(Comunicação espontânea – Sociedade Espírita de Paris, 19 de fevereiro de 1864 – Médium: Sr. Leymarie)
A imprensa foi inventada no século quinze. Como tantas outras invenções, conhecidas ou desconhecidas, foi preciso tomar a taça e beber o fel. Não venho a vós, espíritas, para contar meus dissabores e sofrimentos; porque naqueles tempos de ignorância e de tristeza, em que vossos pais tinham sobre o peito o pesadelo chamado feudalismo e uma teocracia cega e ciosa de seu poder, todo homem de progresso tinha cabeça demais. Quero apenas dizer-vos algumas palavras a respeito de minha invenção, de seus resultados e de sua afinidade espiritual convosco, com os elementos que fazem vossa força expansiva.
A revolução-mãe, que trazia em seus flancos o modo de expressão da Humanidade, despojando o pensamento humano do passado, de sua pele simbólica, é invenção da imprensa. Sob essa forma o pensamento mistura-se no ar, espiritualiza-se, será indestrutível. Senhora dos séculos futuros, alça seu vôo inteligente para ligar todos os pontos do espaço e, desde esse dia, domina a velha maneira de falar. Os povos primitivos necessitavam de monumentos representando um povo, montanhas de pedra dizendo aos que sabem ver: Eis minha religião, minha fé, minhas esperanças, minha poesia.
Com efeito, a imprensa substitui o hieróglifo; sua linguagem é acessível a todos, seus apetrechos são leves; é que um livro não pede senão um pouco de papel, um pouco de tinta, algumas mãos, ao passo que uma catedral exige várias vidas de um povo e toneladas de ouro.
Permiti, aqui, uma digressão. O alfabeto dos primeiros povos foi composto de pedaços de rocha, que o ferro não havia tocado. As pedras erguidas pelos Celtas também se encontram na Sibéria e na América. Eram lembranças humanas confusas, escritas em monumentos duráveis. O galgal hebreu, os crombels, os dólmens, os túmulos, mais tarde exprimiram palavras.
Depois vieram a tradição e o símbolo. Não mais bastando esses primeiros monumentos, criaram o edifício e a arquitetura tornou-se monstruosa; fixou-se como um gigante, repetindo às gerações novas os símbolos do passado. Tais foram os pagodes, as pirâmides, o templo de Salomão.
É o edifício que encerrava o verbo, essa idéia-mãe das nações. Sua forma e sua situação representavam todo um pensamento, e é por isso que todos os símbolos têm suas grandes e magníficas páginas de pedra.
A maçonaria é a idéia escrita, inteligente, pertencente a todos os homens unidos por um símbolo, tomando Iram por patrono e constituindo essa franco-maçonaria tão conspurcada, que trouxe em si o germe da liberdade. Ela soube semear seus monumentos e os símbolos do passado no mundo inteiro, substituindo a teocracia das primeiras civilizações pela democracia, esta lei da liberdade.
Depois dos monumentos teocráticos da Índia e do Egito, vêm suas irmãs, as arquiteturas grega e romana; depois o estilo romano tão sombrio, representando o absoluto, a unidade, o sacerdote; as cruzadas nos trouxeram a ogiva e o senhor quer partilhar, esperando o povo que saberá tomar o seu lugar; o feudalismo vê nascer a comuna e a face da Europa muda, porque a ogiva destrona o românico; o pedreiro torna-se artista e poetisa a matéria; dá-se o privilégio da liberdade na arquitetura, porque então o pensamento só tinha esse modo de expressão. Quantas sedições escritas na fachada dos monumentos! É por isto que os poetas, os pensadores, os deserdados, tudo quanto era inteligente, cobriu a Europa de catedrais.
Como vedes, até o pobre Guttemberg, a arquitetura é a escrita universal. Por sua vez, a imprensa derruba o gótico; a teocracia é o horror do progresso, a conservação mumificada dos tipos primitivos; a ogiva é a transição da noite ao crepúsculo, em que cada um pode ler a pedra facilmente; mas a imprensa é o pleno dia, derrubando o manuscrito, exigindo um espaço mais vasto, que doravante nada poderá restringir.
Como o Sol, a imprensa fecundará o mundo com seus raios benfazejos; a arquitetura não representará mais a sociedade; será clássica e renascentista, e esse mundo de artistas, divorciados do passado, abre rudes brechas nas teogonias humanas, para seguir a rota traçada por Deus; deixa de ser simples artesão dos monumentos da renascença, para se tornar escultor, pintor, músico; a força da harmonia se consome em livros e, já no século dezesseis, é tão robusta, tão forte essa imprensa de Nuremberg, que é o advento de um século literário; é, ao mesmo tempo, Lutero, Jean Goujon, Rousseau, Voltaire; trava na velha Europa esse combate lento, mas seguro, que sabe reconstruir depois de haver destruído.
E agora que o pensamento está emancipado, qual o poder que poderia escrever o livro arquitetural de nossa época?
Todos os bilhões de nosso planeta não bastariam e ninguém poderia reerguer o que está no passado e lhe pertence exclusivamente.
Sem desdenhar o grande livro da arquitetura, que é o passado e o seu ensino, agradeçamos a Deus que sabe, nas épocas propícias, pôr em nosso poder uma arma tão forte, que se torna o pão do Espírito, a emancipação do corpo, o livre-arbítrio do homem, a idéia comum a todos, a ciência, um á-bê-cê que fecunda a terra, tornando-nos melhores. Mas se a imprensa vos emancipou, a eletricidade vos fará verdadeiramente livres; é ela que destronará a imprensa de Guttemberg, para pôr em vossas mãos um poder muito mais temível, e isto em breve.
A ciência espírita, esta salvaguarda da Humanidade, vos ajudará a compreender a nova força de que vos falo. Guttemberg, a quem Deus deu uma missão providencial, sem dúvida fará parte da segunda, isto é, da que vos guiará no estudo dos fluidos.
Logo estareis prontos, caros amigos; não basta, porém, que sejais apenas espíritas fervorosos: também é preciso estudar, a fim de que tudo quanto vos foi ensinado sobre a eletricidade e os fluidos em geral seja para vós uma gramática sabida de cor. Nada é estranho à ciência dos Espíritos; quanto mais sólida a vossa bagagem intelectual, tanto menos vos surpreendereis com as novas descobertas. Devendo ser os iniciadores de novas formas de pensamento, deveis ser fortes e seguros de vossas faculdades espirituais.
Eu tinha, pois, razão de vos falar da minha missão, irmã da vossa. Sois os eleitos entre os homens. Os Espíritos bons vos dão um livro que dá a volta à Terra, mas, sem a imprensa, nada seríeis. Para vós, a obsessão que encobre a verdade aos homens desaparecerá; mas, repito, preparai-vos e estudai para serdes dignos do novo benefício e para saberdes mais inteligentemente que os outros, a fim de o espalhar e tornar aceito.
Guttemberg
Observação – Pela difusão das idéias, que tornou imperecíveis e que espalha aos quatro cantos do mundo, a imprensa produz uma revolução intelectual que ninguém pode ignorar.
Porque esse resultado era entrevisto, ela foi, de início, qualificada por alguns de invenção diabólica; é uma relação a mais que ela tem com o Espiritismo, e da qual Guttemberg deixou de falar. De fato pareceria, a dar ouvidos a certa gente, que o diabo detém o monopólio das grandes idéias: todas as que tendem a fazer a Humanidade dar um passo lhe são atribuídas. Sabe-se que o próprio Jesus foi acusado de agir por intermédio do demônio que, na verdade, deve orgulhar-se de todas as boas e belas coisas que retiram de Deus para lhas atribuir. Não foi ele quem inspirou Galileu e todas as descobertas científicas que fizeram a Humanidade progredir? Conforme isto, seria preciso que ele fosse muito modesto para não se julgar o dono do Universo.
Mas o que pode parecer estranho é a sua falta de habilidade, pois não há um só progresso da Ciência que não tenha por efeito arruinar o seu império. É um ponto sobre o qual não pensaram bastante.
Se tal foi o poder desse meio de propagação inteiramente material, quão maior não será o do ensino dos Espíritos, comunicando-se em toda parte, penetrando onde o acesso aos livros está proibido, fazendo-se ouvir até pelos que não querem escutar! Que poder humano poderia resistir a tal força?
Esta notável dissertação provocou, no seio da Sociedade, as reflexões seguintes, da parte de um outro Espírito.
REVISTA ESPÍRITA, ABRIL DE 1864