao princípio da reencarnação. E, nesse sentido, esclarece o pensador da
Doutrina Espírita: “Se em cada uma de suas existências um véu esconde o passado
do Espírito, com isso nada perde ele das suas aquisições, apenas esquece o modo
por que as conquistou.”[6]
Há um olvido do passado, para a
consciência atual do Espírito, cuja finalidade é permitir-lhe novas
aprendizagens, a partir dos saberes e vivências adquiridos grafados em seu
psiquismo sem estar preso a essas experiências, abrindo-lhe os horizontes do
intelecto e da moralidade orientado pelas imensas possibilidades latentes em
seu vir-a-ser.
Reencarnado, o ser humano traz de forma intuitiva e em suas
ideias inatas o que adquiriu em ciência e em moralidade, mas detalhes das
vivências passadas ficam ocultos no inconsciente profundo para que o indivíduo não
se prenda a eles, com o risco de caminhar em um círculo vicioso, desviando-se do
campo do aprendizado que deve empreender. Caso toda gente se lembrasse de tudo,
viveríamos um caos porque com a nossa limitada cosmovisão perpetuaríamos preconceitos,
disputas inúteis, ódios e, por certo, exigiríamos na vida presente respeito às
prerrogativas que nos foram concedidas no passado, como classe social, valores
étnicos e religiosos, enraizando ainda mais em nosso ser as ilusões que nos
prendem ao sofrimento nas vidas sucessivas.
Entretanto, ao identificar o esquecimento do passado como uma
ferramenta da solicitude de Deus em prol de seus filhos, o Espiritismo jamais fez
dele um dogma. Como doutrina progressista, nele não há qualquer prescrição
proibitiva nesse sentido, muito pelo contrário, porque tendendo a absorver os
progressos científicos de campos distintos do conhecimento, como pretendia
Kardec, o Espiritismo é dialógico em relação às contribuições que são confirmadas
pelo mais rigoroso e atual método científico.
Aliás, a lembrança de vidas passadas é uma possibilidade do
ser humano porque acessadas essas memórias extracerebrais e trazidas para o
consciente, se traduzem em experiência transpessoal que fala fundo à alma sobre
a sua imortalidade e progressividade espiritual. Esse emergir de lembranças de vidas
passadas tem sido alvo de registros de diversos pesquisadores como Albert
Rochas (1837-1914), Hernani G. Andrade (1913-2003), Prof. Hamendra Nath Banerjee (1929-1985)
e Dr. Ian Stevenson (1917-2007).
Esse fenômeno merece estudo, seja daqueles que se interessam
pelo tema, que desejam fazer dele objeto de suas pesquisas ou para os que
percebem a fertilidade do diálogo da Ciência Espírita com as pesquisas
contemporâneas sobre reencarnação. A lembrança das vidas passadas, enfim, é um
fato que colabora com a difusão do princípio da reencarnação e corrobora a
terapêutica psicológica que dela se serve e que tem sido útil para o alívio do
sofrimento humano. Contrapô-las com as armas da proibição ou discursos em prol
de uma cultura do medo, que nada têm a ver com o Espiritismo, é tão ingênuo
quanto negá-las por desconhecê-las. Aqui, como noutras questões, o bom senso é
sempre bem-vindo.
Ian Stevenson
[1]
Educador e pesquisador.
[2]
Revista Espírita, agosto de 1865. O que ensina o Espiritismo.
[3]
Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas. Vocabulário Espírita.
REENCARNAÇÃO
[4]
WEISS, Brian. A cura através da terapia
de vidas passadas. Rio de Janeiro: Sextante, 2007.
[5]
Vide Revista Espírita Revista Espírita de Janeiro de 1860 - O Magnetismo
perante a Academia.
[6]
KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. 55. Ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007, p.
127.
terça-feira, 10 de julho de 2012
A prodigiosa mediunidade de Augustin Lesage, humilde mineiro e pintor
espírita (1876-1954)
Augustin Lesage (1876-1954)
Humilde
e prestigiado servidor da arte mediúnica, expôs as suas telas surpreendentes de
beleza e de luz, não obstante a sua avançada idade.
Deixemos
que ele mesmo se nos apresente:
“…Chamo-me
Augustin Lesage, nascido a 9 de Agosto de 1876, em St Pierre les Auchel, perto
de Béthune, no Pas-de-Calais. O meu pai era mineiro, pois que vivia nesta
região de minas. Andei na escola primária de St-Pierre-les-Auchel até à idade
de 14 anos, altura em que fui a trabalhar nas minas. Conheci ali o mais duro
trabalho, durante 27 anos; deixei a mina a 23 de Julho de 1923.
Foi
em Janeiro de 1912 que os poderosos Espíritos vieram manifestar-se-me,
ordenando que desenhasse e pintasse, coisa que jamais havia feito
anteriormente. Nunca tendo visto, até esse momento, um simples tubo de tinta
para pintar, imaginem a minha surpresa perante tal revelação.
Ignoro
completamente seja o que for a respeito de pintura.
-
Não te inquietes por causa desse pormenor insignificante, responderam os
espíritos. Seremos nós a conduzir as tuas mãos.
Recebi
então, por escrito, o nome das cores e dos pincéis de que necessitava e comecei
a pintar sob a influência dos artistas do além, sempre que chegava a casa
extenuado depois do trabalho na mina. Tal fadiga, contudo, desaparecia quando
me encontrava sob a influência dos espíritos.
Recebo
sempre, por escrito, conselhos favoráveis a respeito dos trabalhos, que executo
sem modelo, o que é uma grande facilidade para mim, por não ter de procurar
compreender, visto que as composições não são de minha autoria. Sou apenas a
mão que executa e não o cérebro que concebe o que faço.
Pinto
sempre desperto, mas sem poder estar na presença de quem quer que seja.
Represento aquilo que os vivos não podem ver, enquanto que os artistas pintores
representam o que a natureza coloca perante o seu olhar. Permaneço em relação
permanente com os nossos queridos amigos do além, que me trazem grandes
revelações. Raros são aqueles que concebem a fé vivida com esses espíritos, não
material, mas espiritualmente.
Nada
compreendo da confusão de cores diversas que aplico sobre a tela. De acordo com
os conselhos que dão os meus amigos do espaço, as obras que executo representam
todas as religiões associadas do passado logínquo. Tais enigmas serão por nós
conhecidos um dia. De momento podemos chamer-lhe “pintura nova”…”
.
Texto
escrito por Augustin Lesage em Barbuse (Pas-de-Calais) a 20 de Maio de 1925
.
Este
depoimento, de autoria do próprio Augustin Lesage foi confirmado por
declarações emitidas por entidades independentes e organismos públicos, além de
ser do conhecimento de muitos vizinhos e de grande quantidade de personalidades
do mundo artístico e cultural com que o mesmo se relacionou ao longo da sua
vida. Entre os quais, os seguintes:
.
“… o Presidente da
Câmara da comuna de Burbure certifica que o Senhor Augustin Henri Lesage, aqui
residente, nascido em Auchel no dia 9 de Agosto de 1876, exerceu sempre a
profissão de mineiro e nunca frequentou nenhuma escola de desenho ou de
pintura. Assinado em Burbure a 22 de Maio de 1925 pelo Maire Decroix…”
“…O abaixo assinado
Emile Lacroze, engenheiro, director das minas de Ferfay-Cauchy, declara que
Augustin Henri Lesage trabalhou como mineiro nas nossas explorações, de 23 de
Agosto de 1890 a 14 de Novembro de 1897, (serviço militar), de 27 de Setembro
de 1900 a 12 de Julho de 1913 e de 11 de Março de 1916 a 6 de Julho de 1923.
Ass. 22 de Maio de 1925…”
De
7 a 14 de Junho de 1953 foram expostas na “Maison des Spirites”, situada no nº
8 da Rue de Copernic, em Paris, várias obras de Augustin Lesage, o mineiro
pintor.
.
“…Observar-se-á
nas obras qualquer coisa de completamente diferente de uma habilidade adquirida
pela prática manual continuada que pudesse servir uma documentação recolhida
aqui e ali e engenhosamente interpretada.
Aquilo
que caracteriza a sua arte é incontestavelmente a invenção, e – em verdade – é
impossível conceber de acordo com o raciocínio corrente como poderá Lesage, ao
longo dos anos e isolado na localidade onde viveu, longe de qualquer fonte de
informação, ter adquirido primeiro uma destreza técnica tal, e depois o conhecimento
de utilização dos temas decorativos de que se serve – os quais evocam – com
toda a originalidade pessoal e novidade – reminiscências persas e hindus.
.
Como
poderá o extenuado mineiro, finda a sua jornada de trabalho, ter regressado
para defronte da sua tela com capacidade para construir com pinceladas fáceis e
subtis, esses pagodes fantásticos, e desenrolar seus bordados soberbos,
associar harmonias cromáticas e coordenar tão enorme variedade de combinações
gráficas?…”
.
Quando
pela primeira vez o médium se exercitou numa tarefa que ele julgava impossível,
serviu-se – aconselhado pelas “vozes” e pelas mensagens escritas – de uma tela
de 9 metros quadrados. Para começar era uma audácia. Estendeu-a como pôde, na
sala inferior da casa, transformada em atelier. Era forçado, aliás, a tê-la
parcialmente enrolada, de modo a poder avançar com o trabalho, dado que as
dimensões da tela eram tais que excediam o tamanho do compartimento. As
mensagens inspiradoras também lhe tinham dado instruções relativas à compra das
tintas de óleo e respectivas cores, dos pincéis e dos godés nos quais diluía as
cores com essência. Fora-lhe dado igualmente conselho de se ajoelhar e de orar,
tal como fazia Fra Angelico, antes de iniciar o seu trabalho de pintor.
A
partir desse momento o trabalho tornava-se fácil: empunhar ao acaso um pincel e
erguer uma mão que um tremor súbito anima, colher tinta de um dos godés e, em
gestos agora firmes, pigmentar a composição, já começada, de pequenos pontos,
cuja justaposição, no seu conjunto, determina o conjunto das formas e define as
gradações de cor e os detalhes da obra.
.
..
.
.
Trabalho
de uma extrema lentidão e de rigor impressionante. Labor de miniaturista, de
iluminura, ocupava decorativamente vastas superfícies, porventura concebidas
para um trabalho a fresco. Contudo, à força de preserverança, de dócil
impassibilidade, Lesage acaba por cobrir toda a tela até ao limite das suas
margens, sem esquecer, durante a execução, os retoques, repetições e
rectificações que não derivam de seu motu próprio, mas da orientação do
espírito artista ao qual obedece o artesão respeitoso. Estas referências e
acentuações não são a parte menos extraordinária do trabalho. Sucede por vezes
que o “inspirador” insatisfeito consigo mesmo, retém o pincel, durante várias
semanas, sobre uma superfície de alguns centímetros quadrados, sempre, sempre
rectificando as linhas e a coloração, correndo o risco de empastar ou produzir
a confusão.
Não
se passa nada diso. Os detalhes assim aprofundados são frequentemente os mais
notáveis, pela sua estrutura de mosaic e o seu gosto cromático. É com espanto
que se descobrem alusões à paleta e aos tons pastel do grande visionário que
foi Odilon Redon.
Não
é exagero dizer-se que no tempo presente, ninguém poderia inventar ritmos
ornamentais, com tal fantasia e riqueza. Tais são os que criou o pincel de
Lesage, achados com tanta felicidade, que os criadores de rendas de Calais
vieram a Burbure procurar ideias para novos modelos.
Que
ali não se busquem regras de composição escolástica. Nem mais ciência no
equilíbrio de volumes que no jogo de valores. Poderia falar-se de valores. Ou
de ramos de flores, de vagas iridiscentes e de vibrações luminosas.
Perto,
arquitecturas atrevidas, acentuadamente alinhadas e fantasticamente
sobrepostas; pés-direitos que sustêm arcadas, cúpulas às quais se associam
galerias de onde se projectam abóbadas, recortadas por pilares incrustados de
pedrarias, que conduzem a miradouros, ameias e lanternins. Nestas estruturações
acontece que uma cripta sustem uma nave e os seus altares, contudo, sem
obediência à realidade. Lesage (ou o espírito, mais propriamente) ultrapassa as
circunstâncias, zomba da resistência dos materiais, cria a instabilidade, lança
um piso imenso sobre uma cúpula central, reedifica um segundo templo por cima
dum primeiro. Um arquitecto rir-se-ia. Um pedreiro diria: “é impossível!”; un
decorador exclamaria: “é improvável, mas com estilo, brilhantismo e um
emaranhado que encanta a vista!…”
.
M.
Cassiopée.
Extrait
de la Revue Spirite de Mai-Juin 1953.
.
“…Em
geral as coisas são vistas em corte. O olhar do espectador mergulha no interior
de um movimento prodigioso, ali se perde e se conduz no entanto através de uma
multiplicidade de artérias, de capelas e naves laterais, onde se mostram – em
tonalidades neutras – misteriosas neblinas nas quais flutuam cintilantes
painéis, caixotões e nervuras, nas quais se dispersam em leves grinaldas –
pérolas, corais, safiras, esmeraldas e rubis.
Lesage
teve, pelo menos, duas fases, precedidas de uma primeira, feita um tanto às
apalpadelas, que produziu painéis que se encontram expostos em diversas
instituições, à maneira de estuques relevados nos quais se encontra toda a
delicadeza e as cores aveludadas de um Vuillard. A primeira fase é menos
sensacional que a segunda.
(…)
Como
artista, “Augustin Lesage apresenta-nos um dos mais belos casos de mediunidade
pictórica …”
.
“…atingiu
uma arte depurada, lúcida, suave, leve, onde a invenção decorativa retoma curso
livre com à-vontade e variedade, extremamente sedutora, pela franqueza de
toques feitos em geito de esmalte. É-se levado a pensar que talvez o artista
mineiro tenha tido dois “guias” pintores, o que não é hipótese sem fundamento.
No
dia em que visitámos em Burbure o atelier do médium, exprimimos essa opinião ao
comparar as telas antigas com as actuais. Lesage teve imediatamente uma
comunicação psicografada, cujos termos elucidavam que o pintor tinha sido
conduzido na execução da sua obra por duas entidades distintas, uma delas
dedicada aos temas arquitectónicos e outra para a vertente puramente
decorativa. As nossas suposições foram desse modo confirmadas e bem assim o facto
de os seus inspiradores serem de origem asiática, o que se encontrava
esclarecido na já mencionada comunicação: a primeira entidade era Indu e a
segunda vivera muito tempo no Extremo Oriente…”
A história da Colheita Egípcia
.
Um
facto mais do que marcante, nós diríamos revelador, é o da história da
“Colheita Egípcia”.
Em
Outubro de 1938, Augustin Lesage começou a tela da “Colheita Egípcia”.
Terminou-a dois meses depois, em Dezembro.
As
suas disponibilidades financeiras mantinham-se escassas, fiéis à definição que
Allan Kardec fornecia da mediunidade de que o que é um dom da mediunidade não é
para ser objecto de negócio.
Bela
lição para aqueles que, nos nossos dias, se proclamam mestres em ciências do
espiritismo e que fazem negócio com ele.
Sabe-se
que a coberto das interpretações de tais “mestres”, a mediunidade é afastada do
seu sentido espiritual. Para isso fazem uso da palavra “parapsicologia” e de
outras designações, para enganar todos aqueles que desejam compreender o
sentido cristalino da alma tal como era entendido por Allan Kardec.
Saberão
escutar as suas vozes interiors? Saberão o que é de facto a mediunidade?
Desejamos
que sim muito fraternalmente, antes de mais por si próprios, e por uma questão
de respeito por tudo aquilo que recebemos do mundo espiritual, portanto da
fonte divina.
Regressemos
contudo a Augustin Lessage, num dia de 1939, em que almoçava com seu amigo
Fournier. Foi informado que a Associação Guillaume Budé estava a organizar um
cruzeiro ao Egipto e de que esse mesmo amigo lhe oferecia a viagem.
.
Marie-Christine Victor conta
no seu livro:
.
“…Em
Marselha, no dia 29 de Fevereiro de 1939, ao meio dia, Augustin Lesage embarcou
com o seu amigo Fournier no navio “El Mansour” (…). Teve oportunidade de
conhecer a bordo um egiptólogo de nomeada que se manifestou muito interessado
na obra que descobrira por ter visto uma dúzia de quadros seus, dentre os quais
a “Colheita Egípcia”.
-
Porque é que atribui tanta importância a esta última tela? Perguntou ao velho
mineiro.
-
Porque, respondeu ele, não é apenas da última que pintei, mas porque os meus
guias me revelaram que eu iria reencontrar o fresco da época egípcia que
representam os trabalhos da colheita…”.
“…o
egiptólogo não partilhou essa opinião, derivada mais de um acto de fé que de um
processo científico, dado que apenas é científico e válido aquilo que é
material e tangível. Não acreditou pois um só instante que a tela de Lesage
pudesse ser outra coisa que não produto da sua imaginação ou dos seus
fantasmas. O artista não ficou minimamente impressionado pelo espírito
científico do seu companheiro de viagem e preferiu tomar a atitude prudente de
quem está tomado pela certeza profunda, logo, fora do comum…”
“…
No Domingo 26 de Fevereiro chegámos a Alexandria e no dia imediato ao Cairo.
Foi a tomada de conctacto com o Egipto moderno.
…arqueólogos
franceses tinham por missão acompanhar e dar explicações aos turistas dos quais
fazia parte Augustin, a respeito da história e do significado dos monumentos da
época faraónica…”
“…Augustin
viu a imensa estátua de Ramsés II caída na areia, e a esfinge de Memfis, a
pirâmide de Sakkarah, construída 5000 anos antes da nossa era, no tempo do rei
Toser. Por fim as grandes pirâmides de Kéops, Kefren e Mikerinos, a grande
esfíngie de Gizé, conhecida em todo o mundo. Experimentou um sentimento
profundo:
-
Como se tudo aquilo fosse para mim mais do que uma curiosidade, como se as
pedras me fossem familiares, como se esse novo país que nunca tinha visto não
me fosse inteiramente desconhecido, causando-me mais um sentimento de apego que
de admiração…”
Tal
caso não nos surpreende, tendo sucedido o mesmo, mas com muito mais rigor e
certeza no caso de Lucienne Marmonnier, igualmente uma artista médium. Para
nós, espíritas, é facto adquirido que Augustin Lessage deve ter vivido uma
encarnação no Antigo Egipto; de outro modo o sentimento do momento já vivido
não teria em si uma tão grande ressonância.
“…Nos
dias seguintes visitámos o Museu do Cairo onde se encontram expostos, em
especial, todos os objectos encontrados no túmulo de Toutankhamon. No dia 4,
Sábado, partimos para o Sul, até à primeira catarata, tendo a visita ao Alto
Egipto começado por Assouan.
Augustin
Lesage, depois de ter visitado Luxor e e visto a base sobre a qual estava
colocado o obelisco que actualmente se encontra na Praça de la Concorde, em
Paris, chegou ao Vale das Rainhas.
Escutemos
aquilo que nos contou:
-
Dois anos antes, neste vale, fora desenterrada uma pequena povoação. O arqueólogo
contou-nos que no tempo de Ramsés II, da XVIII dinastia, cerca de 1.500 anos
antes da nossa era, a mesma povoação era habitada por 700 a 800 operários
especializados em trabalhos funerários. Tais operários eram preciosos porque os
Egípcios davam mais importância à sua morada eterna que às casas em que
habitavam durante a sua vida, e que não necessitavam de uma decoração tão rica,
dado o curto lapso de tempo que dura a vida.
Um
dos operários chamava-se Mena. Encontrámos o seu túmulo, com muitas inscrições
e cenas que descrevem o que foi a sua vida. Desse modo ficámos a saber como se
chamava. Nos momentos durante os quais não trabalhava na execução dos túmulos
oficiais , Mena tinha sido autorizado a trabalhar no seu próprio túmulo, um
pouco afastado da localidade. Visitámos esse pequeno túmulo que continha uma
vintena de sarcófagos e, de repente, apercebi-me de um fresco bem pintado numa
das paredes, bem conservado e – nesse mesmo fresco – reconheci a cena da
“Colheita Egípcia”.
“Apoderou-se
de mim uma forte e complexa emoção, que teria grande dificuldade em descrever
com exactidão. Pareceu-me, de repente, sentir-me muito próximo dessa pequena
cena ainda intacta, ao vê-la tão parecida com aquela que havia pintado, e
pareceu-me que também eu era o seu autor. Estabeleceu-se entre a pintura e eu
uma relação indefinível, sem ser possível esclarecer se tinha acabado de
pintá-la ou se apenas a encontrara. Desejei ter ficado junto daquela comovente
e fresca pintura mural. Senti-me imobilizado, simultaneamente suspenso e
esmagado pela surpresa.”
“…E
a alegria, uma imensa alegria me invadiu, como se fosse a de um exilado de
regresso ao seu povoado…”
Claro
e perceptível se torna que, as coisas a que somos sensíveis, não se encontram
no ensino dos livros, mas sim na mais profunda intimidade da alma.
“…Fiquei
tomado de entusiasmo, o meu sangue pulsava, era puro e carregado de afecto o ar
que respirava dentro do túmulo e a experiência que tivera entrava com toda a
nitidez comovida nas minhas recordações, o acontecimento mais claramente
marcante da minha vida, de resto, bem repleta de surpresas…”
(…)
No
dizer do arqueólogo que nos acompanhava, o túmulo, descoberto havia apenas dois
anos, era pouco conhecido e tinha sido até então muito pouco visitado.
Acentuou, face às perguntas dos turistas, que não poderiam existir reproduções
do fresco em França. O que excluiu a ideia de uma cópia a partir de qualquer
revista ou uma reprodução inconsciente depois de leituras feitas sobre o
assunto…”
Augustin
Lesage concluiu depois esta maravilhosa revelação de uma vida anterior:
“…Compreendo
enfim aquela viagem, desejada durante tanto tempo, e que fora impossível até
àquele momento. Não era necessário que visitasse o Egipto antes da descoberta
do fresco; era necessário que a visse para que ficasse provado que os meus
quadros não são o fruto da minha imaginação, e que a minha mão é o instrumento
de um cérebro que não é meu…”
.
Marie-Christine
Victor pensa da seguinte forma:
.
“…Como
poderia existir trucagem num caso somo este? Como é que um mineiro que não saiu
da sua aldeia poderia ter visto e reproduzido um fresco que se encontrava a
tantas léguas de sua casa, que até os próprios egiptólogos desconheciam ainda e
que, por isso, nenhuma revista poderia ter publicado?…”
É
bem entendido que as críticas mais preversas e mais dolorosas para Augustin
Lesage não faltaram, mas amar e servir a Deus também é aprender o que está por
detrás do sofrimento, e qual o motivo porque, como dizia Santa Teresa de Ávila
“há tão poucos amigos”.
.
Augustin
Lesage dizia:
.
“…
Não quero enganar ninguém. Não odeio ninguém. Não desejo mal a ninguém… Não
desejo nem a riqueza nem a celebridade. Não tenho senão o desejo ardente de ser
acreditado, porque aquilo que digo é verdade, porque aquilo que vivi é
autêntico. Desejo sobretudo que a mensagem do invisível seja recebida e
compreendida por todo o mundo, com o respeito e a admiração que ela não pode
deixar de suscitar…”
Marie-Christine
Victor afirma que a prece de Lesage não ficou sem resposta (como, de resto,
todas as preces sinceras). Os seus guias avisaram-no de que iriam executar um
trabalho e que seria necessário convidar um público que viesse vê-lo trabalhar.
A
prova seria dada dessa forma de que toda a obra do pintor tinha sido feita de
forma honesta e com pureza de intenções.
Desta
forma, no dia 24 de Fevereiro de 1947, em Marrocos, pintou uma tela em público.
Foi feito nessa altura um abaixo-assinado com 112 assinaturas entre as quais
médicos, psiquiatras, professores, jornalistas, comissários de polícia,
pintores, arquitectos…”
.
Composição Simbólica do Mundo Espiritual,
Augustin Lesage, 1923
.
.
.
.
Este artigo foi traduzido do nº 78 de La Revue
Spirite, do primeiro trimestre de 2008, de acordo com o texto ali publicado sem
referência à autoria do mesmo.
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